24 de julho de 2005

Nouvelles de Litérature Japonaise. Ryoichi Ikegami (Tonkam)


Como que um Classics Illustrated (e ponho no mesmo saco todas as séries, e todos os autores que por lá passaram, mesmo os mais respeitados por outros trabalhos) ou uma dessas enfadonhas adaptações que se faz entre nós de quando em vez e empurradas para debaixo do nariz dos estudantes como “porta de acesso” à leitura dos textos primários, vi-me explorando estas Nouvelles de Littératue Japonaise, adaptadas à banda desenhada por Ryoichi Ikegami. É raro e difícil conseguir fazer uma adaptação que seja prazenteiramente legível/visível, e menos ainda conseguir fazer passar uma genuína expressão criativa mais pessoal. Todavia, não é inédito: entre nós, Filipe Abranches, Pedro Nora, Miguel Rocha lograram-no, O Castelo (de Kafka) de Olivier Deprez é um soberbo exemplo de “transformação criativa”, e mesmo Tezuka (com o seu Crime e Castigo, de Dostoievski) mostra outras formas de levar a recriação a patamares interessantes. São apenas alguns exemplos. No caso destas adaptações de Ryoichi Ikegami, estamos perante um, não “mau” nem “nulo”, mas um mais chão entendimento do que uma adaptação pode implicar.
O talento de Ryoichi Ikegami como desenhador é manifesto, e os que conhecem Crying Freeman (escrito por Kazuo Koike, o autor de Lone Wolf and Cub, apontado como uma referência incontornável da mangá, sobretudo de acção) e Sanctuary comprovar-lo-ão, mas é só na representação imitativa e realista que o faz. É deste estofo que normalmente surgem os autores que mais fãs agregam. Mas na verdade, os corpos têm pouco dinamismo e expressão. Nisto, faz-me recordar um outro autor overrated mais próximo da nossa praia, que é Manara. Isto é, são artistas capazes de fazer vinhetas que separadas do resto se podem alçar como “belos desenhos”, capazes de suscitar emoções para além das estéticas. Mas isso é uma direcção pobre do pensamento crítico em relação à banda desenhada. O “desenhar bem”, embora importante num modo de expressão fortemente visual, não é porém um (o) factor central para um bom autor de banda desenhada. Bem pelo contrário, por vezes essa arte “a mais” leva a banda desenhada “a menos”, quando surge desequilibrada face à débil composição de página, a uma planificação banal, a ritmo forçado, etc. As estratégias melodramáticas de Ikegami, os seus abusos de grandes planos dos rostos alterados, parecem um sublinhar a emoção que o leitor tem que entender com três ou quatro linhas de marcador fluorescente. Pouco grácil, demonstrando não recorrer a outras formas de o fazer. É desnecessário: com alguma subtileza e boa planificação teríamos entendido esse sinal, não é preciso hiperbolizar.
Mais, mostrar seios de mulher, cenas eróticas, poses de luxúria, que em nada ajudam à diegese em si, não é mais do que um ligeiramente corrigido panchira (v. glossário clubotaku.org, de novo), e parece uma estratégia à Bourgeon: quando nada se tem a desenhar relacionado com a acção em questão, acrescenta-se esse “prémio” aos leitores adolescentes. Isto para não entrarmos nessa discussão – válida, central mas complexa – da representação idealizada da beleza (quer feminina quer masculina) na mangá (que segue regras nem sempre distantes, ainda que diferentes, das que se seguem no ocidente).
A escolha dos autores é, se preferirem um termo quase neutralizado pelo seu abuso, clássica ou, se preferirem uma mais politizada leitura, segura. Isto é, são todos autores vetustos, respeitados, valores incontornáveis das Letras japonesas que, como é da tradição dessa parte da Ásia e diferentemente da Europa, prezava mais os relatos curtos, contos, do que o romance, epítome dos géneros literários a partir do século XIX entre nós (não obstante as excepções). Mas tendo em conta que estas adaptações foram criadas para uma revista de enorme circulação, estamos perante uma espécie de necessidade económico-cultural e, confirmando mais uma vez a ideia inicial, não propriamente face um gesto pessoal. Posted by Picasa

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