Este é o livro mais ambicioso da saga desta personagem, e seguramente que, não apenas pela sua circulação, divulgação, formato e apresentação física, mas também pela desenvoltura gráfica e narrativa, será aquele que mais facilmente chegará a um público ligeiramente mais alargado e diferenciado. Além do mais, é também o livro que, na economia dos anteriores, escapa de certa forma ao género do humor (ainda que mesclado com o policial e o absurdo) para tentar ser uma estrutura mais complexa. O seu grau de autonomia é também assinalável. Porém, subsistem algumas dúvidas se de facto consegue O impaciente inglês conquistar a complexidade que aparentemente parece almejar.
À imagem do aardvark Cerebus de Dave Sim, Super Pig é uma personagem única, zoomórfica, que vive num universo aparentemente realista, habitado por seres humanos normais, salvo todos os pontos de entrada do absurdo e do fantástico a que as narrativas obrigam. A economia de distribuição de papéis é assim idêntica à de Cerebus, se bem que as inscrições narrativas e de género sejam bem distintas. Se a obra do autor canadiano nasceu enquanto pastiche de sword-and-sorcery para rapidamente entrar num opus complexo de crítica social e filosófica (concorde-se ou não com as posições, controversas e vincadas, do autor), Mário Freitas parece ter dado origem a esta sua personagem para criar um espaço onde pudesse explorar toda uma série de ideias, desde pequenas anedotas ligeiramente veladas da psique nacional a conceitos devedor ao absurdo transformado em palco de conspirações. Todavia, o tom geral sempre foi o de alguma leveza, que O impaciente inglês tenta abandonar, tornando mais palpável a rede de referências, quer históricas e reais, quer a géneros mais densos. Depois de termos seguido alguns passos da vida do protagonista, a sua entrada numa instituição fundada pelo pai (Fundação Calouste Pig), e um desvio pela sua infância (em Roleta nipónica), este volume coloca-o no centro de uma trama que se estende por séculos, originando-se em Inglaterra (ou Reino Unido), passa pelo seu pai e vem desembocar na sua pessoa. No entanto, esta descrição pode dar a entender uma estrutura fluida e - não obstante a complexidade e linhas intricadas que pudesse assumir - coesa que, infelizmente, não possui.
Não somos, de modo algum, seguidores de qualquer tipo de dogmas para chegar a uma valorização de uma obra, achando que algo deve ser assim ou assado, ou se se não cumprir uma qualquer “regra” que se chegará necessariamente a um resultado menos satisfatório. Todavia, tendo em consideração que Impaciente se inscreve de modo claríssimo numa tradição que se pretende narrativa, clara, e até mesmo respeitadora de certos géneros, então aplicam-se determinados desejos de ordem. Há dois que importa salientar. Por um lado, a ideia muitas vezes repetida do “show, don’t tell”, que abordaremos já de seguida. Por outra, a do encadeamento das partes, e que nos remete para o princípio de todas as teorias da narrativa. É de Aristóteles a lição primordial da Poética: naquilo a que o filósofo chamava de “enredos simples” (isto é, o mythos, por oposição aos versos), distinguir-se-ão aqueles que organizam as partes, ou episódios, através da sucessão, “uns após outros [met’allèla] sem uma sequência verosímil ou necessária”, daqueles que as encaixam através de “uma relação de causalidade entre si” [di’allèla]. Isto é, consideraremos a existência de partes isoláveis e identificáveis enquanto tal, mas estudar-se-á se elas criam entre si uma relação de necessidade, de emergência de um tecido suave diegético, ou se mantêm a sua qualidade isolável. Ora estamos em crer que em Impaciente a ambição de gerir toda uma série de planos de desenvolvimento, conceitos e tempos, alguns deles de grande interesse, acaba porém por fazer rasgar a possibilidade de uma maior inconsutilidade, e cria antes uma catadupa de eventos relativamente desconexos. Ou pelo menos, como reza a expressão, aqui justíssima, “presos por um fio”, não sendo este fio aquele condutor de uma narrativa totalmente coesa. Apesar de, como dissemos atrás, a ambição e produção deste volume o tornar de facto o livro mais acabado na série em termos gerais, talvez não seja ele o mais equilibrado em termos diegéticos. Até pela sua concentração, é Roleta nipónica o que apresenta a estrutura mais elegante (apesar da ausência de cor no final não lhe garantir o fechamento do arco, parece-nos), já que os anteriores livros também sofriam daquele encadeamento de episódios “soltos”.
Esta realidade descritiva vai desembocar no problema de acedermos a informações sobre as personagens mais pelo que nos é revelado textualmente, pelas próprias ou pelas outras que os rodeiam, do que pelas suas acções efectivas delas nas narrativas. Esse é um dos outros problemas para chegar a uma leitura suave de O impaciente inglês. Consideremos a personalidade de Super Pig. A sua construção é muito curiosa e devedora, em larga medida, de várias tradições da banda desenhada facilmente reconhecíveis. Mário Freitas lança a sua personagem zoomórfica num universo de seres humanos, mas em que todavia rapidamente essa opção não dirá respeito a uma qualquer fantasia, possibilidade de maravilhoso, mas antes tão-somente a um equilíbrio actancial muito curioso. O que vai permitir ao autor jogar com toda uma série de referências (todo o conjunto de piadas em torno de temas suínos, sendo aliás os trocadilhos uma constante na sua escrita) como escolher, conforme as necessidades, um tom ora mais realista, ora mais fantástico, ora mais humorístico, etc., demonstrando assim a sua liberdade de géneros fechados.
