Sendo um género entre muitos, a banda desenhada autobiográfica tem angariado uma singular atenção crítica, e inclusive académica. Nada há de intrinsecamente superior nesse género em relação aos demais, nem é ele sinal de uma imediata valorização no tratamento das suas representações, mas ainda assim é a produção de trabalhos no interior desse género, ou nas suas fímbrias, que tem conquistado novos públicos diferenciados da grande massa de “jovens homens burgueses”. Se há mais mulheres a ler banda desenhada, mais pessoas maduras e mesmo velhas a ler mais banda desenhada e, sobretudo, mais pessoas de origens diferentes a criar banda desenhada - e existem estudos que corroboram estas meras informações -, tal deve-se, em larga medida, ao advento e desenvolvimento da banda desenhada autobiográfica, e a todos os subgéneros ou transformações que ela permitiu sobre todo o meio.
Esta monografia da investigadora britânica El Refaie é um tratamento concentrado do que ela entende como as características principais e estruturais do género (as quais, muito sucintamente, serão a “corporização”, o específico tratamento do tempo, a performance da autenticidade e as relações entre autor e leitor), o qual tem de batalhar ainda com tensões que nascem sobretudo da ambivalência que existe em relação à banda desenhada. Apesar da constância da autobiografia no mundo literário (apesar de todas as transformações genéricas e sociais que separam as suas épocas), noutras esferas ela não é uma constante, e foi a década de 1960 que, com o surgimento da arte conceptual e novas práticas e filosofias da arte que a noção de autobiografia irromperia na fotografia, na performance, no cinema, nas artes visuais e, igualmente, na banda desenhada. Se este não foi de forma alguma um meio onde parecia possível a autobiografia - já a biografia de “grandes homens”, numa abordagem pedagógico-moral, senão mesmo moralizante e exemplar, é uma realidade -, foi com autores como Justin Green, Robert Crumb, Harvey Pekar e Art Spiegelman (apesar de podermos recuar a outros momentos e encontrar exemplos pontuais e excelentes, como Miné Okubo) que se fundou essa possibilidade, essa condição de possibilidade mesmo.
A autora elegeu cerca de 80 títulos de bandas desenhadas autobiográficas, o mais diversas possíveis em termos de época, nacionalidades, estilos e humores, ainda que não tenha procurado, por um lado, uma exaustão impossível mas, por outro lado, que pouco seria reveladora. Por exemplo, não existem referências a trabalhos japoneses ou coreanos, apesar da sua relativa acessibilidade através de traduções, e tampouco de trabalhos de línguas que, imaginamos, a autora não domine (português, por hipótese). No entanto, a ausência ou presença deste ou daquele título é menos importante do que a forma como a autora os trata. Ora, El Refaie apresenta menos uma colecção de close readings de cada um do que vai tecendo considerações gerais e alargadas, que criam um tecido no qual os elementos desses mesmos livros estão presentes. Em vez de criar fichas de leitura, ela vai citando-os aqui e ali à medida que deles precisa para sustentar uma ideia, ou por vezes cria mesmo noções a partir de alguns modelos exemplares. Assim sendo, é óbvio que haja uma série de títulos repetidos várias vezes em diferentes contextos, tais como Fun Home ou Persepolis, ao passo que outros trabalhos são apenas citados uma vez.
Na verdade, não estamos seguros se esta é uma boa estratégia, já que algumas das noções apresentadas, sendo de uma extrema pertinência e frutíferas em investigações futuras, carecem de uma imediata aplicabilidade ou explicação mais clara, que estaria garantida se tivesse sido tentada pela própria autora junto a um conjunto mais alargado de trabalhos. Não há afinal uma procura por uma distinção mais clara entre esse agrupamento de trabalhos, mas antes uma amálgama deles no descritivo “autobiografia”. Ainda que autora deixe algumas anotações sobre a sua intenção e atenção para com as diferenças entre trabalhos, uma mais nítida explicitação entre os fitos ontológicos diversos de uma abordagem jornalística (Sacco, Rall, outros) e entre um projecto de auto-questionamento levaria de certeza a resultados estimulantes. Seja como for, uma vez que todos estes trabalhos, sendo eles publicados, estão sob “um processo de ‘comemoração’, no sentido em que memórias privadas são moldadas numa narrativa para consumo público”, como escreve a autora na página 8, estes são passíveis de um tratamento aberto enquanto parte de um corpus maior, a partir do qual se podem auscultar noções transversais.
