4 de dezembro de 2017

Colaboração em "Guimarães. Cidade visível".

Serve a presente mensagem para indicar que, no quadro da Bienal de Ilustração de Guimarães (a BIG), foi publicado na revista do município, a Guimarães. Cidade Visível no. 5 (Julho-Dezembro 2017), um pequeno texto meu que debate algumas ideias em torno da ilustração, suscitada pela própria bienal, as suas exposições e a oportunidade de coordenar o seu pequeno ciclo de palestras, A Teia da Ilustração.

Esse texto, "Ler com olhos de ver", repesca muitas das questões que fomos debatendo ao longo de anos neste mesmo espaço, ou na nossa actividade crítica e de docência, procurando um foco e concentração neste contexto mais específico. A revista é gratuita, mas a sua distribuição está limitada ao próprio município daquela cidade. Este número tem ainda o texto de comissariado e apresentação elaborado por Jorge Silva em torno do veterano da ilustração homenageado nesta primeira edição da BIG, Luís Filipe de Abreu, com algumas reproduções do seu magnífico trabalho.

[O editor, Paulo Pinto, disponibilizou o link para acesso digital à revista, aqui. Agradecido.]


Aproveitamos a oportunidade para recordar que no próximo Sábado, dia 9, pelas 15h, no Centro Internacional das Artes José de Guimarães, terá lugar a terceira e final palestra do ciclo, com o professor e artista Paul Hardman, em que discutiremos os contextos da criação e a flexibilidade de responder aos desafios múltiplos da ilustração. 

22 de novembro de 2017

Fernando Relvas: 1956-2017.


Morreu-nos o Fernando Relvas.

Esta expressão – acrescentando o pronome reflexo àquele verbo que, de tão intransigentemente intransitivo assinala uma transição derradeira – é egoísta. Mas é também apropriada, como se uma morte fosse uma afronta pessoal para quem fica vivo e sente, de uma maneira ou outra, que lhe fizeram uma desfeita. Uma promessa incumprida, uma conversa inacabada, uma pergunta por fazer.

Este não é o local de fazer panegíricos. Os artistas não precisam de elogios, mas de serem lidos, e vistos, e pensados, e tivemos a oportunidade, quando da exposição Horizonte, Azul-Tranquilo, de escrever (pouco) aquilo que tínhamos a dizer da vida e obra de Fernando Relvas, que a Bedeteca nos permitiu, e o próprio Relvas, sempre disponível. Chamámos-lhe "sismógrafo" e "hápax", dois "insultos" a que o "urso" responderia com um encolher de ombros, indiferente, como deve ser, aos discursos ao quadrado. Ao revisitar algumas fotografias da montagem da exposição, deparámo-nos com esta, que então estava cheia de promessa, e agora se reveste de um sentimento de perda. Ainda assim, ainda assim, a paisagem está prestes a ser preenchida, a saída de emergência convida ao salto, o balão a que escutemos com atenção...

O Relvas foi, a nosso ver, um “artista de artistas”, naquele sentido em que a sua lavra e obra teve mais impacto sobre toda uma (ou mais) geração de artistas que se seguiram do que propriamente junto a um público mais massificado. Em parte, isso terá a ver com o facto de que a sua produção foi seguindo as variadíssimas circunstâncias em que as possibilidades de fazer e publicar banda desenhada em Portugal, por um português, se estendiam e haver, sobretudo nos dias de hoje, uma atenção mais vincada para com o objecto-livro (e não nos abstemos de incorrer nessa cegueira genérica, aqui, neste espaço) do que para com outras plataformas. E Relvas foi um mestre da banda desenhada de imprensa (semanário, revista, pasquim), em que a respiração era feita a cada momento, mais do que de projectos de longo curso e com estruturas literárias. E foi também um mestre do desenho, a pulso, quilómetros infindáveis de linhas de grafite e tinta e pixéis e frames percorridas por tantos, tantos projectos díspares em termos de estilos e géneros e vontades e fortunas, muitos dos quais inacabados, mas não por isso menos visitáveis. Arriscar-nos-íamos a afirmar que Relvas estava menos preocupado em “contar histórias” do que dar corpo à sua necessidade de expressar o desenho, mas um desenho naquele permanente desequilíbrio de enraizar mundos, mais ou menos ficcionais, e de se aproximar, numa qualquer ideia de comunidade, ao leitor e leitora.