O problema é que a personagem Pig é, no fundo, uma cifra, que está totalmente dependente das acções em que é colocado, e de certa forma quase sempre as resolve enquanto factor ex machina. Não compreendemos jamais, apesar da leitura dos livros, o que é que esta personagem faz, e muito menos a razão pela qual ela parece angariar a fama e o respeito dos que o rodeiam. Ele é respeitado, sem dúvida, mas não testemunhamos jamais as acções que o levam a conquistar esse respeito. Por exemplo, “sabemos” que ele ajuda a polícia em determinados casos, mas a forma como “vemos” esta personagem a resolver casos nunca é graças aos seus poderes de dedução ou de acção, mas antes chega lá quase por acidente. Já na Fundação, à qual acede por um estranho convite - quer dizer, ele é filho do fundador, e tenta-se demonstrar que não é essa a razão pela qual é convidado, mas tampouco se percebem quais as qualidades que tem para ganhar essa confiança - parece reduzir-se a papéis relativamente simples, desde escolher “bolsistas” (possivelmente um brasileirismo para “bolseiro”) ou a revelar uniformes à trekkie. Neste ponto, importa apontar que o papel desta Fundação também não é totalmente claro (arte, ciência, educação, tecnologia de ponta, numa espécie de cruzamento entre a Gulbenkian e a Wayne ou Future Foundations?). E a sua (quase) infalibilidade à mesa, na moda, na pista de dança, a conduzir helicópteros que jamais tinha visto, torna-o uma espécie de James Bond improptu ou instantâneo, mas que não ajudam à construção gradual da personagem, julgamos. Será ele então respeitado por ser um bom economista, ter dotes físicos e de combate, uma inteligência superna, ou - enfim, a imagem que mais resiste e sobrevive - ser uma pessoa com dinheiro? Regressamos ao início do parágrafo: parece ser quase uma cifra, passível de ser modelada conforme as necessidades dos eventos que se seguem, e não uma exploração interna da sua personalidade e limites que levem a acções e reacções necessárias. (Como é natural, abster-nos-emos totalmente de considerações biografistas e psicologizantes, apesar de existirem suficientes pistas textuais e paratextuais que permitiram interpretar a personagem como um avatar ficcionalizado do próprio autor, onde ele poderá ou não projectar experiências pessoais; mas sendo essa uma opção de todo e qualquer autor, ela não pode tornar-se um instrumento de leitura e interpretação, que se tornaria abusivo e falso). E se a interpretarmos dessa forma, e recordando ainda a autonomia do título, poderíamos perguntar-nos se não poderia ser a história tecida em torno de outras personagens, sem que se perdesse a estrutura e interesse? Provavelmente a trama, intricada e com pontos promissores de desenvolvimento, ganharia se fosse um universo autónomo.
O mesmo poderá ser dito das personagens que o rodeiam, inclusive da família, mas tendo tão pouco tempo de presença e desenvolvimento na acção da narrativa, não há espaço para as expor. E acabam por surgir quase sempre reduzidas a uma ou duas características-chave. Repare-se como a figura da mãe parece problemática e um obstáculo na vida de Pig, mas não há interacção e conflito suficiente entre eles para perceber o que minaria essa relação. Mesmo o pai surge como uma versão ligeiramente diferenciada do seu filho. Sabe artes marciais, fala japonês, tem características infalíveis em termos culturais e de negócio, e recebe uma honra incomparável da parte de Churchill, para quem havia trabalhado como secretário, mas sem que compreendamos as razões que o levaram a conquistar essa honra. E tendo em consideração que o que herda de Churchill - a língua de Shakespeare - é o garante da glória britânica, não é clara a razão de ser um português quem a deve proteger de seguida (quer dizer, trocam-se palavras, explícitas, mas não é clara a razão).
Não obstante essa redução das personagens a agentes que servem de eixos mas não agentes das acções propostas, as ideias esgrimidas em O impaciente inglês são curiosas, imaginativas e estranhas de um modo inusitado, permitindo ao autor estabelecer uma trama complexa que nasce na Inglaterra isabelina, com Shakespeare e o mago John Dee, para atravessar vários dos momentos da sua história, muitos nomes sonantes - e até bastamente famosos - para desembocar em Churchill, passar pelo desvio, em Portugal nas mãos dos Pigs, para finalmente espoletar a acção central do livro. As várias heranças da língua, que passa por Milton, Wilde, e Darwin, por exemplo, poderão fazer recordar alguns leitores da intricada linha do Priorado de Sião, divulgado pelas obras de Baigent, Leigh e Lincoln, e popularizado por Dan Brown, mas são muitas as outras fontes, populares ou eruditas, possíveis de arrolar na leitura deste livro.
Os leitores de Grant Morrison, Neil Gaiman e Alan Moore conhecerão muitas dessas referências, e até certo ponto podemos imaginar que esta aventura é uma espécie de homenagem a esse trio importantíssimo de autores, e às suas ideias e elementos costumeiros, e mesmo alguns personagens, como Shakespeare, John Dee ou o trio de Byron e os Shelley. Os conceitos estrambólicos de Morrison estão presentes, por exemplo, na língua, que poderá recordar a cabeça de São João Baptista de The Invisibles, tal como o grupo L.I.V.E.H.A.T.E poderia associar-se às várias guildas de The Doom Patrol; as incursões pela história e a emergência de uma sustentável conspiração mágica terá muito de Sandman, e existem referências explícitas a From Hell. No entanto, perguntamo-nos se a catadupa de informações e linhas de fuga temáticas e de conceitos acaba por vir a coalescer-se numa narrativa fluida. Na verdade, algumas das ideias não são claras de todo, especialmente no que diz respeito aos “recipientes” da língua, as relações entre estes e os poderes instituídos (porque é que a Rainha Vitória se parece subitamente com um monstro? Não haveria alternativa em quem recebia? Por que razão está interessado o Kent Waite contemporâneo num plano de conquista cultural que não se havia debatido anteriormente?). E bastaria perguntarmo-nos “quais são os poderes efectivos da língua?” para desafiar essa compreensão.