A primeira dessas noções é a da “corporização”, uma tentativa de traduzir embodiment, que no caso da banda desenhada é “pictural”, no entendimento da autora. Esta, baseando-se noutros estudos, foca a representação de “identidades físicas que, de certas formas, reflectem os seus mais íntimos sentidos de si, muitas vezes utilizando uma panóplia de elementos simbólicos e tropos retóricos que adicionam novas camadas de significado aos seus auto-retratos” (51). Tendo em conta não apenas alguns trabalhos-chave neste aspecto (de Crumb a Kominsky, Clowes a Baudoin), mas igualmente muitas das especificidades formais da banda desenhada - e aqui a noção de multimodalidade, tal como estudada por Dale Jacobs, a quem voltaremos em breve, é muito produtiva - estas estratégias de representação surgem imediatamente como plurais. Isto é, é raro que os autores apresentem como que uma imagem única de si mesmos, até em termos visuais, mas antes se entreguem a distanciamentos irónicos e/ou flutuações estilísticas ou de tratamento.
No entanto, parece-nos que El Refaie não procura uma mais vincada exploração das questões de autoria, do papel do autor propriamente dito, sobretudo quando isso se torna crucial em projectos menos óbvios como os dois grandes projectos de Emannuel Guibert, La guerre d’Alan e Le photographe. Apesar da autora os citar, e trabalhar, assim como a falsa autobiografia de Judith Forest, por exemplo, não se dá aqui uma discussão mais prolongada sobre as implicações ontológicas de um e outro caso. Aliás, ela acaba por colocar mesmo de lado os conceitos de “monstrador” e “meganarrador” - que haviam sido tentados pelos paladinos da semiótica na banda desenhada, como Ph. Marion, Th. Groensteen, etc. - por considerá-los demasiados “desajeitados” (cumbersome, 58), preferindo antes regressar à noção do “autor implícito”. Se não deixa de ser verdade que eles não são imediatamente transparentes, a verdade é que se tratam de tentativas de teorizar e criar conceitos necessários para chegar a uma clareza maior na discussão e compreensão das especificidades formais e processuais da banda desenhada. Ao se discutir, por exemplo, a banda desenhada de Harvey Pekar, temos sempre de ter em mente que os desenhos que estamos a ver/ler foram criados por outra pessoa que não Pekar, e que esse(s) filtro(s) mediador(es) criarão seguramente inflexões sobre o que está a ser contado. Por hipótese, não haverá mais leitores interessados em verem as histórias de Pekar ilustradas por Crumb e Sacco do que artistas menos famosos (e, discutivelmente, menos impressionantes)? Ou bem pelo contrário, não haverá uma “cegueira” particular para aqueles leitores que se centram na experiência de Pekar independentemente da camada visual?
A autora é bem mais clara na forma como investiga as maneiras dos corpos, em termos físicos, se expressarem através dos desenhos múltiplos e variados, mesmo em relação a um mesmo indivíduo, e como esse acto de multiplicidade estilística reflecte uma “actividade profundamente social e política” (73), sobretudo no que diz respeito a todas aquelas pessoas que não pertencem ao (ainda) modelo do homem branco burguês ocidental saudável, etc., o que torna a banda desenhada uma plataforma particularmente intensa de auto-representação e mesmo de re-invenção de si mesmo, com autores mulheres, pessoas com deficiências físicas, pertencentes a grupos oprimidos política ou socialmente, pessoas com distúrbios mentais, ou, numa palavra, pessoas que não tinham tido acesso, até recente data, aos instrumentos que lhes permitissem falar por si mesmos, de modo livre e emancipado (a imagem que abre este parágrafo é um retrato de Bechdel criado, ou co-criado, por Riva Lehrer, alvo de um documentário curto, que poderá abrir novas questões sobre representação, colaboração na representação, etc.).
