Como introdução ao “campo
específico” em que emergem todas estas publicações, remetemos os
leitores às considerações tecidas a propósito de Mould Map
e à introdução da bateria sob a designação “art comics”, a
qual, não sendo explicativa nela mesma nem sequer produtiva em todos
os seus quadrantes, admite porém uma circunferência suficientemente
bem enquadrada para capitalizar as forças destes projectos. A razão,
porém, da junção destes títulos deve-se ao trabalho contínuo e
cada vez mais consolidada, inclusive em plataformas internacionais,
de Amanda Baeza. Duas destas publicações são exclusivamente da sua
responsabilidade, ao passo que outras duas contêm trabalhos seus. (Mais)
O volume Volcan é uma herança
ou corolário da Lagon Revue, uma espécie de colecção de
uma certa coqueluche da banda desenhada contemporânea de cariz
experimental misturado com explorações de géneros mais
normalizados, para entender que tipo de embate daí advirá. Volume
de luxo (e algo caro, 40 Euros), impresso na mais prístina das
risografias com muitas cores, cada peça segue as suas próprias
regras de construção, figuração, estilo e vontades até. Como é
de esperar, e inevitável, neste tipo de antologias, encontraremos
trabalhos mais consequentes do que outros. E se apreciamos
sobremaneira trabalhos que exploram linguagens diferentes da banda
desenhada, por vezes confessamos ficar algo desconsolados com certas
prestações que mais servem de “ocupação de espaço” do que
propriamente de uma pesquisa ou reflexão sobre esse acto.
Não deixa de ser curioso que, no meio
deste tumulto de nomes contemporâneos, venhamos a deparar-nos com um
“clássico” do “outsider mainstream”. Um episódio de
Fantomah, de Barclay Flagg, ou melhor, Fletcher Hanks, o
hiperbólico autor da dita golden age dos comics norte
americanos que seria redescoberto no final dos anos 2000 com as
antologias I Shall Destroy All the Civilized Planets! e You
Shall Die by Your Own Evil Creation!, e cuja bd desenhada a
frenicoques tem todos os ingredientes que ressoarão junto aos
trabalhos dos autores contemporâneos sob a cúpula da Volcan.
Alguns desses autores estão menos preocupados em construir histórias
nítidas do que sequências que criem antes uma sensação de
acumulação de sentidos. Por vezes, as histórias são extremamente
simples, lineares, quase ingénuas, mas as imagens, numa espécie de
alucinação geométrica e cromática, fazem-nos pensar em
intensidades para além da narrativa. Há casos mesmo em que as
construções e relações entre texto e imagem e sentido é algo
ambivalente, e próxima da poesia surrealista, até ao ponto daqueles
fortuitos encontros ditados por Lautrémont.
Encontraremos alguns autores favoritos,
como C.F., Aidan Koch, Olivier Schrauwen e Yuchi Yokoyama. Depois há
autores que não conhecíamos, ou que havíamos apenas encontrado com
outros trabalhos menores, e que parecem confirmar-se como capazes de
escapar à gravidade do esquecimento, de continuaram a explorar as
suas linguagens próprias, como Stefanie Leinhos, com uma pura
prestação geométrica, Louis Granet, que incute uma urgência à la
Pop a uma sequência elíptica e quiçá misteriosa, Antoine Cossé,
que faz pensar num Régis Franc contemporâneo. De resto, mesmo com
Johnny Negron, as histórias ou peças são quase negligenciáveis,
contribuindo ainda assim para a variedade e alucinação cromática e
textural de um livro, o qual, em termos de objecto, é imponente e
belo. Poderão encontrar mais algumas destas imagens no site da editora.
A história de Amanda Baeza, na Volcan,
encontra-se no intervalo de uma organização narrativa que cria uma
ideia de história, mas que se desagrega o suficiente para obrigar a
tentar compreender como é que as duas linhas de desenvolvimento
visual e de personagens se relacionam, e provavelmente perder nos
seus interstícios a possibilidade de uma conclusão. Em termos
visuais e compositivos, a execução a um só tempo delicada e
brutalista é cada vez mais apurada.
A Komikaze # 14 estaria no mesmo
campo da Volcan, mas sem a mesma elegância geral. Mas o seu
propósito é também mais simples. Publicação de origem em Zagreb,
poderia ser uma herdeira da Stripburek e outras antologias da
“Outra Europa” dos anos 1990, e nesse sentido reúne artistas
desse mesmo mundo geográfico, com grande destaque para autores
croatas, claro, como ainda convidados da Europa ocidental, e
totalmente liberta de preocupações de homogeneidade estilística.