No entanto, Mário Freitas apresenta toda uma série de ideias notáveis e particularmente operatórias na sua narrativa, trouvailles que contribuem para a mecânica densa do livro e, como toda aquela ficção efectiva, trazendo elementos fantasiosos que, depois de inventados, se tornam como que mais verdadeiros e interpelantes que a pobre e apagada “verdade histórica”. Dois desses mecanismos são a forma como as linhas da Union Jack se tornam o símbolo “fechado” que terá um papel preponderante na trama, ou a “explicação” do consumo de álcool e charutos da parte de Churchill (que, se por um lado complica a concepção explícita do poder da língua, faz pensar que o autor presta uma bela homenagem ao poema “Bluebird” de Bukowski). Há uma linha que tenta explorar o lado mais emotivo das personagens, sobretudo naquele friso inferior a cinzentos que demonstra (parte) da relação entre o Super Pig e o seu pai Calouste, que é em larga medida paralelo à acção, mesmo visual, de Impaciente, e que aponta à potencialidade de uma exploração bem distante da parte mais espectacular. Além do mais, existem várias cenas em que a interacção entre as personagens, os diálogos, os silêncios e os desenlaces das mini-acções, as transições entre cenas, são extremamente contundentes e efectivos, como no início da alucinação de Pig ou a página do epílogo.
Toda esta densa saga transhistórica e mágica é apresentada num veículo igualmente complexo, naturalmente. Em termos de composição, é bem possível que seja uma negociação entre a planificação de Freitas e a visualização de Pereira. Tendo em consideração os anteriores livros, que também se abandonavam a construções de página vistosas e complexas, não deixam de se detectar os mesmos princípios em Impaciente, e que nos fazem pensar nalgumas escolhas de Williams ou Quitely (sobretudo We3), como havíamos discutido a propósito de Sandman: Ouverture. Porém, se nestes últimos autores existem construções complexas mas judiciosas e que acentuam os significados (dinâmicos ou outros) do que é transmitido conotativamente na prancha, a esmagadora das opções da saga de Super Pig acabam por atingir um certo excesso. Não sendo impossível compreender todos os níveis da narrativa em curso, os efeitos estão ligeiramente mais próximos da pirotecnia do que numa fluida construção de sentido. Roleta nipónica era mais simples, e por isso equilibrado, e este novo volume volta a escolhas agudas, mais uma vez sublinhando a sua ambição. Nalguns casos, a clareza leva a uma fluidez de acção e reacção, como no caso do jogo de squash entre Pig e Rios de Massa, noutros casos pretende gerir várias linhas de atenção, como na cena inicial do encontro entre Pig e Kent Waite (pgs. 6-7), mas na recta final do desenlace existem opções que funcionariam melhor numa estrutura menos fragmentada. A constante alteração de ângulos, posições e planos nem sempre contribui para tornar mais interessantes as cenas, e a construção de espaços cheios e pormenorizados acentuam a sua ausência imediata (como a cena no escritório de Silva Mendes).
Em algumas das reacções ao trabalho de André Pereira, é curioso ver repetidas algumas das ideias, por vezes, ipsis verbis, do que foi dito na apresentação pública do livro no último FIBDA, mas sem que se procure compreender o valor das palavras e a correcção dos conceitos empregues. Uma primeira abordagem tem a ver com a figuração do artista, apelidada aqui e ali de “grotesca”. No entanto, que sentido quer essa palavra tomar? Estará a referir-se a uma forma de desenhar corpos menos atreitos às regras naturalistas da anatomia, ou a algumas das linguagens gráficas mais clássicas? Se as comparações ao trabalho de Frank Quitely funcionarem, em termos de figuração, terá que se compreender que dirá menos respeito à “potência física” dos corpos desenhados pelo autor britânico repetindo-se nos dos do português do que a uma formulação que distorce os rostos dos do primeiro (veja-se a capa de Terra Dois, publicado há pouco tempo em Portugal, e repare-se como a Mulher Maravilha parece um homem, e todos eles partilharem princípios estruturais), e todas as formas do segundo. Pereira não tem, de facto, uma linguagem suave, streamlined, uma vez que ele se inscreve numa escola mais “nervosa” (havíamos falado de Troy Nixey antes, mas haverá muitas outras referências).
Ou será mesmo possível regressar ao sentido daquela palavra na história de arte, que o associa às grottas italianas, isto é, às ruínas romanas e pinturas simples aí encontradas, por volta do século XVI? Mais especificamente, esse seria um vocábulo para descrever as pinturas ornamentais, cheias de motivos florais ou zoomórficos, que se compunham numa faixa vertical. Só mais tarde é que seria aplicado à literatura, e sugeriria ideias do ridículo ou absurdo, do monstruoso e do anormal. A palavra assume sempre, portanto, um tom relativamente pejorativo, sinónimo de “feio”, ou pelo menos de “distorcido”, “não conforme”, “estranho”, a ideia de excessivo. Se forem estes últimos sentidos, então notar-se-á sem dúvida que, apesar de Pereira ter criado uma história dinâmica em Inner Math/Mega Fauna, e depois em 9:2:5 ter perseguido antes um registo quase autobiográfico (nele podia-se testemunhar em parte o processo de desenho d’O impaciente), as suas opções figurativas, e sobretudo das expressões dos rostos, eram muito calmas e recatadas. O tipo de melodrama exigido pela saga de Super Pig, porém, lança-o numa zona de algum desconforto, e de facto notam-se alguns momentos mal conquistados nos momentos em que as personagens se exaltam, gritam, ou são surpreendidas. Pereira domina a continuidade dos corpos, mas nos grandes planos dos rostos perde-se alguma da coesão necessária.