A segunda noção investigada pela autora é a maneira como o tempo é gerido na banda desenhada autobiográfica, a negociação permanente entre, como reza o título do capítulo, a “comemoração do passado” e a “antecipação do futuro”. Quer dizer, ainda que este género, enquanto parte daquilo que se chama “life writing” ou “escrita de vida”, tenha uma dimensão sobretudo retrospectiva, há uma outra dimensão, de antecipação, que tem um papel fundamental (103) e que muitas vez serão essas “esperanças e projecções futuras que também estão cheias de história e fantasia” (106) que irão presidir à construção estruturação da narrativa ofertada. Se as close readings de El Refaie, neste outro ponto, são muito boas, existem alguns momentos em que se instalam pequenas dúvidas sobre o seu tratamento geral. Acima de tudo, se por um lado nos parece que alguns trabalhos - no caso, discute-se Satrapi - não apenas exploram “resistências de representação”, mas transformam essas resistências em elementos constitutivos do próprio trabalho, por outro não nos parece que seja uma boa estratégia - e muito menos em círculos académicos - essencializar as dimensões associativas e fragmentárias da banda desenhada para a tornar o veículo “ideal” para a representação do trauma (v. pg. 133-134). Se é verdade que a banda desenhada é usualmente constituída por múltiplas imagens pequenas isoladas, o que leva ao surgimento e uma estrutura por partes e elipses, nem todas as narrativas acentuam essa fragmentação, havendo mesmo muitas que tentam ocultar essa dimensão através de estratégias de continuidade, fluidez e transparência narrativa, “naturalidade”, e por aí fora. Aqui depende muito do trabalho específico de que se está a falar.
A terceira noção explorada por é a da autenticidade, que já havia sido estudada por autores tais como Jan Baetens (um conjunto de ensaios imperativos) e Charles Hatfield (pelo menos o importante capítulo em Alternative Comics). Esta é uma noção absolutamente crucial, uma vez que corrige, digamos assim, a obsessão legalizante que existe quando se lê e discute autobiografia, sobretudo num meio que não oculta a sua dimensão de construção, de textualidade. Perguntar “mas isto aconteceu mesmo?”, “é mesmo verdade?”, tem menos importância do que procurar as estratégias de “autenticidade”. como explica a autora, “O propósito deste capítulo não é definir, ou tentar definir, o que é que torna uma memória gráfica essencialmente autêntica ou inautêntica, mas antes identificar as estratégias distintas de autenticização [nosso itálico; permitam-nos o neologismo, evitando autentificação], verbais e visuais, que parecem operar nas obras que analisamos” (138). O caso de "Judith Forest" aqui, teria um papel fundamental. E El Refaie propõe que esta autenticidade é performed, isto é, executada, processada, levada a cabo, desempenhada. Não é uma questão de mera existência versus ausência, e muito menos de um elemento que se possuísse em absoluto. Mais uma vez, a dimensão sócio-política tem um papel fundamental, pois grupos de representação minoritária gerem diferentemente os seus papéis de representação e autenticidade. Um homem branco surge sempre com múltiplas possibilidades de se reinventar, mas um homem negro, nos Estados Unidos ou em Portugal, ou uma mulher, aqui e noutras culturas, surgirão sempre como “negro” ou “mulher”, e esses elementos farão sempre parte das reinvenções/descrições que desejarem atravessar: “existem restrições óbvias nos repertórios de identidades disponíveis” para esses e outros grupos (141).
Adicionalmente, a discussão - que bebe da psicanálise - da mistura entre facto e ficção, fantasia e descrição, tem um papel importante na fabricação dos discursos de autenticidade, mas que é impossível expor e discutir neste espaço.
