19 de janeiro de 2023

Fazer Isto & Assignar. Banda desenhada, autografia e memória gráfica em Rafael Bordalo Pinheiro.

Serve a presente nota para anunciar o lançamento de Fazer Isto & Assignar. Banda desenhada, autografia e memória gráfica em Rafael Bordalo Pinheiro.

Trata-se do 5º volume da colecção "Cadernos de Bordalo", coordenados e publicados pelo Museu Bordalo Pinheiro, uma série de monografias temáticas dedicadas às várias dimensões da obra e da vida do humorista finissecular. Coube-me a honra e privilégio de escrever sobre a banda desenhada neste autor, quem quase consensualmente consideramos como a figura tutelar desta disciplina artística no nosso país. 

Na verdade, deve ser encarado mais como um longo ensaio, uma vez que não sou historiador. Existem muitas obras, por mim consultadas e admiradas, onde encontrarão modos mais exaustivos de listar a obra produzida por Bordalo. António Dias de Deus e Leonardo de Sá, em primeiro lugar, naturalmente e sobretudo no que diz respeito à banda desenhada, mas considerando mais alargadamente a obra caricatural, de imprensa, gráfica, também os trabalhos de Irisalva Moita, Carlos Bandeiras Pinheiro, João Medina, Maria Manuel Pinto e Barbosa e Álvaro Costa de Matos foram fundamentais nesta navegação, tal qual a ainda seminal biografia de José-Augusto França. Mais recentemente, o monumental Quase Todo o Bordallo. Obra Gráfica, de Isabel Castanheira, tornou-se um instrumento imperativo e de sistematização, complemento magnífico mesmo com o acesso a toda a obra, pública, inédita e de esboços, que me foi facilitada pelos serviços museográficos. Aliás, o acesso a toda a equipa, através de consultas extemporâneas, perguntas sobre minudências e depois múltiplas leituras críticas tornaram o volume em algo melhor do que seria, caso caminhasse sozinho.

O objectivo, dizia, é o de um ensaio. Não se procura um regime de exaustão ou de listagens, cujo remate poderia ser hercúleo, mas árido e insubstancial. Ao longo de sete capítulos centrais, menos ou mais tematizados, perscruta-se a obra de Bordalo, para entender atitudes, mecanismos, recorrências, preferências e eficácias nos modos artísticos e nas inscrições sociais e políticas do autor. O ponto de partida é o de que possuímos hodiernamente um conceito e campo social da "banda desenhada" que pura e simplesmente não existia no tempo de Bordalo. Ele é, afinal, um dos "inventores" de toda uma série de estratégias formais, modos de publicação e circulação, atitude social, e de potencialidades textuais e materiais que depois seriam seguidas e/ou abandonadas. Bordalo, tal qual outros autores que lhe foram imediatamente anteriores ou contemporâneos,  estava a experimentar esta linguagem, e não se podia recorrer de um corpus de experiência consolidado, tal qual nós hoje podemos fazer, com 150 anos de produção. O que não significa que Bordalo não tenha reempregue princípios, noções ou instrumentos advindos de outras longas "tradições", advindas da literatura, do teatro e,, claro está, da produção gráfica histórica da civilização ocidental (e não só, como é demonstrado no livro!). 

Pondera-se os diálogos artísticos que Bordalo estabeleceu com os grandes "mestres da banda desenhada" - mesmo antes de tal nome! - do seu tempo, como Cham, e através deste Töpffer, Nadar, Caran d'Ache e Wilhelm Busch, para descobrir um autor sempre proteico. Atenta-se às muitas maneiras, graduais, diferenciadas e materializadas, em que o autor procurou soluções editoriais, e como isso influenciaria as suas escolhas de "assunto" mas também de "estilo". Demonstra-se a maneira como o autor explorou a autobiografia em banda desenhada, mesmo antes desta se tornar um consolidado "género" (a partir sobretudo de 1990). Discute-se a maneira como respondeu à realidade bruta dos factos em seu torno, o que o levou por vezes mesmo à reportagem, ao olhar antropológico, mas quase sempre sarcástico e metafórico. Acede-se aos muitos modos em que o teatro - paixão de Bordalo desde jovem - viriam a influenciar a sua produção, a todos os níveis. Acompanhamos, de modo impossível de exaurir, como o artista fundou "typos" e "personagens", que respondiam a perspectivas do seu tempo, mas que viriam a tornar-se herança nacional, e plástica. 

No fundo, tentamos compreender novamente Bordalo à luz do que sabemos hoje da banda desenhada, do ponto de vista histórico e teórico, assim como repensar a banda desenhada de hoje a partir da prática, tão viva ainda, de Bordalo.

Nota final: muitas pessoas há a agradecer, remetendo à página que lhes é dedicada no livro. Este encontra-se, para já, à venda na loja do Museu. Em breve, anunciarei a data da sua apresentação, no próprio Museu. 

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