Não obstante, de todos os artistas que desenharam o Super Pig, André Pereira é aquele que traz uma verdadeira personalidade gráfica (para além de mascote publicitária) e coerência interna para o projecto. Se podemos ver em Osvaldo Medina uma boa prestação, com Roleta, ela era-o por contrastar com alguns dos problemas de incoerência, prosaica se não mesmo insípida dos primeiros capítulos, já que mesmo assim não está ao nível do seu A fórmula da felicidade. E há algo no desenho em desequilíbrio de André Pereira, entre o caricatural, ilustrativo, “abonecado”, e o épico, dinâmico, modulado, que torna este universo diegético mais conciso.
Como se sabe, as estratégias do autor-editor têm sido a de sublinhar e tornar visíveis as mais possível todas as funções na economia de produção de um livro, o que é um gesto relativamente inédito entre nós, quer em termos de constituição de equipa quer em termos de atribuição e importância pública. Se sabemos que poderá sempre existir alguém responsável pela cor ou legendagem que não os artistas principais, é raro que se lhes dê lugar de destaque (o nome na capa, uma apresentação pessoal, etc.), pelo menos na tradição europeia, apenas há pouco tempo “corrigida”. No entanto, isso não significa necessariamente que, respeitando-se as contribuições artísticas desses intervenientes, que levam ao resultado final, aceitemos o mesmo grau de responsabilidade autoral (se bem que esta questão mereceria uma discussão maior, existindo casos-charneira nas quais as cores são decisivas não tanto na mera “beleza” como na construção de significado).
Ora as cores de Bernardo Majer são suficientes, mas questionamo-nos se merecerá uma discussão própria mesmo no nosso contexto de difícil profissionalização. Afinal de contas, não estamos perante um trabalho intenso e singular de cor directa como, por exemplo, aquele de Mattotti, Miguel Rocha ou de Diniz Conefrey, ou as expansões líquidas de Lynn Varley ou Pratt, os graus acima da linha clara de Yves Chaland e Isabelle Beaumenay-Joannet no Incal, nem de uma modulação da cor detalhada, com Photoshop, de Dave Stewart ou Matt Hollingsworth. No entanto, na ausência de um “mercado” (trabalho sustentado, acesso a tecnologia, assistentes e remuneração que liberte de outras responsabilidades, concentração e exclusividade), o domínio de uma ferramenta destas irá acentuar sobremaneira a expressão da arte original. A esmagadora maioria da coloração é feita com a escolha de uma cor para cada superfície, e as sombras na mesma são feitas com algumas gradações mais escuras (ou traços mais claros para dar toques de reflexos de luz, auréolas de brilho, etc.). Há uma procura por alguma ambientação geral diferenciada conforme estamos no “presente narrativo” ou em cenas pretéritas (a saga da língua, os flashbacks a cinzentos da infância de Pig), eficiente, mas em termos gerais acaba por se criar uma espécie de camada plana e sóbria, senão sombria, de uma ponta à outra. Além do mais, o desenho de Pereira opta precisamente por linhas nervosas, inclusive nos corpos e rostos, que já os modulam de uma maneira, que nem sempre é seguida com justeza (o que é diferente de “precisão”) por Majer. Contraste-se, a título de exemplo, esta galeria de rostos (pg. 37). Dito isto, não deixam estes de ser gestos conducentes à emergência de uma verdadeira coordenação de talentos, de extrema importância, e nada disto reflecte a qualidade do trabalho de Majer a solo, cuja obra é de uma solidez considerável, e que o inscreve numa escola de jovens autores que mesclam princípios da ilustração e da banda desenhada, de uma sensibilidade muito europeia. Futuros trabalhos anunciados possivelmente revelarão o seu traço a um público mais alargado do que aquele atento aos concursos nacionais.
Assim sendo, o equilíbrio de Super Pig. O impaciente inglês torna-a uma obra a ler atentamente, e a compreender o seu papel na economia da produção contínua da saga, e dos seus autores envolvidos.
(thou shalt not use his name in vain...)
ResponderEliminarViva, Pedro. Quero saudar esta crítica e agradecê-la, porque é sempre gratificante ver alguém debruçar-se com este detalhe sobre algo a que se dedicou tanto tempo e alma, como aconteceu comigo com este livro.
ResponderEliminarAceito (e vou interiorizar) algumas das coisas menos positivas que apontas (nomeadamente a persona do Pig e uma certa ligeireza das suas aptidões abrangentes e excepcionais), mas algumas há com que concordo menos ou discordo em absoluto, ou não estivéssemos nós no campo da subjectividade.
Aponto em particular a personagem da mãe do Pig, que não creio que devesse ser, para já, mais explorada. Captaste o fundamental, ou seja, a existência de uma divisão fracturante entre ambos, ideia fundamental desta narrativa, até por contraste com a forma como a relação do Pig com o pai é apresentada.
Também creio que há diferenças notórias entre as personalidades do Super e do Calouste. Se o primeiro é um menino rico (nem sempre mimado) e, talvez, a sua suposta indefinição de carácter seja fruto disso, o segundo é um "self-made man", duro nas atitudes e rígido nos princípios. Em última instância, este álbum demonstra como o Calouste era muito melhor juiz de carácter (neste caso do Kent Waite contemporâneo) do que o seu filho provou ser.
