Na continuidade da colaboração esporádica com o site Buala, e a propósito da coordenação da conversa com três artistas de banda desenhada, inclusive o sul-africano Anton Kannemeyer, que terá lugar no próximo Maio na Gulbenkian, anunciada aqui, deixamos aqui a ligação directa para um texto de análise do livro de Kannemeyer, Papá em África, publicado em português pela Mmmnnnrrrg.
Uma vez que a discussão desse livro nos leva para o território dos estereótipos bem regados na história da banda desenhada, parece-nos fazer sentido abrir a consideração à edição "pirata" e "détourné" de Tintin no Congo numa sua tradução em lingala, Tintin akei Kongo.
Podem aceder ao texto aqui.
Nota final: agradecimentos a Francisca Bagulho, Marcos Farrajota e Anton Kannemeyer.
Olá Pedro,
ResponderEliminarLi o papá do Kannemeyer mal foi lançado em português por me ter chamado particularmente a atenção a sátira ao Tintim no Congo. Como tive oportunidade de comentar com o distribuidor do livro, estava ainda sobre a forte influência de uma visita em férias ao museu Kode Bergen e a uma exposição permanente de fotografias das atrocidades praticadas sobre os congoleses durante o reinado do Rei Leopoldo II da Bélgica até ao princípio do século XX. Estão estimadas as mortes de 8 milhões de congoleses, um número, por exemplo, comparável ao "holocausto" (palavra mal utilizada) de 6 milhões de judeus, mas que estará, em termos relativos, absolutamente esquecido da história europeia, certamente pela distância relativa que a cor da pele interpõe e pela natureza colonialista da relação entre os dois povos. Não quero fazer da comparação nenhuma disputa, é claro. Estes "esquecimentos" não correspondem a nenhum fenómeno idiossincrático belga, também podemos encontra-lo nos turcos face aos arménios, nos iranianos aos judeus, nos suecos aos sami, só pra ficarmos pela europa e pérsia.
Nessa exposição em Bergen, são particularmente chocantes os relatos da corte do Leopoldo, onde se estabeleciam rácios da quantidade de pés e mãos a amputar aos escravos da extracção da borracha na razão directa da matéria-prima que obtinham diariamente. A amputação de pés e mãos era estendida aos familiares do escravo e era exibida para escarmento dos demais. Mais descrições sobre a aplicação directa da borracha fervente na pele dos escravos congoleses completam essa exposição de horrores.
Perante estes crimes hediondos contra os povos, é fundamental dar a conhecer este tipo de leitura de Tintim no Congo, mais ainda sendo aquela obra de um belga notável contemporâneo e pós-contemporâneo a tais atrocidades.
São importantes estes livros pelo murro no estômago ou chapada histórica que representam, sendo que a única forma de nos mantermos atentos passará sempre pela dor que sentirmos do impacto na nossa pele até que se transforme no hábito saudável reflexo de evitarmos todo o tipo de comportamentos que nos levem a sentir essa mesma dor.
Ficará por discutir quais dos tipos de traço, icónico ou mais realista, produzirão um maior impacto e sensação de proximidade junto do leitor, ou, como gosto de chamar, a polémica do santo antónio a pregar aos peixes.
Lembrando a música dos Smiths, se não for pelo humanismo, será pela violência que nos uniremos.
Obrigado e Aquele Abraço,
José
Olá, José.
ResponderEliminarSobre a história do Congo, existe um livro algo sensacionalista (e que deu origem a um documentário televisivo), "King Leopold's Ghost". Há relativamente pouco tempo foi publicado um outro livro, que já tem tradução em inglês e francês que é possivelmente mais equilibrado, legível e abarcante de toda a história. Não o li, pois perdi-me na versão francesa, mas hei-de lá regressar: "Congo: The Epic History of a People", de David van Reybrouck. Na Bélgica, tive a oportunidade de ler algumas coisas, dossiers jornalísticos, documentários, mas falhei o museu de Tervuren porque estava em obras (estará na agenda do futuro). Através destes e de outros projectos, conhecia alguns dos episódios macabros da história do colonialismo régio, e existem outros livros de banda desenhada que trabalham este tema, de forma mais "realista": "Africa Dream", "Kongo", etc., sobre os quais preparo, a médio prazo, um artigo académico.
Bom, bom, seria termos nós, portugueses, a mesma capacidade de repensar a história, ainda informada pelo mito de que fomos colonizadores simpáticos e pouco violentos. Comparar crimes não os tornam menos criminosos.
Pedro
Pedro,
ResponderEliminarTens toda a razão, sempre refiro isso nas minhas conversas sobre o tema e só por lapso desta vez me esqueci de também referir o nosso exemplo português de "lança em África" (literalmente). É mais um negacionismo histórico igualmente comparável e que importava condenar, mas que se mantém nos livros escolares, qual Tintin no Congo.
Aguardo com muito interesse o teu estudo e vou procurar as obras que referiste. Obrigado.
José