24 de fevereiro de 2006
Paper Rad Picture Box. B.J. & da Dogs (Ganzfeld)
“Se quiseres escrever um artigo, ou um trabalho de casa, ou quiseres contar à tua mãe ou pai, ou patrão, bom, estás feito, mas podes dizer palavras como colectivo de 3 artistas, mas lembra-te que estás a mentir e apenas estás a tentar traduzir o que fazemos para fala-da-América [normal-parlês], explica apenas uma das bds ou uma piada que viste no site ou num dos livros, acho que é bem melhor, e quanto aos pormenores, boa sorte” (...) “sabes o que mais?, não há segredos nenhuns, e se quiseres saber todos os pormenores sobre nós, então vive a tua vida, e os pormenores aparecerão, tipo, será que tenho mesmo de explicar aos meus melhores amigos o que é o paper rad? Não, não preciso, eles mesmo que venham ver, e saberão de pormenores, naturalmente, eles sabem que tipo de corte de cabelo tenho, não é segredo nenhum, mas que merda tem isso a ver?” [textos do site].
De facto, tentar explicar o que o projecto Paper Rad é – mesmo dizendo que Brian Jones se encontra numa das pontes de comando – seria elaborar mais uma peça do puzzle de Paper Rad. Tentar explicar como o meu cabelo se comporta teria o mesmo efeito, e sabendo que o meu cabelo não é liso nem encaracolado nem ondulado, mas uma criatura com vontade própria e que dificilmente se deixa domar e me transtorna os dias terá um peso informativo tão bom como a maior das descrições dos “conteúdos” deste livro. Música, ilustrações, Web dirty design, instalações, sujidade artística, fotografias de “found objects”, poli-trauma-pós-sexualidade, lixo ready-made, mau-gosto entronizado, lo-fi tudo.
Este livro, publicado pela Ganzfeld com apoios de outras instituições, tem mais de 200 páginas, divididas em secções mais ou menos auto-explicativas, atravessando diferentes tipos de “tintas, papel, fotos, histórias” e “tem quase todas as cores pantone fluorescentes, e ainda papel prateado e tinta roxa em papel de jornal”. Alguns dos trabalhos já haviam sido publicados ora em papel (o fanzine Paper Rad, jornais de artistas, já que há uma relação muito íntima com o grupo de Forth Thunder, de Providence, que publica o Paper Rodeo) ora no site. Um importante aspecto sobre as histórias – algum material não deixa de ser “banda desenhada” num sentido bastante claro e tradicional -, e que ganham com esse facto uma dimensão menos ténue e estabelecem um elo fortíssimo com as fotos, é que estas são autobiográficas: as personagens estão em nome de pessoas existentes, as bandas musicais existem mesmo, as aventuras siderais ou inter-cidades reportam-se a tours das mesmas... Importa ser real? Tanto faz.
Este livro é “rad”. Uma expressão que se usa vezes sem conta, análogo ao “cool” mas mais caótico, extremo, chanfrado; como o “wicked” britânico... Mas para falar de quê, afinal? Que se passa? O que é isto? Bom, infelizmente, esta é mesmo uma dessas situações em que se cai em outras expressões como “tudo e mais um par de botas”, “não sei”, “cenas”, etc., como se fosse nos interstícios mesmo dessa indecisão em definir o objecto onde pulsasse o significado das suas relações.
Não há muito tempo, Serralves teve uma exposição do artista "néon-barroco" Thomas Hirschoorn, intitulada Anschool II project. Nessa exposição, inúmeras salas e sub-salas e compartimentos do Museu estavam pejadas de informação e material visual, ou de outro tipo. Era incomportável, mesmo para quem a montou ou para quem a concebeu, dominar tudo o que ela implicava. Como se a acumulação de mais e mais objectos apenas levasse à aceleração cada vez maior do olhar e este, acelerado, aumentasse mais ainda a informação por onde passava; como se no intervalo, na dobra, no vinco entre cada objecto real, ou melhor, actual, explodisse sem parar de explodir o seu virtual (para falarmos com e como Deleuze). Paper Rad-Radio-Rodeo é um encolher de ombros perante o que se “deve fazer” e um atirar-se de cabeça para um “fazer”. Pouco importa o que sai. Não há tempo para revisitações e ponderações. Fugas em frente seguidas de novas fugas, mas sem tema. Como diz parte da publicidade, este é um livro “algo algo” [“something something”].
Paper Rad vive na continuidade de projectos que, de forma mais pausada mas livre, alargam o espaço de discussão – The Ganzeld e The Drama, Kramer’s Ergot, etc. – mas como se fossem os rebenta-festas que entram bêbados e aos berros trazendo uma espécie de diversão incrível, uma energia indomada, mas que deixa nódoas por todo o lado e incomoda os que preferiam dormir nas certezas. Este livro é um catálogo e um convite, é uma arma de arremesso e uma cachimbada nas ervas da paz. Este livro é um mega-post-zinossáurio dadafuturista dionisíaco. Desperdício de papel? Sem dúvida. Que bom.
Nota: o scan que fiz não faz jus da beleza da capa; as letras que vêem a preto são na verdade prateadas e reflectem.
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