E já que falo de "Lorde Horatius", a história deixa indicações, escritas ou implícitas, do porquê do momento da sua demanda colonialista ou imperialista, à falta de melhores designações: ele tentou aproximar-se durante 30 anos de Calouste Pig, que sempre reprimiu as suas investidas, e teve de esperar pela sua morte para ver uma porta abrir-se na fundação. De resto, a recuperação da glória britânica isabelina ou vitoriana esteve sempre na sua agenda e foi uma questão de timing e de uma enorme paciência por parte do suposto impaciente inglês (e tu percebeste bem quem era o verdadeiro impaciente inglês da história).
De resto, foi interessante ver a análise comparativa entre os diversos livros e a evolução ao longo dos anos. Seria um exercício teórico interessante, se tal fizesse sentido (e não creio que faça), verdadeiras versões redux dos conceitos iniciais, revistos pela maior maturação do Mário Freitas (quer editor quer argumentista) de 2013. Se há coisas que decerto manteria, outras há que abandonaria sem pestanejar, nomeadamente o excesso de pseudo-gags em torno da fisionomia suína do protagonista (que, salvo erro, desaparecem por completo neste livro). O humor, ou a tentativa frustrada de nele entrar, não são manifestamente a minha cena.
Obrigado mais uma vez e um grande abraço.
Olá, Mário.
ResponderEliminarSem dúvida. A crítica, mesmo quando ancorada em argumentos e leituras detalhadas, não deixa de ser subjectiva, e permite - exige - que dela se discorde, quanto mais quando se trata do próprio autor.
Seguramente que um tempo outro levaria a leituras ligeiramente diferentes, mas penso que no cômputo geral gostaria de ter visto, talvez, esta obra ainda mais alargada (tarefa hercúlea, senão doida, no nosso burgo, but one can dream), de forma a se poderem desenvolver com mais clareza algumas das ideias, conceitos e relações.
Nada disto retira o prazer da leitura de muitos leitores, que decertos haverá, e é isso o que importa.
Não acho que haja pseudo-gags, atenção, são mesmo gags, funcionam (achei piada à Loja do Zé CIDadão, por exemplo, e sonho no dia em encontrar funcionários públicos tão atenciosos), simplesmente pergunto-me sobre o equilíbrio dos géneros misturados, que é sempre um bom princípio, em vez de se ficar fechado em géneros compartimentados.
Como havia dito no email pessoal, não me referi ao uso do inglês pois achei-o perfeitamente "natural" no contexto da história.
Onwards Pollock!
Um abraço e ate breve,
Pedro
We agree to desagree, indeed! :D
ResponderEliminarA cena da loja do Zé CIDadão, hoje em dia, embaraça-se um bocado, confesso. Gosto da ideia de uma repartição pública gigante, formatada ao mais ínfimo pormenor e portadora de funcionários afáveis e de facto eficientes, mas dispensaria de bom grado o trocadilho com o popular cantor.
A procura (e escorregadelas) entre géneros é típica da procura de uma voz autoral de alguém que começou a publicar tarde (aos 34 anos) e que reconhece as suas limitações (contrariamente ao que se tentou popularizar sobre mim), e que é capaz de olhar com distanciamento para as suas próprias obras, passado o devido período de paixão excessivamente carnal pela criação. De qualquer forma, os registos do Live Hate e do Impaciente são manifestamente aqueles em que mais me revejo, sobretudo conciliando a vertente fantástica com a emocional, que, aparentemente e a avaliar pelas críticas, foi das coisas mais conseguidas neste último álbum.
Remoendo ainda sobre o que comentaste em relação à persona do Pig, ocorreu-me que me faltou mencionar ontem que ele começou como uma sátira às celebridades que populam o nosso quotidiano, com o twist óbvio de se tratar de uma celebridade com cérebro e alicerces, quer financeiros, quer éticos. E ele foi co-optado para a administração da Fundação exactamente por ser filho do Calouste e tal foi indicado pelo pai em testamento. E a herança de cargos é algo comum em fundações de direito privado, pelo que não cometi aqui qualquer liberdade criativa ;)
Abraço!
Duas correcções:
ResponderEliminar"disagree" e "embaraça-me".
Olá Pedro,
ResponderEliminarDa tua crítica retive aquilo que para mim é a análise/sugestão que considero mais importante do teu texto e com a qual já concordava antecipadamente. Se o Mário Freitas atingiu uma maturidade e alcance maior na qualidade e originalidade da sua narrativa, talvez seja esta a melhor altura para abandonar esta personagem, fazer a matança do porco :-), e lançar-se para um novo patamar de criação. Como já tive a oportunidade de comentar, é difícil olhar para o Super Pig e para o Mário Freitas e não pensar no Cerebus e no Dave Sim. Discordo (quase em absoluto :-( que "as inscrições narrativas e de género" do Super Pig divirjam assim tanto das do Aardvark, mesmo que neste episódio se aproximem mais das novelas de Dan Brown. O próprio Mário Freitas o confessa nos seus comentários ao revelar algumas das motivações presentes à criação da "persona" do Super Pig. Não vou aqui repassar as 3 listas telefónicas mais relevantes e mais lidas - High Society e os 2 volumes do Church & State - e enumerar o número de caricaturas do social presentes, mas, não é um segredo bem guardado, que esses são os momentos mais populares, mais à superfície, e que influenciaram uma geração de criadores "without a cause" e não os das 21 listas seguintes mais intimistas, controversas ou filosóficas.
