O que é preciso é começar 2.
De entre os muitos livros que integram a categoria dos livros-jogos, livros mecânicos, etc., este é um objecto curioso. Trata-se de uma colecção de dezasseis imagens duplas - mas não “ambíguas” como a famosa cabeça de coelho-pato de Jastrow/Wittgenstein, nem como as inúmeras “reversíveis” as quais, viradas ao contrário, revelam uma imagem diferente da primeira. Estas imagens são na verdade duas, “fatiadas”, em que cada fatia ou faixa de uma imagem se alterna com uma da outra, criando uma estranha amálgama ainda assim legível, de uma forma intuitiva. As imagens são unidas por um qualquer elo, usualmente formal, coincidente entre as duas figuras: um croissant coincide com a lua crescente na sua forma (assim como, em francês, na total coincidência do nome, o segundo derivando do primeiro); um foguetão e uma sardinha partilham a forma e um olho/escotilha; uma borboleta e um livro as duas asas; uma criança a despertar na cama pode parecer-se com o sol despontando de manhã sobre as nuvens; um crocodilo e uma serra terão os mesmos “dentes”; uma cegonha e uma tesoura abrirão o “bico” da mesma maneira; uns óculos e uma bicicleta são ambos objectos bi-ciclos. O livro têm ainda uma folha transparente, com faixas impressas, e que, ao ser passada por cima dos desenhos duplos impressos nas folhas, permite ver apenas uma das imagens, alternadamente. Em alguns aspectos, é quase a mesma técnica dos livros de Rufus Butler Seder, a scanimation, ainda que de um modo tecnicamente mais simples, sem a obsessão pela ilusão do movimento, e que pretende antes explorar, por um lado, a simplicidade das formas e cores (aparato típico de uma certa onda de ilustração de leste, à qual Foll pertencia, com o valor acrescentado de ser polaco, país com uma história significativa em quase todos os capítulos da ilustração, design gráfico, etc.) e, por outro, a associação livre de objectos que recordará o surrealismo.
O último par de imagens - a bicicleta e os óculos - e o próprio título, tornam inevitável a recordação do livro de prosa de Alexandre O’Neill, Uma coisa em forma de assim, cuja capa desde a edição original tinha uma foto do poeta com uma bicicleta sobre o rosto, as duas rodas fazendo as vezes de lente. Se este encontro pode ser numa primeira fase, à la Lautremont, “fortuito”, ele é, no campo do surrealismo, aberto a novos significados emergentes. O título de O’Neill é mais feliz que o do próprio Foll, pois onde este instala uma dúvida que implica uma obrigatória escolha entre uma coisa ou outra, o do poeta português permite que haja como que uma decisão pela vagueza: é uma coisa, sem qualquer dúvida, em forma de assim… e esse deíctico ver-se-á preenchido apenas no momento de folhear o livro. Não há grandes espaços para procurar soluções aos enigmas propostos, eles servem apenas para existir como tal.
Nota: agradecimentos à editora pela oferta do livro.
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