28 de setembro de 2014

Comics. A Global History, 1968 to the Present. Dan Mazur e Alexander Danner (Thames & Hudson)

Permitam-nos uma história enlatada das transformações da memória da banda desenhada.

O facto da banda desenhada se ter desenvolvido, numa larga fatia da sua história, associada à imprensa, levou à noção de que ela mesma seria uma forma de arte necessariamente efémera, ou essencialmente constituída nessa sua efemeridade. À margem dos luxuosos álbuns publicados na Europa do século XIX que marcaram a sua primeira presença, e depois as acções de coleccionadores de tiras ou páginas de jornais durante a primeira metade do século XX, e algumas antologias em capas cartonadas, a esmagadora maioria da produção era votada à leitura de um só dia, e não propriamente a serem recompensadas pela possibilidade da releitura. Isso levou a que durante muito tempo a banda desenhada fosse sofrendo de uma espécie de amnésia, como escreveu Groensteen num seu livro, em que apenas fãs especializados conhecessem algo para além da produção da sua própria geração ou a anterior, muitas vezes até de modo diferente dos autores. Com as transformações editoriais, económicas e sobretudo estéticas que viriam a moldar uma nova vida da banda desenhada sob os formatos de livro, essa existência passou a ter outros contornos, mas a relação com o passado ainda se mantinha algo complexa, desagregada, isolada. Apenas mais recentemente é que uma tendência mais certeira tem assegurado uma recuperaçãoda memória, sobretudo através do acesso a edições integrais de determinadas séries, títulos ou autores. Mas a acessibilidade crescente aos textos que compõem essa história também implica a obrigatoriedade de um mapa. Comics, a Global History, é um desses mapas possíveis, e promete uma navegação suave e lata. (Mais) 

26 de setembro de 2014

Critical Inquiry, Primavera 2014: “Comics & Media”. AAVV (University of Chicago Press)

A Critical Inquiry é uma das mais importantes publicações académicas dos Estados Unidos, nas últimas décadas, no que diz respeito à dita “High Theory” ou Estudos Culturais (que agrega a crítica literária à psicanálise, passando pela filosofia(s), o pós-estruturalismo, teoria dos media, feminismo, enfim, toda uma série de cruzamentos entre as disciplinas das humanidades). De certa forma, no seu círculo, a conquista de um espaço de atenção nas suas páginas é um sinal, ainda que não absoluto e completo e final, de entrada e prestígio na academia. Esta publicação já abriu espaço para muitos papers dedicados, claro está, às mais diversas das artes, desde aquelas mais consolidadas historicamente, como a literatura e a pintura ou mesmo o cinema, até às mais recentes mas imediatamente prestigiantes e integradas, como a instalação ou o vídeo, passando por algumas aspectos da dita cultura popular, como a fotonovela e a televisão. Mas a banda desenhada esteve até agora arreigada do seu espaço (uma busca no seu motor próprio não dá resultados significativos), surgindo este objecto – que lhe é quase exclusivamente dedicado – como uma espécie de correcção. Mas sê-lo-á? (Mais) 

23 de setembro de 2014

Through the Woods. Emily Carroll (Faber & Faber)

Quando discutimos alguns webcomics, mencionámos muito rapidamente o trabalho de Carroll, como um desses casos que não tirava particularmente proveito de todas as possibilidades expressivas, estruturais ou tecnológicas de publicar online o seu trabalho, ainda que existissem algumas estratégias de apresentação singulares. O fenómeno da edição em papel de determinados trabalhos apresentados originalmente na rede também não é particularmente novo, e já tivemos oportunidade de apresentar alguns livros que atravessaram esse processo, e comentar o que isso pode significar na relação contínua entre os diferentes mundos de edição, as formas de produção, circulação, publicação e comercialização do trabalho de banda desenhada, e por aí fora. Em relação ao livro de Carroll, concentrar-nos-emos no seu conteúdo, dizendo apenas que o objecto em si, o livro, é lindíssimo, com uma dustcover onde o título e os ramos das árvores, em baixo, têm um ligeiro volume que convidam a uma certa apreciação e prazer tácteis. (Mais) 

20 de setembro de 2014

The Boxer. Reinhard Kleist (Self Made Hero)

Há medida que o tempo passa, e os títulos se multiplicam, os géneros se atomizam, os temas se encetam, e a variedade se procura, é expectável que venhamos a cruzar-nos com trabalhos que tanto nos recordam títulos anteriores numa óptica de modelos continuados como de variações tentadas. E nessa comparação haverá sempre, inevitavelmente, aspectos que nos fazem compreender uma maturidade e crescimento, se quisermos usar essas palavras, da forma de arte em questão, e outras dimensões que nos fazem sentir alguma perda. (Mais) 

18 de setembro de 2014

March, Book One. John Lewis, Andrew Aydin e Nate Powell (Top Shelf)

