23 de janeiro de 2015

Pizza Man/Space. Afonso Ferreira (El Pep)

Ainda no seguimento dos posts anteriores, como se se tratasse de um grau de diferenciação incremental que fosse dos fanzines fotocopiados ao mundo da pequena edição, falemos hoje de duas publicações de Afonso Ferreira, que têm todas as condições editoriais de zine, mas que graças à política de descoberta e edição da El Pep (política que, de resto, é seguida por praticamente todos os pequenos editores em Portugal, de forma acertada e intensa), ganham uma outra projecção material. (Mais) 

Os dois livros partilham, como é de esperar, todo um conjunto de características comuns, mas, lapalissade, diferenças também. Comecemos pelas primeiras, mais evidentes. Pela coincidência de data de lançamento e editora, os objectos são materialmente idênticos em termos de formato, qualidade de impressão (excelente), e, à falta de melhor termo, navegabilidade narrativa. Duas histórias lineares, sem texto, que fazem o leitor avançar pelas páginas sem grandes dúvidas da sua estrutura e com uma recompensa simples no seu completar.

As diferenças são igualmente rápidas de assinalar. Space contém mais 8 pranchas que Pizza Man, e o design (de Ferreira com André Oliveira) também procura responder a tradições ligeiramente diferentes. Se ambos poderão estar a responder aos comic books norte-americanos, o primeiro associar-se-à a prestações mais irregulares, concentradas numa imagem límpida e um título elegante e icónico, ao passo que o segundo já apresenta a mancha “ocupada” por toda a espécie de paratextos mais clássicos. Como se se procurasse, por um lado, uma espécie de gravidade e seriedade no tema, e o outro abraçasse sem compromissos toda a dinâmica e leveza dos títulos de super-heróis mais estrambólicos (que, de uma perspectiva, serão todos eles).

No interior, porém, também existem algumas diferenças estilísticas salientes. Space apresenta vinhetas de cantos arredondados e uma paleta contida que parece estar sob um qualquer filtro diáfano, traduzindo o espaço sideral que a personagem principal – um cérebro com olhos – atravessa. Além disso, é total e efectivamente “silenciosa”, há que nem sequer existem onomatopeias para representar os impactos e explosões. Pelo contrário, onomatopeias atravessam constantemente as páginas de Pizza Man, cuja composição e vinhetas é mais convencional, para que haja uma maior concentração das cenas, action-packed. A quadricromia também está em uso, mas o controlo é de outra natureza, assinalando a legibilidade e distinção entre as personagens.

Como é indicado numa nota, a história de Pizza Man, na qual este combate e consome Sausage Ninja, foi concebida por Tomás e Vasco, crianças de 6 e 8 anos que providenciaram o artista com uma desculpa para criar um mundo de animação e alimentos totalmente espatafúrdio, mas que funciona de imediato. Não que a história de Space procure um grau de complexidade ou desenvolvimento de personagens maior, já que a saga do cérebro navegador do espaço na invasão de uma espécie de ilha flutuante, seu confronto com as várias forças antagónicas no interior e destruição final não abdica do absurdo que é permitido por um claríssimo prazer de pensar à medida do desenho, mas há um ritmo narrativo mais calmo, composto, o que se justifica pelo número de páginas, mas também pelo maior número de espaços percorridos e personagens a interagir.


A história de Space começa e termina sem grandes introduções ou conclusões, e funciona perfeitamente como uma unidade completa. Pizza Man apresenta várias pistas extra-textuais que prometem a sua continuidade. Sendo ambas as histórias leves, irreverentes, bem-dispostas, senão mesmo disparatadas, e com um design ultra-cool, é algo que se integraria sem grandes problemas naquele universo informado pelas novas séries de animação que conquistam mais hipsters do que crianças, de Adventure Time a Regular Show, ou mesmo o canal Adult Swim. Fiquemos no mesmo canal. 

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