27 de junho de 2005

Kramer's Ergot #5. AAVV (Gingko Press)


"Das variadíssimas antologias de banda desenhada que vão surgindo por aí, há umas que são mais antologias que as outras. Penso que a responsabilidade primeira em conceber uma antologia de sucesso nem sequer é associada em primeiro lugar à qualidade dos artistas apresentados. O arquitecto Álvaro Siza Vieira (num texto que pode ser encontrado no número 12 da Tabacaria) diz que as formas arquitectónicas de Gaudi se assemelhavam às da escultura; as casas do barcelonês eram idênticas a todas as outras nos seus elementos básicos, mas esses elementos, em Gaudi, “cantavam”. Ora, quem deve fazer tudo “cantar” é obviamente o editor, que deve orquestrar esta “escolha de flores” (é o que “antologia” significa etimologicamente) com coesão e significado... (Mais)
"... Uma antologia pode ser feita de trabalhos já antes editados, coligidos por várias razões, desde a inacessibilidade das edições anteriores (os volumes que reeditam colecções clássicas, como os volumes do Mosquito e do Cavaleiro Andante das Edições Épocas de Ouro), a junção de toda uma obra (o recente Major Alverca, do semanário O Independente, de Manuel João Ramos e Rui Zink, na D. Quixote), até um aniversário (os casos do volume dedicado à obra e vida de Charles Schultz, Peanuts, pela Pantheon Books) ou mesmo como forma de re-apresentar esses mesmos trabalhos anteriores num novo contexto, o que provocará uma nova leitura. Porém, as mais das vezes pode ser tão simplesmente uma oportunidade em apresentar diferentes artistas num mesmo convénio de edição, que implica um unido objectivo, como o de uma divulgação abrangente, como é o caso dos sucessivos volumes da Small Press Expo. Ou não. Este seria um tema interessante de abordar com alguma desenvoltura, mas não é esta a oportunidade. Bastará apresentar algumas por agora. "

Isto é o que escrevi num dos números da Quadrado (Bedeteca de Lisboa) a propósito de uma série de antologias: falava também da Kramer's Ergot #4. Repescando na metáfora da "escolha de flores", indicava que no caso desta publicação estávamos perante um verdadeiro ikebana. A qualidade do 5º número é superior, não só em termos físicos (capa semi-rígida, melhor papel e impressão, mais cores), como em termos de conteúdos, apesar de se trabalharem com mais ou menos os mesmos autores do anterior: Mat Brinkman, Anders Nilsen, Sammy Harkham (o editor), Paper Rad (que fez o vídeo animado para Qué Onda, Guero?, do último álbum do Beck), e outros novos convidados, mas nada novatos, como Chris Ware, Ron Regé, Jr. e a dupla Reumann e Robel, o Elvis Studio, recentemente exposto no Salão Lisboa de Ilustração e Banda Desenhada 2005, entre outros. Com um pouco mais de 300 páginas, esta é uma leitura valente e diversificada do melhor que se faz em termos de banda desenhada alternativa. Tanto existem trabalhos meramente formais (Gary Panter, Paper Rad) com ilustrações e desenhos livres, como narrativas tout court mas intensas (mais um episódio de Glenn Ganges de Kevin Huizenga), como outras que convergem uma dupla experimentação (Bell, C.F., Ware).

Em muitos aspectos, esta é uma antologia que tanto reúne trabalhos de autores "legíveis", "respeitáveis", "publicáveis", como de outros autores que vivem numa linha mais autoral, livre e, por essas mesmas razões, mais supreendentes nas suas criações. Sem dúvida mais um tomo para a história de uma contemporânea e viva vanguarda da banda desenhada.
Apesar do editor (Sammy Arkham) mo ter garantido em correspondência pessoal, que não fez os convites aos artistas sob qualquer tema, é curioso porém notar que a esmagadora maioria das histórias e dos trabalhos, de uma forma ou de outra, falam de religião, de fé, de crenças associadas a um qualquer deus... É caso para se falar de um espírito do tempo?
Nota: o scan/imagem apresentado não representa toda a capa do livro - mais um acidente/azelhice meu - e o desenho é de C.F. 

2 comentários:

andré lemos disse...

Kandinsky goes comic?

andré lemos disse...

Com um texto assim, tenho que ver de perto também!