Este livro pretende centrar-se num estudo sobre as várias estratégias de construção de significado a que a banda desenhada dá uso. Se bem que o próprio título e algumas das noções da sua matéria apontem um cerne, ele acaba por ser analisado de forma mais ou menos oblíqua. A ideia de que o sentido se cria nas elipses e/ou ausências, no espaço intervinhetal, no intervalo entre imagens, não é propriamente novo, tendo sido pensado de forma fantasmal em Töpffer, dando azo à discussão de cenas inactuais em Hergé (Haddock a cair das escadas do avião), e desembocando na “arte invisível” de McCloud, já para não falar nas várias teorias de transição, ontologia da elipse, etc. Enfim, tudo aquilo que se encaixará na noção de “inferência”, a qual, como se imagina, não é apenas aplicável ou transaccionável na banda desenhada, mas pertinente em… toda e qualquer actividade humana. (Mais)
Barbara Postema pretende analisar as formas de emergência de significado prestando atenção ao que entende serem os vários níveis analíticos possíveis, desde o que é representado nas vinhetas, ao que se encontra entre elas, às sequências e construção da acção, as relações entre texto e imagem, e processos de narração. No entanto, poucas dessas noções são relançadas com bases numa discussão alargada, quer do que já foi feito quer mesmo de uma hipotética nova ideia que pudesse ter surgido.
O enquadramento teórico de Postema é algo tradicional, se não mesmo convencional, bebendo de categorias semióticas e narratológicas relativamente expectáveis e até simples, lançando mais uma vez o seu volume na direcção de um instrumento propedêutico, de introdução, e não propriamente de geração de novos conceitos e/ou linhas de análise. Há um foco particularmente sublinhado nas estruturas e formas, relegando-se, de certa forma, contextualizações históricas, sociais ou outras (dois curtíssimos apêndices apresentam algumas dessas dimensões).
O problema está numa questão de equilíbrio. Uma obra como a de Chavanne, por exemplo, concentra-se de forma exaustiva numa única questão formal - a da estruturação das páginas, ou como ele escreve, “composição” - atravessando toda a espécie de produção ao longo do tempo, geografias, géneros, etc., precisamente para provar que não havia uma linha de evolução histórica, mas antes uma potencialidade imediata de escolhas estruturais classificáveis. Por outro lado, os vários historiadores (Kunzle, Witek, McKinney, outros) concentram-se em várias questões, muitas vezes menos formais, mas que salientarão de forma premente o seu foco particular - uma identidade nacional, uma ontologia ou alteridade, um sistema de representação de um determinado evento, princípios ideológicos comuns, etc.
Narrative Structure parece-nos algo incompleto no que poderia prometer, não procurando sistematizações fortes e exaustivas, que notaríamos de formas ora mais ou menos completas, ora mais ou menos contestáveis, desde Scott McCloud a Mario Saraceni, David Carrier a Thierry Groensteen, ou até mesmo “manuais” como os de Jessica Abel e Matt Madden. Existem, com efeito, várias abordagens transdisciplinares que são hoje desejáveis na consideração global da banda desenhada, tais como os instrumentos analíticos desenvolvidos pela narratologia cognitiva, a multimodalidade, alguns campos teóricos da semiótica visual e social (seja pelo lado da linguística como nos casos da famosa obra de Kress e Van Leeuwen ou da semiótica que mescla pragmatismo e estruturalismo do Grupo Mu), que de facto são um garante de expansão da sua compreensão. E até mesmo se nos atermos somente às considerações do campo da narratologia, um breve contraste com obras mais sofisticadas, tais como as de Ann Miller, Éric Lavanchy ou outros, revelará mais ausências de tratamento.
Portanto, há de facto um problema de enquadramento teórico, como abrimos o parágrafo anterior, no sentido em não ser claro quais os contornos que se pretendem alcançar, e por isso pensarmos ser exigível um maior burilamento das noções e conceitos, discussões e análises (que existem, mas são quase “ilustrativas”) e, consequentemente, o próprio contributo do livro para o campo dos Estudos de Banda Desenhada.
Por outro lado, Postema concentra-se sobretudo na banda desenhada norte-americana, sem excepção nos exemplos visuais e poucas menções textuais. Não há nenhum problema intrínseco nesta abordagem, pois haverá variadíssimos factores a tomar em conta - acessibilidade, concentração analítica, especificidades culturais, etc. - mas há porém um “preço” a pagar, uma vez que existirão generalidades que correm o risco de não se verificar numa outra tradição, ou por menor incidência ou por naturezas diferentes (apenas a título de exemplo, pense-se na representação do som, através de onomatopeias, de toda uma série de ruídos na banda desenhada japonesa que é usualmente passada em silêncio na ocidental). Por outro lado, a esmagadora maioria dos exemplos são relativamente convencionais e “arrumados”, apesar de haver uma grande incidência na banda desenhada alternativa. Cita-se, por exemplo, a antologia Abstract Comics numa nota, para se colocar uma pergunta que, logo à partida, poderia ter sido, se não respondida, pelo menos tentada (a questão de se a sequência equivale a narração, e se se encontra narração naquelas bandas desenhadas, de resto bem diversas entre si). Mas basta olharmos para uma vinheta como esta, do título mainstream Young Avengers, para notar como a discussão podia até nascer nos territórios aparentemente mais normalizados. E há discussão em torno destas estruturas visuais um pouco mais complexas (como de onde tirámos a imagem).
Tratar-se-á de um livro, portanto, que pode ser utilizado num contexto introdutório, escolar (mas não universitário, diria), para alguém que pretenda uma primeira abordagem relativamente simples e geral. A distribuição do texto e das imagens torna-o facilmente navegável e utilizável, assim como a prosa da autora também torna patente o prazer e gosto que ela tem nos exemplos escolhidos.
Nota final: agradecimentos à editora, pela oferta do livro.
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