22 de janeiro de 2015

Três títulos do Clube do Inferno.

Uma vez que falámos de alguns fanzines há dois posts, regressemos a este território que, independentemente do acesso a novos modos de produção e distribuição, sobrevivem enquanto formato válido e, muitas vezes, particularmente reveladores de novas tendências. Pode-se considerar, esperamos, o Clube do Inferno como um colectivo e artistas. Se a esmagadora maioria dos seus títulos são a solo, havendo alguns casos de colaborações cruzadas, e não tendo havido nenhuma publicação verdadeiramente conjunta, estamos em crer que todos os passos da produção de cada título conta com o apoio mútuo de cada membro. Além disso, se as características estilísticas, visuais, compositivas e até de género são bem distintas, quase ao ponto de impossível irmanação entre eles, isso também contribui de forma decisiva à variedade interna do grupo. (Mais) 

Deixaremos aqui notas extremamente breves sobre estes títulos, todos lançados simultaneamente, com a excepção de Build More Love, que ficará para uma outra oportunidade.

The Day the Masses Left History. Astromanta. Tal como no anterior The Scorcher, Astromanta utiliza a ficção científica para criar uma pequena parábola em torno dos mecanismos de colonização societal que o capitalismo emprega sobre toda a realidade. Com um desenho “tosco” mas bem mais estilizado do que nos títulos anteriores, algo devedor a Mat Brinkman, nestas oito páginas acompanhamos The Scorcher e o seu pequeno ajudante, ou literalmente Aide, na descoberta de novas fontes de petróleo utilizável e numa passagem para um universo paralelo, que rapidamente utilizam para seu próprio proveito. No entanto, essa missão não corre como esperado mas, graças às tácticas previstas e treinadas ao longo de séculos por este posicionamento utilitário, isso não significa que não se encontro o melhor caminho para o seu proveito da forma mais rápida.

3 Stories. Mao. Uma vez que as três histórias indicadas são compostas de duas páginas em spread cada uma, e serem apresentadas com um trabalho gráfico e de composição bem diferente entre si, por vezes no interior de uma mesma “unidade”, a existência de um índice ao princípio poderia passar por overkill mas é na verdade útil. Se Radiation havia demonstrado um interesse do autor pela criação de histórias desprovidas da presença humana e elegendo criaturas como insectos ou bactérias como passíveis de tecelagens narrativas, as duas primeiras histórias retomam essa direcção: a primeira mimando alguma linguagem dos discursos científicos para colocar uma pergunta paradoxal, a segunda (aqui reproduzida) demonstrando algum interesse pelas questões formais que a banda desenhada promove e permite para se colocarem questões sobre narratividade, actancialidade e temporalidade. Menos uma história do que uma estruturação de metamorfoses internas de um para-organismo, o autor aqui aproxima-se ou dialoga directamente com uma longa tradição de bandas desenhas experimentais. A última é uma espécie de anedota e comentário meta-textual precisamente sobre a estrutura da banda desenhada, o que nos convida a reler as três peças como complementos e comentários uma das outras.


Yonkoma Collection. Hetamoé. Se nos é permitido dizer tal coisa, mesmo incorrendo numa argumentação algo incompleta, e até mesmo roçando a injustiça, pensamos que é esta autora que, no interior deste colectivo mais tem mostrado uma acelerada “maturação” dos seus processos de trabalho, quer a nível visual quer a nível discursivo (já que “narrativo” não seria exacto). Continuando na sua perseguição de dimensões e afinidades tipificadas por uma determinada banda desenhada japonesa, a autora escapa daquela gravidade que levaria a uma mera descrição de “mangá à portuguesa”, uma vez que as referências para essa aproximação seriam as de autores post-Garo tais como Oji Suzuki e Seiichi Hayashi. Isto é, estruturas narrativas em que o onirismo, a melancolia e a poeticidade menos explorada está patente de forma decisiva, desviando a banda desenhada para territórios menos comuns, mas que autores contemporâneos como Aidan Koch, Balise Larmee e Lala Albert também cultivam. Esta colecção de 17 tiras verticais atravessa toda a espécie de combinações possíveis, de tiras quase “silenciosas” - com excepção dos textos diegéticos – a outras com diálogos, passando por acções concentradas e densas a estruturas mais espalhadas no tempo e agentes, até mesmo categorizações de objectos similares, mas que nesse breve arrolar, consegue fazer excarcerar um qualquer significado inesperado e produtivo. Como uma poesia feita dos mais simples elementos textuais, obrigando o leitor a criar associações. E se há uma narrativa geral mais ou menos coesa (as dores provocadas pelo amor), essas sensações redimem aquilo que poderia ser visto como um quase gratuito exercício weeaboo. Não o é. 

2 comentários:

  1. SPLASH!
    (Balde de água fria).
    - Acalma-te!
    E segue os links para encomendares cópias. Seria óptimo venderes uns quantos em Coimbra...Destes e dos outros de que tenho falado.

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