Não vale a pena recorrer a um exercício “joyciano” de dizer que não se vai dizer aquilo que implicitamente já se está a dizer: a leitura óbvia da colagem das personalidades e percurso do Mário Freitas ao Dave Sim, a espaços mimética, naturalmente indesejada pelo Mário, é incontornável para muitos daqueles que, sem uma leitura atenta, superficialmente apontarão as fraquezas às histórias do Super Pig. Muito honestamente, incluo-me entre essas pessoas que folhearam o Super Pig mas que o recusaram liminarmente pelas comparações que imediatamente estabeleceram e que, já agora, também se estenderão à vontade de condução artística muito presente do criador da personagem e que excede por vezes a elasticidade máxima permitida a uma página de banda desenhada, coisa que já acontecia com o Cerebus. Se no caso do porco selvagem, contraditoriamente, o superlativo era elegante, revelador de maturidade artística do desenhador, a falta (ainda) desta qualidade, para este porco doméstico (que não domesticado :-), não ignorando que a paleta escolhida teve grande influência nesta análise, já produz aqui resultados desequilibrados e a espaços grotescos do meu ponto de vista de leitor.
Voltando ao princípio, a importância do Mário Freitas no espaço editorial português merece, na minha opinião que repense a sugestão que aqui foi lançada e que ele rejeitou nos seus comentários de contar a(s) sua(s) histórias num universo diferente, mais autónomo de referências e... menos “económico”. Para que não haja mal-entendidos, sinceramente e sem condescender, tenho uma forte admiração pelo sucesso do trabalho do Mário Freitas na e pela bd em Portugal e tenho esta opinião menos conciliatória sobre este trabalho.
Obrigado e um abraço.
José
Peço desculpa pelo atraso, mas além dele, estou com o tempo extremamente limitado. Penso que não irei responder a todos os pontos.
ResponderEliminarJosé,
Não sei se concorde com essa "colagem" demasiado abrupta: se de facto mencionei o "Cerebus", não penso que haja em "Super Pig" qualquer desejo de seguir o mesmo caminho que não o seu. Além do mais, estou seguro que não haverá sequer inícios de misoginia e loucura no autor português. E tampouco menosprezo o humor desejado.
Mas menos ainda é tarefa do crítico dizer que "deveria ser assim ou assado"; o que detecto é uma economia da narrativa que pede por uma abordagem que me parece ter elementos difusos e distintos que nem sempre entram em concerto. É tudo.
Agora há que ler o "Glamourpuss"?
Pedro
Ora viva, José Sá, bem-vindo ao debate. Antes de mais, uma rápida achega: se há autores que têm pruridos em discutir a própria obra, eu não tenho quaisquer em que isso seja feito, desde que tal não se transforme numa defesa arregimentada das ideias ou pontos de vista do autor, coisa que creio conseguir evitar.
ResponderEliminarPor chocante que possa parecer, devo revelar que nunca li o Cerebus, para além dos 3 ou 4 primeiros fascículos integrados no 1º volume. A simples paródia de então ao Conan não me agarrou e acabei por pôr o livro de lado, esperando um dia voltar a ele, coisa que, 15 anos volvidos, não voltou (ainda) a acontecer.
Quanto à sugestão, respeito, mas não tenciono segui-la, muito honestamente. O abandono, puro e simples, de uma criação, terá de ser algo do imo do seu autor e do caminho ou ideias que tenha traçados para a sua personagem. Eu respeito e compreendo as reservas de algumas pessoas quanto às características da personagem, e tenho vindo a constatar - com alguma tristeza, note-se, e como o José Sá confessou -, "muitos daqueles que, sem uma leitura atenta, superficialmente apontarão as fraquezas às histórias do Super Pig.". Já tive oportunidade de anunciar que o meu próximo projecto nada terá a ver com o Pig e será antes uma narrativa mais "madura" centrada num artista plástico falhado com uma súbita obsessão por Jackson Pollock. Acredito que "O Último Pollock" quebre então o preconceito que a personagem do Pig e (talvez por consequência) eu próprio, enquanto argumentista, parecem ainda gerar.
Serve isto também para negar que eu rejeite contar histórias fora deste universo do Pig, o que nem faria qualquer sentido para um criador. Já escrevi várias histórias curtas totalmente díspares no seu contexto e conteúdo, nomeadamente a pedido do Geraldes Lino, e posso esconder qualquer modéstia ao afirmar que há coisas do qual tenho imenso orgulho pela forma como se destacaram das demais, nomeadamente o meu (e do Carlos Pedro) "Tintin e o Comic Sans" que escrevi para o Efeméride do Lino dedicado à personagem.
Dito isto, tenho uma última grande saga do Pig para contar (lá para 2015), algo que servirá para atar algumas pontas soltas (deixando outras propositadamente em aberto), mas nunca irei descurar a possibilidade de voltar pontualmente à personagem, nomeadamente num registo mais próximo do "Roleta Nipónica" (onde o Osvaldo Medina tem, a meu ver, um desempenho soberbo, absolutamente dentro do espírito e necessidade estilística da aventura - na plena acepção do termo - e não foi decerto por acaso que "derrotou" dois outros pesos pesados como a Joana Afonso e o Pedro Serpa, nos recentes Prémios Nacionais do Amadora BD. A menor estilização do Osvaldo pode não ser a coisa mais popular entre alguns leitores mais "alternativos" (o que quer que isso signifique), mas a sua capacidade impressionante de desenhar tudo de forma verosímil, natural e dinâmica torna-o um artista único no panorama português, excessivamente dado, quanto a mim, a uma certa estática figurativa desprendida de verdadeira fluidez narrativa).
Será isto então o ideal, tal me permita o meu trabalho e o meu tempo: alternar entre projectos mais comerciais e outros mais intimistas, evitando sitiar-me em qualquer género compartimentado e, em última instância, castrador.
Um grande abraço.
(thou used his name in vain...)
