28 de janeiro de 2016

Volcan, Komikaze # 14, Hollow, Ping-Pong. Amanda Baeza, outros artistas (várias editoras)

Como introdução ao “campo específico” em que emergem todas estas publicações, remetemos os leitores às considerações tecidas a propósito de Mould Map e à introdução da bateria sob a designação “art comics”, a qual, não sendo explicativa nela mesma nem sequer produtiva em todos os seus quadrantes, admite porém uma circunferência suficientemente bem enquadrada para capitalizar as forças destes projectos. A razão, porém, da junção destes títulos deve-se ao trabalho contínuo e cada vez mais consolidada, inclusive em plataformas internacionais, de Amanda Baeza. Duas destas publicações são exclusivamente da sua responsabilidade, ao passo que outras duas contêm trabalhos seus. (Mais) 

O volume Volcan é uma herança ou corolário da Lagon Revue, uma espécie de colecção de uma certa coqueluche da banda desenhada contemporânea de cariz experimental misturado com explorações de géneros mais normalizados, para entender que tipo de embate daí advirá. Volume de luxo (e algo caro, 40 Euros), impresso na mais prístina das risografias com muitas cores, cada peça segue as suas próprias regras de construção, figuração, estilo e vontades até. Como é de esperar, e inevitável, neste tipo de antologias, encontraremos trabalhos mais consequentes do que outros. E se apreciamos sobremaneira trabalhos que exploram linguagens diferentes da banda desenhada, por vezes confessamos ficar algo desconsolados com certas prestações que mais servem de “ocupação de espaço” do que propriamente de uma pesquisa ou reflexão sobre esse acto.

Não deixa de ser curioso que, no meio deste tumulto de nomes contemporâneos, venhamos a deparar-nos com um “clássico” do “outsider mainstream”. Um episódio de Fantomah, de Barclay Flagg, ou melhor, Fletcher Hanks, o hiperbólico autor da dita golden age dos comics norte americanos que seria redescoberto no final dos anos 2000 com as antologias I Shall Destroy All the Civilized Planets! e You Shall Die by Your Own Evil Creation!, e cuja bd desenhada a frenicoques tem todos os ingredientes que ressoarão junto aos trabalhos dos autores contemporâneos sob a cúpula da Volcan. Alguns desses autores estão menos preocupados em construir histórias nítidas do que sequências que criem antes uma sensação de acumulação de sentidos. Por vezes, as histórias são extremamente simples, lineares, quase ingénuas, mas as imagens, numa espécie de alucinação geométrica e cromática, fazem-nos pensar em intensidades para além da narrativa. Há casos mesmo em que as construções e relações entre texto e imagem e sentido é algo ambivalente, e próxima da poesia surrealista, até ao ponto daqueles fortuitos encontros ditados por Lautrémont.

Encontraremos alguns autores favoritos, como C.F., Aidan Koch, Olivier Schrauwen e Yuchi Yokoyama. Depois há autores que não conhecíamos, ou que havíamos apenas encontrado com outros trabalhos menores, e que parecem confirmar-se como capazes de escapar à gravidade do esquecimento, de continuaram a explorar as suas linguagens próprias, como Stefanie Leinhos, com uma pura prestação geométrica, Louis Granet, que incute uma urgência à la Pop a uma sequência elíptica e quiçá misteriosa, Antoine Cossé, que faz pensar num Régis Franc contemporâneo. De resto, mesmo com Johnny Negron, as histórias ou peças são quase negligenciáveis, contribuindo ainda assim para a variedade e alucinação cromática e textural de um livro, o qual, em termos de objecto, é imponente e belo. Poderão encontrar mais algumas destas imagens no site da editora.

A história de Amanda Baeza, na Volcan, encontra-se no intervalo de uma organização narrativa que cria uma ideia de história, mas que se desagrega o suficiente para obrigar a tentar compreender como é que as duas linhas de desenvolvimento visual e de personagens se relacionam, e provavelmente perder nos seus interstícios a possibilidade de uma conclusão. Em termos visuais e compositivos, a execução a um só tempo delicada e brutalista é cada vez mais apurada.

A Komikaze # 14 estaria no mesmo campo da Volcan, mas sem a mesma elegância geral. Mas o seu propósito é também mais simples. Publicação de origem em Zagreb, poderia ser uma herdeira da Stripburek e outras antologias da “Outra Europa” dos anos 1990, e nesse sentido reúne artistas desse mesmo mundo geográfico, com grande destaque para autores croatas, claro, como ainda convidados da Europa ocidental, e totalmente liberta de preocupações de homogeneidade estilística. No entanto, alguns dos trabalhos caem naquela gravidade dos trabalhos da pós-adolescência, em que o estilo “esferográfica raivosa”, aliada a “discursos contra a sociedade”, mais do que trazerem novas vozes originais, repetem fórmulas tão gastas como as dos géneros mais comerciais.

