26 de novembro de 2016

O meu Nelson Mandela e outros contos. Anton Kannenmeyer (Mmmnnnrrrg)

Depois do “sucesso” de Papá em África, não apenas em termos comerciais para a editora como para a sua recepção-discussão no nosso país (o ruído e os mal-entendidos são sempre fogo em caruma), o selo “para gente bruta” resolveu publicar mais uma pequena colecção de algum material do autor sul-africano. Provindo da sua parte, isto é, de “Joe Dog”, na revista Bitterkomix, este caderno surge por ocasião da presença de Anton Kannemeyer em Portugal na sua exposição integrada no Festival da Amadora. Desta forma, este pequeno volume serve de complemento à histórias do livro anterior, e onde aquele era uma espécie de radiografia a um imaginário interno e cultural partilhado, que tantas vezes reflecte igualmente fantasmas dos seus leitores, estoutro é mais focado na experiência própria do autor, como se houvesse a possibilidade de mostrar um balanço da sua vida como fruto das consequências da educação. (Mais) 

O editor resolveu criar um foco particular para o material autobiográfico do autor, de forma a que surjam aqui histórias que espelham o que “Joe Dog” estaria a experienciar na altura em que criou estas histórias, sobretudo a sua irritação profunda para com a sociedade bem-pensante e pós-apartheid do seu país, que parece ter aproveitado essa transformação para querer esquecer o passado rapidamente, senão mesmo transformá-lo em algo que não responsabilizaria as pessoas do presente. Todas as histórias mostram o autor-adulto comentando aspectos da sua cultura que despreza, elencando ódios de estimação (um exercício costumeiro em muitos autores da banda desenhada alternativa dos anos 1990), expondo as falsidades das auto-imagens da sua sociedade, ou recordando episódios da sua infância e adolescência que, ao mesmo tempo, vão revelando modos de funcionamento não apenas da sua família imediata (os pais divorciados) mas toda a estrutura social em que cresceu.

Apesar de ser uma identidade diferente da portuguesa, haverá certamente pontos em comum com a nossa própria experiência. Não apenas, pra começo da conversa, na realidade pós-colonialista, que Portugal ainda não resolveu totalmente, continuando a alimentar mitos bem-pensantes sobre o nosso papel em África e após-ela. É inteligente, portanto, a forma como é acrescentada a esta colecção uma mão-cheia de trabalhos de outras paragens de Kannenmeyer que falam dessa relação histórica, política e racial, mostrando-se mesmo retratos de José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi, como um aceno para Portugal. Mas há também aspectos hodiernos. Logo no início, o autor fala da noção de “sucesso” na África do Sul, a confusão entre “riqueza material” e a respeitabilidade social que isso implica, nada distinta da obsessão que existe entre nós pelos “empreendedores” ou por quem “bate punho”.


Longe da homogeneidade de Papá em África (que também já se apresentava com larga variedade), este volume dará a conhecer aos leitores portugueses alguma da “evolução interna” do desenho do autor, que oscila entre uma abordagem mais geométrica e de linhas mais vincadas e o seu estilo mais arredondando. Em termos de humor, haverá aquelas que parecem mais inócuas e outras mais directas e francas. A exploração de temas tintinófilos estão sempre presentes (até na críptica “Nós odiamos Nick Rodwell”), mas essa é somente uma armadilha para os incautos. Esperemos é que, à saída, compreendam a necessidade dela.  

2 comentários:

  1. "elencando ódios de estimação (um exercício costumeiro em muitos autores da banda desenhada alternativa dos anos 1990)"
    hahahaha
    sim é verdade, isso e BDs sobre masturbação -aliás, segundo o José Lopes, só os grandes autores de BD é que fazem BDs sobre masturbação!
    :)
    M

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