ResponderEliminarTendo acompanhando a carreira do André Pereira, fui sabendo como ia a produção deste Pig, e fiz por lê-lo quando saiu. Infelizmente não acho que haja nada nesta obra que justifique a "erudição" desta crítica, a menos que almeje espelhar a ambição de erudição do Mário. Suspendi a leitura no primeiro terço da obra visto que a exposição dos personagens não faz mais do que macerar clichés introduzidos na página de recapitulação. O Pig é tão denso como qualquer mascote comercial, e nem como "bom capitalista" se salva. Visto que tanto o Mário como este texto falam em Morrison, é justo dizer que aqui estamos sobretudo ao nível do "pun" e pouco mais. Tendo até redigido uma crítica por altura do lançamento do 1º Pig, a minha opinião não se alterou, mas o efeito de saturação é incontornável. De repente já vamos em 150, 200 páginas disto, não é? Mais algum personagem português terá tido a mesma sorte nos últimos anos? Julgo que esta é uma questão central. Não seria possível fazer outra coisa com este "capital"? Creio que, apesar de evitada, a leitura do Pig-enquanto-Mário é forçada a partir da introdução, e como tal sobram poucas pistas para ler isto para lá do "vanity project". Nada contra a autobiografia ou o esoterismo, mas eu exploraria cada um em separado, ou então com outra capa. Desejo muita sorte à Kingpin, esperando que lhe seja possível diversificar a oferta.
ResponderEliminarCaro João,
ResponderEliminarUma vez que não assina o seu nome, fico sem poder seguir qual teria sido a sua crítica, e tentar compreender o que o leva a reiterar a sua primeira abordagem. Também presumo que não seja visitante regular deste espaço, ou saberia a que vinha, havendo mais textos alongados e labirínticos, é verdade, do que recados breves. As minhas desculpas.
No entanto, apesar de partilharmos, talvez, algumas posições sobre o livro em si, seria muito curioso lê-lo com atenção para ultrapassar essa ideia de "mascote", se bem que possa ter nascido como tal (e esse seria um estudo curioso).
De resto, penso também ter dado atenção ao André Pereira, como se poderá ver dos anteriores textos que escrevi sobre os seus fanzines, e é também curioso ver como há estas passagens entre territórios, sem que se estabeleçam quaisquer tipo de hierarquias, as quais, doo ponto de vista artístico, não existem.
Obrigado,
Pedro Moura
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarCaro Pedro. Não assinei com o nome inteiro por acidente, visto que fiz login na conta do Google. "Machado" é o outro nome.
ResponderEliminarA erudição e a delonga não é um defeito. Se tal se traduz numa apreciação cuidada de cada obra e vai de encontro às expectativas de recepção do autor, tal não me parece problemático. Todavia, o efeito combinado dá por vezes numa aporia face à pertinência e qualidade das obras, como se o juízo sobre as mesmas estivesse cifrado, ou se pela graça da subjectividade, tudo fosse equivalente. Pelo menos no que resulta ao leitor. Este Pig não tem certamente um problema de pertinência, tal como referi.
No que diz respeito à mascote, espero não ter sido demasiado "cruel". Tudo se resume a achar que o Pig, mais do que um motor, é um obstáculo a que a ideia-tema se desenvolva. Trata-se de uma mascote inseparável do seu dono (e de um uso comercial) que agora tem que carregar demasiada água.
Caro Mário Freitas,
ResponderEliminarObrigado pelas tuas palavras! E obrigado pela tua disponibilidade e compreensão para as minhas :-). É mesmo isso, o que eu comentava, algo confessado anteriormente neste blogue, o preconceito com que olho para o Super Pig. É claro que sou eu que o colo ao Cerebus e ao Dave Sim. Todos somos preconceituosos, uma vez ou outra. Confessar isso é libertador (dos preconceitos) e, penso, ajuda à compreensão mútua e, já agora aos potenciais leitores das histórias que tens para contar.
Um abraço
José
Caro Pedro,
Penso que está tudo explicado nas palavras imediatamente acima.
Relativamente à misoginia, se o Dave Sim estiver atento a este blogue obriga-te já a assinar uma carta a desmentir essas acusações. Não seria a primeira :-))).
Tenho seguido no blogue A Moment of Cerebus o que lá vai saindo do glamourpuss. Aguardo a lista telefónica. É difícil pedir melhor: Dave Sim a desenhar ao estilo do grande Alex Raymond. Rip Kirby, por que é que nos deixaste com tanto ainda para dar?
Abraço,
José
Já me esquecia. A colagem que faço do Dave Sim ao Mário é elogiosa e não tem nada a ver com questões de personalidade (não nos conhecemos) mas tão somente com a sua obra como autor-editor e como aliado dos criadores portugueses. Assim como o Dave ajudou muita gente a publicar através da sua editora e apoiou e defendeu outros criadores em processos contra grandes editoras (Alan Moore é um exemplo célebre), acabo por comparar o Mário e a Kingpin a esse tipo de realizações.
ResponderEliminarJosé
Óptimo, José Sá, já receava as comparações como uma acusação de misoginia :D
ResponderEliminarDe resto, é um facto: todos temos preconceitos, preferências narrativas, somos até dados a agir de forma cabotina aqui e ali, por aí adiante. Enquanto editor, mais do que publicador, procuro seguir um rumo e evoluir; evoluir sempre. É normal que acabe por tomar opções editoriais dentro das tais preferências que nutro, mas creio já ter publicado uma diversidade bastante razoável de estilos, quer literários, quer artísticos, nunca me desviando do tal lema para mim fundamental: contar histórias.
Obrigado sincero pela tua, pela vossa, atenção.
Caro João,
ResponderEliminarObrigado pela resposta. Não sei serás o João Machado do Clube, mas quer sejas quer não, olá. Peço desculpa pela distância, mas como há muitos anónimos, prefiro saber com quem falo, em termos de educação, para proceder ao diálogo.