Tivemos o raro privilégio de conhecer o artista de mais perto e podemos afirmar, com toda a segurança, que ainda há muito para aprender sobre Relvas, muito para ler, para descortinar, apreciar, desvendar e tentar compreender. Talvez nunca se chegue ao fim ou se atinja essa compreensão, mas isso é talvez um benefício ao leitor. Por isso, leia-se.

Até breve, Relvas.  

15 de novembro de 2017

Peek a Boo: A Masmorra dos Coalas. Psonha (Plot)

Na esteira de No caderno da Tangerina, este outro volume é também endereçado a um público jovem, se bem que no caso deste livro brasileiro, pretende-se chegar a um público ainda mais jovem, diríamos abaixo dos 10 anos de idade. Com esse fim, é natural que se abracem de forma mais aberta alguns princípios ou mesmo fórmulas que, tendo servido de base, são abandonadas por Rita Alfaiate na direcção de outras complexidades. No caso de Psonha, pelo contrário, há toda uma aceitação pela ideia de aventura linear, sem pejo nem demais, para demonstrar as dinâmicas relacionais entre as personagens que melhor comporão uma lição. (Mais) 

13 de novembro de 2017

No caderno da Tangerina. Rita Alfaiate (Escorpião Azul)

Dividido em quatro breves mas concentrados capítulos, esta curta narrativa de umas 80 pranchas recupera alguma da candura do ambiente da infância e as fantasias que se criam em torno do desconhecido e da aventura. Passado numa pequena escola de província, à qual chega uma nova estudante, Tangerina, que parece guardar um segredo, o jovem Spike tenta ultrapassar as claras defesas sociais montadas pela rapariga, para poder compreender um “monstro” que ela desenha obsessivamente no seu caderno, e que ela diz ter escapado de um sonho e precisa de ser re-capturado. (Mais) 

30 de outubro de 2017

Berlim. Cidade sem sombras. Tiago Baptista (Chili Com Carne)

Fruto da estada de Tiago Baptista na cidade de Berlim durante três meses de Inverno, numa residência artística, este livro reúne toda uma série de pequenas histórias que mais devem ser entendidas como impressões do que propriamente como narrativas. Não se pode dizer que haja aqui uma assunção de uma estrutura coerente ou subsumida à explicitação, como ocorre em travelogues à la Guy Deslile ou outros, por exemplo. Tampouco se poderá ler Berlim como se se tratasse de um registo diarístico, já que a maioria das peças dão a ideia de uma certa distância temporal, après le fait, sobre essa estada. Aliás, há muitos momentos em que a voz do autor torna patente a dúvida, o esquecimento, a falta de certeza. Isso não fragiliza o acto de memória do livro, bem pelo contrário torna-o um acto mais humano. (Mais) 

25 de outubro de 2017

Des.Gráfica: participação.

No próximo fim-de-semana terá lugar a Feira Des.Gráfica. Quadrinhos Experimentais e produção em Narrativas Gráfico-Visuais, no Museu de Imagem e Som, em São Paulo, Brasil.

Tivemos a honra de termos sido convidados no ano passado pelos organizadores a participar no concurso enquanto membros do júri, e este ano acrescenta-se o imenso prazer de estarmos presentes no próprio evento como uma espécie de keynote speaker. Assim, lá estaremos para falar com um público interessado em como estender os quadrinhos a um campo cada vez mais expandido em todas as suas dimensões...

Por ocasião desse encontro, o site Balbúrdia fez-nos uma entrevista que tenta tocar toda uma série de vertentes do nosso trabalho e outros acidentes. Partilhamo-la num link directo, aqui.

Esperamos encontrar lá muitos amigos e leitores transatlânticos do Lerbd!

Agradecimentos a Rafael Coutinho, esse porra louca, e Renata Letícia e Isa Castro, pelo convite em participar no Des.Gráfica ao vivo, e Lielson Zeni, Maria Clara Carneiro, Pedro Franz, pela atenção dada.
Mais informação aqui e na página de Facebook.