No entanto, alguns dos trabalhos caem naquela gravidade dos trabalhos
da pós-adolescência, em que o estilo “esferográfica raivosa”,
aliada a “discursos contra a sociedade”, mais do que trazerem
novas vozes originais, repetem fórmulas tão gastas como as dos
géneros mais comerciais.
Dito isto, existem trabalhos que se
destacam por uma outra qualidade, sobretudo por encontrarmos muitos
exemplos de autores que tentam ponderar novas formas de distribuição
e colocação dos textos, personagens e espaços na página. A croata
Klarxy, por exemplo, acompanha a vida após a morte de um ateu,
observando com uma distância suficiente que transforma os planos em
espaços teatrais, vistos de cima, e gerindo de forma cartográfico a
distribuição das cenas. O artista Milan Pavlovic, ou Mr. Stocca,
que vive no Canadá, envia um breve manifesto sobre o estado da
cultura contemporânea em que a distribuição dos textos garrafais
seguem regras à la Jan Tschichold. Um pequeno diário autobiográfico
de viagem, colado a reflexões sobre a aprendizagem artística, a
conquista de um espaço ao sol e o papel da arte na vida de um jovem
croata torna a curta história de Stipan Tadic comovente. A croata
Ivan Tudek e a eslovena Petra Varl, à vez, apresentam bandas
desenhadas ultra-curtas e simples, mas que nos obrigam a
reconsiderar as possibilidades narrativas e de combinações entre
apenas duas imagens, quase como enigmas numa revista de passatempos,
ou então de exercícios de lógica visual. A artista alemã Nele
Broönner mostra uma alucinação, ou projecção, mas que ao mesmo
tempo é capaz de estar a revelar algo das preocupações femininas
com o corpo e a sua representação (tal como Varl). Marta Tuta,
ainda da Croácia, pura e simplesmente mostra-nos oito desenhos de
mesas muito bem compostas cheias de iguarias mas que, estranhamente,
nos farão eventualmente pensar em todas as possíveis linhas que
unem essas refeições. Há ainda uma peça sem palavras e elegíaca
da estrela internacional, do mesmo país, Danijel Zezelj. Como no
caso anterior, poderão vasculhar no site da publicação por mais
imagens, apesar de não estarem divididas por número de modo exacto.
Para a Komikaze, Amanda Baeza
participa com duas histórias. Uma delas é aquela escrita com este
vosso criado, e publicada anteriormente na The Lisbon Studio Mag,
a outra é “Hollow”, uma espécie de passeio ou saga de algumas
personagens em torno de teses de dissertação, vernissages de
exposições, trabalhos de instalação, e actos demiúrgicos de
criação de vida a partir de barro esquecido... Esta história foi
alvo igualmente de edição em risografia pela nova colecção de
publicações da Rough Nough, a duas cores e com um aturado trabalho
de trama, cuja falta de coordenação precisa (mas desejada e
prevista) dos registos da cada cor levam a efeitos moiré, e
que incutem uma camada texturada adicional à história.
Finalmente, autora também colaborou
com Camille Dagal para um minúsculo zine. Ou melhor, jogou, pois
Ping Pong é precisamente um jogo em que cada uma das autoras
responde a um desenho anterior da outra acrescentando elementos e
complicando a imagem. À medida que avançamos as páginas, avançamos
igualmente na construção visual dessas personagens e na emergência
lenta mas surpreendente de uma pequena narrativa, como a bem
analisou, de resto, Nuno Pereira de Sousa.
O esforço para descobrir peças
interessantes no meio destes projectos é recompensador, sem dúvida,
mas levanta sempre os mesmos problemas inerentes a antologias, como
já havíamos debatido anteriormente. Mesmo que os objectos sejam
belíssimos por si mesmos, como no caso da Lagon Revue/Volcan,
será isso suficiente argumento para encontrarmos passos em frente
nesta disciplina?
Nota final: agradecimentos a Amanda
Baeza, pela oferta dos seus dois zines e a Komikaze, e a
Pascal Matthey pela compra do Volcan.
Boa tarde,
ResponderEliminarExiste alguma loja/site que venda a Komikaze e a Volcan?
Atentamente,
Ana Luisa
Cara Ana Luísa,
ResponderEliminarSiga, por favor, os links no texto para as editoras correspondentes. A "Volcan" já só se vende presencialmente, não sei se está esgotada, mas eles indicam os próximos sítios em que estarão presentes (feiras internacionais). A "Komikaze", presumo, vender-se-á directamente, é perguntar...
Obrigado.
Pedro
Dear Pedro, big tnx for great review!
ResponderEliminar&
Dear Ana Luisa,
you can order Komikaze on the mail: komikaze5001@gmail.com,
welcome! :)
All best!
Ivana Armanini, main editor