Imaginemos a cena. Um pequeno restaurante, numa rua principal de uma cidade de alguma dimensão, tem mesas distribuídas no seu espaço, algumas perto das montras, outras dispostas perto das paredes, um balcão corrido. As pessoas entram, sentam-se, escolhem o prato de uma ementa, encomendam, comem e pagam. Mas conforme a cor de pele, pode ou não ser autorizado a sentar-se ao balcão, ou tem de ser dirigido a um canto especial. O mesmo ocorria com lugares nos autocarros, se não mesmo no tipo de autocarros, das casas de banho em estações de serviço, ou nas escolhas e possibilidades de inscrição em escolas, bibliotecas, jornais, já para não falar sequer no direito à directa representação eleitoral ou outros assuntos ainda mais prementes (habitação, empregabilidade, etc.). (Mais) 

16 de setembro de 2014

Safe Place. André Pereira e Paula Almeida (Kingpin Books).

Safe Place é um projecto curioso na medida em que parece ser construído a partir de uma ideia modular. Ele pode ser lido como um projecto isolado, mas potencia-se igualmente como episódio de algo maior, que poderá ou não vir a ser desdobrado. Além disso, como todas as obras de autores que se vão formando de modo decisivo e certeiro, ela também pode ser lida em conjunção com os trabalhos anteriores do autor. (Mais)

14 de setembro de 2014

Artigo na ColdFront: A Kick in the Eye.

Serve o presente post para indicar que a crítica a A Kick in the Eye, que havíamos feito aqui, foi publicada em inglês na ColdFront mag.

Agradecimentos a Nico Vassilakis, pela ajuda nos contactos.

Link directo, aqui.

12 de setembro de 2014

Colaboração no The Comics Alternative. Entrevista a Karin Kukkonen.

Daremos início a uma nova colaboração internacional, desta feita com The Comics Alternative, um espaço moderado por Derek Royal e Andy Kunka. 

Para já, tratar-se-á de publicar as versões originais das entrevistas conduzidas por email (ou outros modos) aos académicos que temos tido a oportunidade de contactar, mas é possível que possamos vir a escrever material exclusivo.

Desta feita, trata-se da entrevista a Karin Kukkonen, que fizemos a propósito dos  dois livros que havíamos lido dela.

Agradecimentos a todos os envolvidos.




Le muret. Céline Fraipont e Pierre Bailly (Casterman).

A primeira surpresa deste livro são os nomes que surgem na capa. Seguindo há algum tempo, ainda que em silêncio neste espaço, a obra da escritora Fraipont e do artista Bailly sob a forma de um dos melhores títulos da actualidade de banda desenhada infantil, Le petit Poilu (sem matéria verbal, com histórias lineares e simples de seguir, são perfeitas introduções à linguagem da banda desenhada para crianças que ainda não sabem nem ler nem ler banda desenhada), o seu surgimento numa colecção que usualmente versa temáticas e estruturas mais maduras levava de imediato a algum gau de curiosidade. Uma primeira consulta confirmava a diferença de direcção do trabalho de ambos. A sua leitura atenta reservava ainda mais complexidades. (Mais) 

9 de setembro de 2014

Workshot de Introdução à banda desenhada na OC.

Serve o presente post para anunciar que a segunda fase dos workshots da Oficina do Cego estão desde já anunciados, entre os quais um de introdução à banda desenhada, dado por este vosso criado.

Este breve encontro é dirigido sobretudo a formandos mais jovens a partir dos 12 anos e/ou a pessoas que nunca fizeram banda desenhada ou mesmo nunca desenharam. Não se trata de um curso de desenho, mas de introdução a algumas das estruturas formais necessárias para a criação da banda desenhada. 

Apareçam!

Mais informações, sigam este link.

M. Berthod. Cette beauté qui s'en va (Les Impressions Nouvelles)

No Tratado sobre a origem da linguagem, de 1771, J. G. von Herder propõe uma noção da relação entre a natureza e a civilização (tudo o que é fruto da tarefa do homem) que vai além de uma mera oposição, como o havia sido no caso de Rousseau. Há a um só tempo um grau de identidade e um grau de diferença entre o ser humano e a natureza, e é na conjunção deles que se dá o efeito que dá origem à linguagem e à literatura (e a toda a arte, quando o filósofo fala da Kunstgeschöpf, ou “capacidade para a arte” do homem). O cerne dessa relação é aquilo que Herder chama de Besonnenheit, usualmente traduzido como “clareza de consciência”, a faculdade de separar a impressão sensível da materialidade do dado. Podemos dizer que a paisagem existe fisicamente, numa determinada posição topológica, com coordenadas “exactas” ou relacionais, mas ao mesmo tempo que ela é apenas fundada num determinado momento relativo ao acto de observação, cujas condições, se alteradas, alteram também a própria paisagem. (Mais)