Dito isto, existem trabalhos que se destacam por uma outra qualidade, sobretudo por encontrarmos muitos exemplos de autores que tentam ponderar novas formas de distribuição e colocação dos textos, personagens e espaços na página. A croata Klarxy, por exemplo, acompanha a vida após a morte de um ateu, observando com uma distância suficiente que transforma os planos em espaços teatrais, vistos de cima, e gerindo de forma cartográfico a distribuição das cenas. O artista Milan Pavlovic, ou Mr. Stocca, que vive no Canadá, envia um breve manifesto sobre o estado da cultura contemporânea em que a distribuição dos textos garrafais seguem regras à la Jan Tschichold. Um pequeno diário autobiográfico de viagem, colado a reflexões sobre a aprendizagem artística, a conquista de um espaço ao sol e o papel da arte na vida de um jovem croata torna a curta história de Stipan Tadic comovente. A croata Ivan Tudek e a eslovena Petra Varl, à vez, apresentam bandas desenhadas ultra-curtas e simples, mas que nos obrigam a reconsiderar as possibilidades narrativas e de combinações entre apenas duas imagens, quase como enigmas numa revista de passatempos, ou então de exercícios de lógica visual. A artista alemã Nele Broönner mostra uma alucinação, ou projecção, mas que ao mesmo tempo é capaz de estar a revelar algo das preocupações femininas com o corpo e a sua representação (tal como Varl). Marta Tuta, ainda da Croácia, pura e simplesmente mostra-nos oito desenhos de mesas muito bem compostas cheias de iguarias mas que, estranhamente, nos farão eventualmente pensar em todas as possíveis linhas que unem essas refeições. Há ainda uma peça sem palavras e elegíaca da estrela internacional, do mesmo país, Danijel Zezelj. Como no caso anterior, poderão vasculhar no site da publicação por mais imagens, apesar de não estarem divididas por número de modo exacto.

Para a Komikaze, Amanda Baeza participa com duas histórias. Uma delas é aquela escrita com este vosso criado, e publicada anteriormente na The Lisbon Studio Mag, a outra é “Hollow”, uma espécie de passeio ou saga de algumas personagens em torno de teses de dissertação, vernissages de exposições, trabalhos de instalação, e actos demiúrgicos de criação de vida a partir de barro esquecido... Esta história foi alvo igualmente de edição em risografia pela nova colecção de publicações da Rough Nough, a duas cores e com um aturado trabalho de trama, cuja falta de coordenação precisa (mas desejada e prevista) dos registos da cada cor levam a efeitos moiré, e que incutem uma camada texturada adicional à história.



Finalmente, autora também colaborou com Camille Dagal para um minúsculo zine. Ou melhor, jogou, pois Ping Pong é precisamente um jogo em que cada uma das autoras responde a um desenho anterior da outra acrescentando elementos e complicando a imagem. À medida que avançamos as páginas, avançamos igualmente na construção visual dessas personagens e na emergência lenta mas surpreendente de uma pequena narrativa, como a bem analisou, de resto, Nuno Pereira de Sousa.


O esforço para descobrir peças interessantes no meio destes projectos é recompensador, sem dúvida, mas levanta sempre os mesmos problemas inerentes a antologias, como já havíamos debatido anteriormente. Mesmo que os objectos sejam belíssimos por si mesmos, como no caso da Lagon Revue/Volcan, será isso suficiente argumento para encontrarmos passos em frente nesta disciplina?

Nota final: agradecimentos a Amanda Baeza, pela oferta dos seus dois zines e a Komikaze, e a Pascal Matthey pela compra do Volcan.

3 comentários:

  1. Boa tarde,

    Existe alguma loja/site que venda a Komikaze e a Volcan?


    Atentamente,

    Ana Luisa

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  2. Cara Ana Luísa,
    Siga, por favor, os links no texto para as editoras correspondentes. A "Volcan" já só se vende presencialmente, não sei se está esgotada, mas eles indicam os próximos sítios em que estarão presentes (feiras internacionais). A "Komikaze", presumo, vender-se-á directamente, é perguntar...
    Obrigado.
    Pedro

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  3. Dear Pedro, big tnx for great review!
    &
    Dear Ana Luisa,
    you can order Komikaze on the mail: komikaze5001@gmail.com,
    welcome! :)

    All best!
    Ivana Armanini, main editor

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