Pequena obra
de estreia do jovem autor para além da sua produção fanzinística,
Parícutin
é um objecto invulgar e que dificilmente se poderá categorizar.
Depois dos vários trabalhos curtos pela Lobijovem, Dor
de Cotovelo
e vários títulos colectivos da Chili Com Carne, Gonçalo Duarte
aventura-se numa narrativa mais alargada, cuja coesão se encontrará
mais numa veia poética e impressionista do que propriamente pela
organização de elementos concretos e cartografáveis. (Mais)
Aparentemente,
o livro abre de uma maneira quase clássica, apresentando as
circunstâncias espaciais e temporais onde a suposta narrativa terá
lugar, o protagonista que a agenciará, e a premissa que constituiria
a intriga. Um cultivador de milho, Dionisio Pulido, na vila de
Parícutin, no México, nos anos 1940, descobre um vulcão em
formação nos seus campos. Como se depreenderá, isto significará
não apenas uma convulsão profunda no estilo de vida deste homem,
como de toda a sua comunidade.
Apesar
de não existir qualquer indicação extra-, para- ou mesmo textual
no livro, todas estas informações são historicamente verdadeiras.
Com efeito, o vulcão de Parícutin “eclodiu” nos milheirais de
Pulido em 1943. Mas o autor não está interessado em fazer uma
reportagem, ou um livro de historiografia. De forma radicalmente
diferente a uma expectativa de trabalhar uma tal matéria, Duarte
transforma este facto histórico numa “desculpa” para criar uma
estrutura de níveis diferenciados de narrativas, cujas passagens ou
relações entre si não são claras, e podem ser entendidas como
oníricas, alucinadas, simbólicas, míticas...
O
livro começa com Pulido e regressará a ele, mesmo que o “fecho”
do volume, falado na primeira pessoa, não traga qualquer “remate”
ou “conclusão” convencional. Mas a parte de leão, ou central,
do livro, centra-se na construção de um edifício, com as próprias
mãos, por uma personagem, que não é claro tampouco se se trata de
Pulido, de outra pessoa, de um avatar do próprio autor, etc. Não
sendo jamais nomeado, e não tendo apoio na matéria visual –
Duarte emprega uma “heterogenia gráfica”, como lhe chama Thierry
Groensteen, para um efeito de profunda disrupção – não podemos
chegar a qualquer conclusão. Mais do que a atenção no processo de
construção, é o foco nas relações que se estabelecem entre essa
personagem e os seus amigos e aliados, que tematizam toda uma rede de
poderes políticos, económicos e sociais, que são o âmago de
Parícutin.
Sem nunca se revelar como programático, e muito menos panfletário
ou articulado, o livro traz para a linha da frente as pequenas mas
significativas tensões que advêm em toda uma jovem geração a
confrontar-se com um tecido de empregos precários, dificuldades
económicas cada vez mais complexas no que diz respeito à ocupação
do espaço, ao direito à habitação, mas igualmente a como se
constituem verdadeiras redes de co-habitação, cooperação, e
comunidade. De resto, temas que são recorrentes no trabalho de
Duarte, de forma mais directa ou mais poética.
E
são essas pesquisas temáticas que depois regressam, ou deveríamos
dizer “ricocheteiam”, à história de Pulido. Como se o vulcão
que surgisse não fosse tão-somente um fenómeno geológico, mas a
“inevitabilidade do capitalismo”, e o modo como subleva quaisquer
outros sistemas de valorização, vida, e pensamento, a um caminho
monódico.
Como
dissemos, Gonçalo Duarte lança mão de toda uma série de técnicas
gráficas. Numa primeira leitura, poderá dar a ideia de se tratarem
de fases distintas por uma questão de tempos de produção, como se
fosse uma colectânea de trabalhos diferentes. Mas a releitura poderá
revelar a razão das mudanças, entre linhas grafitadas em
composições mais livres, seguida de um trabalho de linha mais
sólido em paginações mais clássicas, desenhos mais expressivos
(com alguns laivos de André Lemos), talvez mesmo a pincel, etc. Não
apenas espelhando as dinâmicas distintas das atenções e focos
narrativos, como as putativas transformações anímicas da matéria
em si, à medida que se confrontam esses variados e imbricados temas.
Portugal são ladrões que, ao longo da nossa história, roubam Africanos, Asiáticos e Brasileiros. Agora que não podem mais fazer isso, roubaram essas ilhas Selvagens, que foi a última do que podiam roubar da Espanha na década de 1930. Patético!
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