Serve o
presente recado para dar conta da edição de um pequeno livro, fruto de vários
factores convergentes. Ana Biscaia sentiu-se movida com as imagens de uma rapariga
tentando salvar livros, possivelmente da sua escola, na faixa de Gaza, quando
dos bombardeamentos israelitas do conflito do verão de 2014. Criou assim um
ciclo de imagens que partilhavam essas, digamos, preocupação, solidariedade, e
princípio de resposta. (Mais)
Essas imagens
constituiriam três páginas duplas e serviriam o papel da contribuição de
Biscaia para Quadradinhos, a
antologia de banda desenhada portuguesa publicada a propósito do festival de
Treviso deste ano. A autora convida então o escritor portuense João Pedro
Mésseder a fornecer-lhe as palavras que “ilustrassem” as imagens, e nasce assim
“Books & War”, publicado originalmente numa tradução italiana. Para esta
edição em português, auto-editada, a artista reviu a paginação, a distribuição
do texto, a cor, e acrescenta ainda algumas ilustrações adicionais, assim como
toda (e mais) a informação indicada atrás.
É verdade
que isolarmos uma imagem de um evento de uma complexidade temível, e que face à
qual qualquer afirmação rápida se pode tornar numa escorregadela em direcção a
ideias insustentáveis, não é a melhor forma de se pensar um conflito bélico
desta natureza. Todavia, será que “pensar” é a melhor forma de responder a
tamanha acção? Poder-se-iam esgrimir argumentos e dar passos continuamente
atrás na história, para “justificar” certas acções. Soberania nacional, direito
à defesa, autonomia, pressão internacional. Questões territoriais, políticas,
culturais, religiosas e financeiras. Questões de redes de apoio. Questões de
representação, princípios ideológicos e crenças, algumas das quais raiando
aqueles princípios a que se podem chamar de “preconceitos”.
Uma
famosa imagem da 2º Guerra Mundial mostra alguns homens no interior de uma
biblioteca (a Holland House Library, para ser exacto) depois desta ter sido
bombardeada pelos alemães. É possível que a imagem tenha sido encenada pelo
fotógrafo anónimo, para “manter a moral”, mas acreditamos que estas imagens
correspondem a uma genuína preocupação da criança. É conhecido também o livro On Reading de André Kertész, que reúne imagens
dos mais diversos leitores, de várias idades, classes sociais, momentos
históricos, circunstâncias, mas todos entregues a esse acto de amor aos livros.
O que todas estas imagens provocam, no fundo, é uma espécie de sentimento de
comunidade entre todos os leitores e espectadores destas imagens, os retratados
e os que olham os retratos, recordando aquela ideia de Kant de que a única
comunidade possível é a estética.
O texto
de Mésseder fala de uma menina chamada Aysha que pensa sobre Kalil, e os livros
que este gostava de ler, e o que a leitura significa para ambos, e o que eles
ainda podem significar para ele, que morreu, e ela, que sobrevive. Os livros
surgem então assim como formas não apenas de sobrevivência face à mais cruel
das mortandades, mas como símbolo igualmente de resistência dessa mesma vida. Pelo
simples acto de fazer essa escolha.
Há um breve
perigo em que eleger o acto da leitura possa ser entendido como um atalho para
a simpatia, uma simpatia intelectual e especificada. Não merecerá a nossa
inclinação e preocupação também todo e qualquer cidadão apanhado em conflitos
no qual não tem responsabilidade ou que ultrapassa o limiar (virtual,
expectável, compreensível, impossível, estúpido?) da “aceitabilidade da guerra”.
Desde o analfabeto ao velho desdentado, do trabalhador não-combatente à dona de
casa mis alheia à esfera do político? Haverá de facto algum privilégio no “leitor”?
Possivelmente não, mas essa dimensão adicional não deve ser vista, de forma
alguma, como uma espécie de superioridade intrínseca em relação a outras
pessoas, mas sim apenas como o tal sinal de comunidade prometida.
Este
brevíssimo livro, é então, um modo de iluminar essa forma de construção.
Nota
final : agradecimentos à autora, pela oferta do livro.
Bom dia,
ResponderEliminartenho procurado um local onde posso adquirir este livro "Que luz estarias a ler? João Pedro Mésseder e Ana Biscaia (Xerefé Edições)" pode ajudar-me e indicarmos como poderei adquiri-lo?
Muito grata o meu contato é sandracanelas@gmail.com