A última noção ou aspecto estudado por El Refaie, no seu imenso corpus de bandas desenhadas autobiográficas, são as estratégias empregues para nutrir a relação entre autor e leitor, as quais incluem a metáfora, o humor e a intertextualidade, cada uma delas analisada com rigor e exemplos iluminadores. Aqui aproximamo-nos de outro aspecto crucial na leitura de uma obra autobiográfica, e que criam um dos princípios basilares que o acto crítico deve respeitar para ser, própria e adequadamente, crítico: a distância da biografia do autor. Isto é, no momento em que aceitamos o texto enquanto autobiografia, e o entendemos precisamente enquanto texto, objecto autónomo em relação ao(s) seu(s) autor(es), abdicando de uma pesquisa propriamente judicial (“a verdade”) e aceitamos as estratégias de “autenticidade” - como nos fala a nós - eles provocarão uma determinada resposta, que dependerá do posicionamento do leitor, e que pode atravessar sentimentos como os da “compaixão, compreensão, respeito, ou simplesmente entretenimento” (179). A autor identifica dois “mecanismos”, como escreve, desta aproximação, a saber, o envolvimento e a afiliação. O primeiro tem a ver com o modo como o leitor co-constrói significado no meio da banda desenhada (tecendo as vinhetas numa continuidade, lendo desenhos fragmentários em significados narrativos e/ou simbólicos, etc.). O segundo é divisível em identificação e empatia. Todavia, a autora, em relação à identificação, cai no mesmo problema já antes discutido neste espaço em relação a ouros investigadores. A mistura entre as identificações psicanalítica e semiótica (isto é, entre duas noções que, apesar de empregarem o mesmo termo, não dizem respeito à mesma experiência humana), e a aceitação quase cabal da teoria mal-enjorcada propagada por Scott McCloud de que os desenhos mais simplificados nos “atraem” mais, tornando-nos neles, etc. (v. 191 e ss.) torna a argumentação algo frágil na sua continuação.
A questão da empatia é muito interpelante, sobretudo quando se aborda a limitação de sentirmos essa emoção tão forte e tão profunda em relação a personagens não-reais (mesmo no caso da autobiografia, não estamos a falar de uma confrontação directa com alguém, mas antes com uma construção textual e visual).
O livro de El Refaie é um contributo importantíssimo para a contínua discussão de vários pormenores teóricos deste género em particular (e dos possíveis cruzamentos ou contaminações dele com outros). Não é, de forma alguma, um volume de introdução ao género, pois ele exige desde logo alguma familiaridade com um grupo considerável de textos primários, e até mesmo alguma intimidade com os elementos comuns entre eles, assim como com alguns dos textos inaugurais da sua abordagem crítica. Além disso, não é de forma algum um gesto isolado, antes vindo colocar-se ao lado de projectos tais como Graphic Women, Graphic Subjects, ou mesmo monografias como aquela sobre Lynda Barry.
E se muitas das questões parecem relativamente insuficientemente enquadradas, ou seguem ideias anteriormente expostas e criticáveis, o livro possui um número suficientemente de ideias estimulantes, e uma estruturação clara, para o tornar parte de uma biblioteca crescente neste tópico específico.
Nota final: agradecimentos à editora, pela oferta do livro.
