10 de dezembro de 2015

Worse Things Happen at Sea/ Beyond the Surface. Kellie Strøm/Nicolas André (Nobrow Press)

Nem por acaso, havíamos falado de dois volumes “em biombo” que dois títulos da colecção Leporello da NoBrow nos chegaram às mãos. Um dos livros “colecciona” ataques de criaturas monstruosas nos altos mares, mostrando desde criaturas mais ou menos generalistas, como dragões, narvais e lulas gigantes, a figuras possivelmente específicas, como Cila, a tartaruga Zaratan ou o pássaro Gandaberunda, e mostrando navios de vários momentos da história, de gregos a vikings, de barcos mercantis holandeses a hidroaviões franceses, de paddle steamers a juncos chineses. O outro sobe uma montanha, de faces coberta de neve, do sopé ao pico, e desce pelo interior da terra, escavando um buraco até ao momento em que se encontram as profundezas do oceano. (Mais) 


Ambos os ilustradores, o francês Nicolas André e o dinamarquês Kellie Strøm, são meticulosos, e trabalham em várias escalas, permitindo que se possa ver a imagem na sua totalidade, estendida e aberta, mas também meios-planos e depois planos de pormenor. Ambos os livros, ainda, estão impressos dos dois lados, e as capas são como que invólucros (como no caso dos Desconcertantes) que libertam os biombos. O de Strøm estende-se na horizontal, com um eixo idêntico – poderia mesmo ser colocado numa mesa e exibir-se -, o de André na vertical, mas com os eixos desencontrados, permitindo então uma manipulação/leitura contínua do objecto, de cima para baixo ou de baixo para cima, conforme a direcção. Strøm apresenta um número de cenas concretas (9, para ser exacto) cuja separação subtil se coloca no mar de forma natural, André procura antes uma continuidade ininterrupta, como se as actividades que vemos na superfície da montanha e no interior da terra fossem contemporâneas, levando a divertidos jogos de detecção e compreensão (que faz um túmulo egípcio numa caverna europeia? Ou será africana? E a montanha é tibetana, afinal, ou antes nos Alpes? Que têm em comum um Citröen Traction Avant, o Santo Graal e uma pérola?).

André aproxima-se muito de uma certa tendência da ilustração francesa dos anos 1950, em que o uso do pochoir estava em voga, e as suas personagens, muito estilizadas, se espraiam nas mais diversas actividades, transformando Beyond the Surface igualmente numa espécie de concentrada enciclopédia visual. Já Strøm, com a sua danada e intrincada trama de pontilhados, e a síntese das cores tornada muito visível pelas linhas coloridas e separadas, já para não falar do assunto, recorda tattoo art.

As partes interiores das capas-invólucros, porém, revelam sempre uma camada de informação que transformam o aparente lúdico objecto numa espécie de, de facto, acto enciclopédico. Worse Things Happen at Sea mostra-nos um shanty, isto é, uma balada tradicional do folclore dos marinheiros anglófonos (a letra, as notas, informações, colhidas da colectânea de Francis James Child), transformando assim os “acidentes” das cenas na ilustração do fado dos homens do mar... Quanto a Beyond the Surface, espalham-se toda uma série de factos que rondam a história da humanidade, da espeleologia e do montanhismo, e da literatura, revelando momentos importantes em que se conquistaram cumes, do Etna ao Evereste, e abismos, de Lascaux a Krubera, mostrando que, para o homem, assim o que está no alto, assim está em baixo.
Nota final: agradecimentos a Marta Teives, pelo empréstimo dos livros.







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