13 de dezembro de 2014

Veil. Greg Rucka e Toni Fejzulah (Dark Horse)

Uma jovem mulher emerge de uma estação abandonada de metro numa qualquer cidade dos Estados Unidos. Está nua e parece falar em estranhos fraseados rimados, como se estivesse presa a uma leitura de Alice no País das Maravilhas. Desperta imediatamente a concupiscência de alguns transeuntes, inclusive membros do que parece ser um gangue local, provavelmente envolvidos em negócios como a droga e a prostituição, típicos atalhos de moralidade. A estranheza está presente na narrativa desde o início, e as suas primeiras páginas aumentarão o grau dessa estranheza: a mulher é “salva” por um dos membros do gangue, bem-intencionado, mas depois é ela quem o salvará da violência inevitável, e nesse acto revela um mundo paralelo e mágico. Veil cria desde logo um quadro de referências dignos de um Taxi Driver aberto à fantasia. (Mais)

Como é mester de Rucka, a personagem principal é uma figura feminina (e a cena derradeira da série abre espaço a uma outra ainda). Veil, esperamos não estragar parte da surpresa, não é apenas a jovem mulher que parece perdida neste mundo urbano, mas um demónio provindo dos fundos dos Infernos, mas a quem é dada uma oportunidade única, sob a forma da intervenção de um “cavaleiro branco” (são palavras da personagem mesmo), Dante, que é negro. Se Rucka gosta de jogar este tipo de referências sócio-políticas nos seus projectos, aqueles que ele constrói de formas mais realistas evitam estes trajectos tão nítidos, permitindo-nos ler então Veil quase num tom de alegoria, ou de conto mais juvenil.

Aliás, podemos mesmo acrescentar que a descrição total da narrativa permitiria uma sua exploração bem mais curta, mas a sua publicação em 5 comic books como capítulos de 22 pranchas cada permite que se “estendam” algumas das suas partes precisamente para preencher esse formato, e assim providenciar-nos com cliffhangers, plot points e mecanismos quejandos. Isso não a torna numa obra tão complexa e madura como a série Lazarus, ou mais concentrada como Stumptown (todas escritas por Rucka), mas torna-a de uma legibilidade simples. Trata-se de uma ideia que funcionaria mais enquanto um breve conto, mas trabalhando no seio da indústria norte-americana, há que alimentar a máquina… E isto mesmo tendo em conta que Dark Horse produz toda a sorte de séries limitadas (integradas em enquadramentos diegéticos maiores ou não), ou mesmo contos isolados, sob a forma de comic books one-shots, ou séries de dois números, ou três, ou oito, etc. em todas as variações possíveis em termos de tamanho.

Dificilmente se poderá chamar esta série de “horror”. Se entram ingredientes que possam advir desse género, e haja suficientes elementos referenciais que o associariam a um sub-Lovecraft, ou uma Vertigo mais aberta à crueldade, estaremos mais no lado da fantasia negra do que qualquer outra coisa. O policial tem também o seu inevitável papel, como não poderia deixar de ser, mas todos esses elementos convergem na história relativamente linear da personagem principal e da sua relação com o seu Dante, ou Orfeu, no sentido em que este paga um preço para que se salve a sua Eurídice (ao contrário do mito grego, há aqui a possibilidade de um final feliz, mesmo que a última página abra igualmente a hipótese de uma continuação mais turbulenta).

O contributo do artista sérvio, mas que vive em Espanha, Toni Fejzulah é reminiscente, ao mesmo tempo, de um Matthias Schultheiss e de um Oscar Zarate, sobretudo quando estes produzem trabalho a cores. Há uma afinidade do tipo de texturas conseguidas nas superfícies delineadas por vários tons ou mesmo cores diferentes no interior de um contorno, mas se se poderá dizer que, na sua estilização, Schultheiss e Zarate acabam por procurar alguns efeitos de realismo, de equilíbrio referencial, Fejzulah abandona-se a efeitos mais fantasiosos e, conforme a necessidade do dramatismo das cenas, aumenta o diminui o intervalo desse cromatismo. Há páginas mesmo em que não tem um intuito de providenciar uma ilusão qualquer de realidade, mas de eficiente significado na narrativa.

Isto é reforçado pela figuração, igualmente próxima daqueles dois artistas referenciados, no sentido em balançar-se entre uma abordagem naturalista e instrumentos mais estilizados (vejam-se os olhos das personagens). Há também algumas estratégias relativamente interessantes, como o facto de todos os capítulos se iniciarem com uma grelha de 3x3 vinhetas, em que cada uma é uma espécie de fragmento ou teaser do que ocorrerá na acção.


A publicação do trade paperback está anunciada para Janeiro do próximo ano, e desconhecemos se essas páginas estarão presentes, ou se se alterará algo que procure tornar a leitura corrida desta narrativa mais concentrada. Seja como for, não foi sem prazer que seguimos esta série, precisamente na sua natureza capitular mensal.

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