Caro Pedro,
ResponderEliminarRelativamente às obras de bd autobiográficas que li, nem de perto chego às 80, as minhas preferidas foram sempre as do "Esplendor Americano" e, mesmo depois de ter lido outras posteriormente, sempre as considerei a forma mais completa e acabada de fazer autobiografia em bd. Para além dos dois tipos de leitores do Pekar que identificas, também há aqueles que não se deixam surpreender pela diferença brutal de percepção do som que existe na audição da própria voz ao natural, ecoando pela cavidade craniana e a mesma voz reproduzida num gravador. Sendo essa nossa cavidade craniana um obstáculo ao verdadeiro processo de autoavaliação, sempre achei que a diversidade de pessoas que ajudaram à caracterização do Harvey Pekar foram a forma acabada de ajudar o autor a ultrapassar esse obstáculo à autoanálise. E vejamos que apesar de tudo, pelos vários elementos definidores da sua forma de contar histórias (ausência de punch, honestidade de tratamento das situações e das demais personagens, entre outros), estaríamos perante um homem mais capaz a ultrapassar o obstáculo sem auxílio se por acaso tal fosse possível. Assim, mesmo que a diferença de qualidade artística entre desenhadores seja discutível, foi sempre muito interessante para mim, como em nenhuma obra autobiográfica de bd que tenha lido, conseguir compreender a totalidade do homem através das percepções diferentes que o identificavam na sua aparência e a relação que esses desenhadores tinham com ele, sendo que nem sempre as relações mais próximas eram as mais verdadeiras, talvez pelo efeito de ricochete de personalidades. O Harvey musculado, o gordo, mais careca ou com mais cabelo, as feições de traço limpo ou distorcido, a postura corporal eram um factor importante à composição da personagem muito consideradas e procuradas pelo autor. Como bem dizes, uma leitura no extremo das duas questões que colocas não permitirá, penso, alcançar a dimensão do trabalho de uma vida do Splendor que, parece-me, pela sua continuidade, escapará ao entendimento de gestão do tempo da autora. Talvez qualquer um de nós possa ter esse entendimento se leu o AS em compilações, mas nunca através da leitura isolada e à vez de cada revista. Na análise da totalidade da obra, pela mesma metáfora da diversidade do traço, haverá talvez uma analogia semelhante a fazer através da forma e momentos da edição. Como exemplo de tudo o que escrevi, apesar de particularmente encontrar no "A Drifting Life" do Yoshihiro Tatsumi uma proximidade de intenções (e quem sabe de influências na composição dessa autobiografia), na conclusão da leitura desse livro sinto sempre que o meu conhecimento do autor ficou aquém da totalidade que ecoou através da cavidade craniana.
Em relação ao Scott McCloud, dá pra ver pela história do teu blogue que não és grande admirador e que ele, apesar das várias chamadas que terá nestas "Semanas Académicas", não terá direito a um post :-))))). Salvaguardado o direito e esclarecimento da tua opinião relativamente à qualidade das análises deste autor (muito popular) e ao seu "entendimento da banda desenhada", neste caso particular, ele e consequentemente Elisabeth El Refaie, não fazem mais que corroborar (talvez sem o saber (eheheheh)) as ideias de um dos maiores génios literários portugueses, Padre António Vieira, quando propõe que um Santo António a pregar aos peixes seria a melhor forma de pregar aos homens.
Obrigado e um abraço.
José Sá
Olá.
ResponderEliminarBom, a etiqueta "autobiografia" já está quase nos 80 títulos neste espaço, mas seguramente que li muito mais obras do que essas, sendo aliás um tema que me é caro (a tese de Mestrado, a exposição central do FIBDA 2012, etc.), mas mesmo assim não sei que conseguiria dizer qual a "forma mais completa e acabada de fazer autobiografia em bd". Cada caso é um caso que constrói as suas próprias regras, e não pode ser uma obra multifacetada e em colaboração (queria escrever isto em itálicos) como o "AS" que pautaria as demais obras, sobretudo aquelas que acho mesmo maiores, como as de Fabrice Neaud, David B. ou, ainda "em colaboração", Emmanuel Guibert. Mas compreendo, e concordo, com essa forma de conquista de Pekar, que respeita mais a volubilidade humana de todos os dias do que qualquer heroica e definitiva representação dos autores (se bem que todos confessem sempre a incompletude inerente e a esse gesto). Eu acompanhei o "AS" erraticamente, e até pela minha idade, tardiamente, mas não posso falar da mesma forma da relação com a realidade, da voz cavernosa, descoberta bem mais tarde...
Haveria mais a dizer, mas fico-me por aqui. Quanto ao Scott McCloud, não, não havendo nada de novo, nada há de novo a dizer. O único problema é que a forma dele expor o trabalho leva muitas pessoas a tomar a sua palavra como sacrossanta, e é uma refer~encia repetida tanto na academia publicada como em trabalhos escolares com que me cruzo em Portugal, e que jamais se distanciam do que ele diz para ver se faz sentido. Há muitas lições perfeitas, que eu próprio uso no meu ensino. Outras, que deveriam ser eliminadas de uma vez por todas do vocabulário, sendo a "identificação" uma delas. E não tem nada a ver com a alegoria do Vieira, tomara o Mccloud!
Pedro Moura