Bom, sinceramente, mas esta é uma "opinião", distinta de uma abordagem "crítica" (argumentada), que penso também que "O impaciente ingl~es" poderia ser uma narrativa com um tratamento independente da personagem, mas apenaso autor pode tomar essa decisão e, na sua economia narrativa e criativa, terá entendido que queria "empregar" esta personagem em várias situações, inclusive a de mascote da marca, e isso é também uma estratégia bastante interessante, e que recupera toda uma série de experiências da publicidade e narrativas gráficas (que não é um sinónimo de "banda desenhada" mas qualquer material que conte algo com imagens), desde o Bibedum da Michelin à Hello Kitty da Sanrio.
Bom, quanto à pertinência ou não da obra e da sua recepção crítica no Lerbd, é óbvio que vou discordar. Não empregando qualquer tipo de fórmula, é inevitável que haja desequilíbrios em termos de tamanhos, tipo de linguagem, instrumentos críticos empregues, até porque por vezes pode não haver energia, algo corre mal ou, claro estar escrever ou pensar mal nesse dia. Mas eis aí outro ponto que adoraria debater mais ainda...
Caros Mário e José,
Vamos deixar o Sim em paz, que o homem anda doido. Mas sim, o "Glamourpuss" parece algo que vem de um qualquer "antes".
Até breve a todos,
Pedro
A questão da soberania do autor é uma espécie de 'non sequitur'. Todos concordamos que é ele quem decide, e todavia a obra está cá fora para falarmos dela, portanto já não lhe pertence. Posso no entanto depreender um argumento de segundo grau, segundo o qual devemos debater a obra que existe, e não a obra que desejaríamos que existisse. Nesse caso, tendo em conta que o Mário se refere uma grande saga do Pig em 2015, aproveito para manifestar que não a considero contingente. Julgo que o SP:II é o livro mais longo e caro da Kingpin, e o seu papel enquanto "porta estandarte" parece-me relevante e pouco abordado aqui.
ResponderEliminarNão sei se é necessário tirar o pé da banda desenhada para falar de mascotes comerciais. Tenho ideia de que o Tick começou assim. Mas regra geral há, ou uma consciência arguta do que se pretende satirizar, ou um efeito de tridimensionalização do personagem (senão ambos). Ora, o que acontece aqui é que o Pig não tem nada que o recomende, embora saibamos das suas posses e da sua atractividade perante o sexo feminino. Uma espécie de Batman, mas sem o pathos... o que podia ter graça se fosse atido como tal. Não se trata aqui de um "crime contra a tradição", mas, creio, da sobreposição de uma ideia nova, essa com potencial, a um alicerce que já deu o que tinha a dar. Fica um donut, portanto.
As sequências do Pig com o pai foram muito bem apanhadas pelo André, explorando a doçura possível do cartoon, e contrastam com a sobre-emotividade de outros momentos. Se podia haver espaço para explorar este lado, ele desvanece-se com a arritmia da história. A língua como instrumento do império é um bom tema, explorado de modo convincente nas páginas em que está só, mas depois tem que encaixar com aquele cast. Seria o único pretexto possível para uma "aventura" deste tipo? Linhagens e "rios de massa" redundam numa disputa de homogenia vs. singularidade (de alguns) enquanto temas da saga, e o Mário apresenta esta composição, no verso, como irreverente e iconoclasta, mas como já tinha dito logo sobre o primeiro volume, é mais uma forma de sobre-identificação com o sistema em que vivemos.
Quanto ao LerBD, tomemos presente uma introdução de um texto sobre um álbum pavoroso do Avengers, e regressemos para poder atender a um ponto apenas: o problema não está "para baixo", mas "para cima", na ausência de qualificativos capazes de elevar certas obras que merecerão destaque adicional. Melhor ainda, nem sempre é possível detectar que houve publicações capazes de exercer uma ruptura, sobre as quais se pode escrever um "antes e depois de". Juízos meus, escolhas de quem escreve. Mantenho-me atento.
("Vamos deixar o Sim em paz"... and thus thou art righteous...)
ResponderEliminarCaro João,
ResponderEliminarNão penso que falava da questão do autor em termos "non sequitur": apenas apontava que, tendo tocado ao de leve nessa questão, assegurava porém que não é tarefa do crítico trabalhar sobre "ses" e hipóteses,mas sim os dados concretos de uma obra. Concordo em absoluto contigo quando dizes que uma obra publicada - precisamente "em público" - pertence a todos os leitores, como aliás já repeti em várias ocasiões ou esgrimi mesmo em relação à autoridade, lá está, que os autores por vezes querem exercer, fechando o espaço de interpretação (não é o caso presente).
De resto, a análise que fazes desta personagem em particular é, parece-me, acertada, e se conhecemos esses exemplos em que há uma modelação mais consentânea aos propósitos narrativos ou autorais desejados, são eles precisamente que nos fazem entender que existem dimensões sub-desenvolvidas no Pig. Presumo que porque a sua personalidade é cara e conhecida ao autor, parecerá que dispensa uma apresentação maior, talvez.
A sequência a preto-e-branco foi defendida por algumas outras pessoas, e é de facto analisável dessa maneira,mas lá está, no que me diz respeito, levaria ainda mais a esticar o texto, e penso que não seria recomendável.
Quanto à última parte da tua mensagem, peço desculpa, mas não percebi. Deveria eu ser mais claro na forma de assinalar quais obras são mais significativas, ou criar uma espécie de hierarquia de valorização? Confesso que não percebi totalmente, mas terei todo o gosto em tentar responder. E o livros dos Avengers... oh, sim, pavor.
Obrigado,
Pedro
P.S. Caro Le Négatif, espero que a missa tenha terminado. Obrigado.