AmadoraBD 2017: participação

Como em ocasiões anteriores, participamos mais uma vez no Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora. Desta feita, estaremos presentes com um comissariado mais simples (!), em companhia da Sandy Gageiro, em torno da exposição sobre o ano editorial de 2016-2017, procurando mostrar uma selecção/mistura da grande diversidade da oferta de banda desenhada para todos os públicos e de álbuns ilustrados para a infância. 

O propósito principal é o da celebração dos espaços de leitura. Eis o texto que estará na apresentação dos núcleos, assinado por ambos:

« A diversidade da banda desenhada para todos os públicos e os álbuns ilustrados para a infância tem crescido exponencialmente em todos os sentidos. Há cada vez mais livros para mais tipos de leitores.

Distinguindo-se de tendências anteriores, há mais banda desenhada para um público feminino (o que não significa que os rapazes ou os homens não possam ler esses livros fantásticos!), tal como para um público mais maduro (tantos “romances gráficos”!), interessado em questões como as relações humanas realistas, política internacional, personalidades históricas nacionais ou até como fazer vinho. E há mais livros, despretensiosos, capazes de ensinar às crianças as raízes das descriminações raciais, de género, de idade, ou outras, que explicam como se constrói a democracia ou a memória, como brincar e cuidar dos nossos avós, e até como disparatar da forma mais criativa possível.

Os géneros clássicos continuam de boa saúde também, e com novos heróis e heroínas.

Esta exposição não pode mostrar tudo o que foi publicado nos últimos doze meses, mas enfrenta essa mesma variedade. Cada sala mistura livros para miúdos e para graúdos, livros sérios e livros tontos, tomos grandes e livrinhos esguios, uma vez que acreditamos que os leitores (e os livros) se devem misturar. Os pais devem ler com as filhas, mas os filhos também devem ler para os pais. E sozinhos. Ou com os colegas da escola, da natação, ou de jogar à bola lá na rua. E os pais podem falar deles lá no emprego.

Cada sítio cria a sua própria comunidade de leitores. Um bando de leitores no banco de jardim. Um cardume de outras leitoras no metro. Uma turma na escola. Outra no recreio. São tantos os sítios onde se pode ler! Pode ser qualquer lugar. Aqui estão apenas cinco.

Qual é o teu favorito? O nosso é... todos!»

Para além disso, estará patente na Bedeteca da Amadora uma exposição dedicada ao projecto The Lisbon Studio Series, a série de volumes antológicos desse colectivo, na qual temos participado enquanto argumentista da artista Marta Teives. O segundo volume, na verdade, será lançado no AmadoraBD. Os autores estarão presentes todos os fins-de-semana no Festival para autografarem as obras, inclusive nós mesmos (no último fim-de-semana somente).

Mais informação, aqui.

18 de outubro de 2017

A teia da Ilustração 1: Leonor Riscado

Temos o prazer e a honra de anunciar a primeira palestra, de 3, integradas na Bienal de Ilustração de Guimarães, terá lugar esta Sábado, dia 21, em Guimarães, pelas 15h no Centro Internacional das Artes José de Guimarães. 

Tendo-nos sido estendido o convite a idealizá-las e coordená-las, esta primeira sessão contará com a presença e a comunicação da Professora Leonor Riscado, que muito tem feito por uma discussão séria e integrada da imagem não enquanto mero elemento "decorativo" dos programas narrativos, literários, pedagógicos, etc. de projectos textuais, mas sim como uma faceta importantíssima na construção da compreensão e interpretação do mundo. 

Esperamos ver-vos. Ficam aqui os agradecimentos à organização da BIG assim como à convidada.

5 de outubro de 2017

Hanuram, A fúria. Ricardo Venâncio (G. Floy/ComicHeart)

Este é o primeiro projecto de monografia apresentado pela parceria da G. Floy e a ComicHeart, depois do primeiro volume do antológico The Lisbon Studio Series, pretendendo uma oferta de banda desenhada contemporânea portuguesa que possa apelar a um largo público interessado em abordagens mais populares, imediatas, narrativamente clássicas e claras. Materialmente falando, trata-se de um objecto de luxo, com todos os pormenores de um álbum, num formato que remete para os “prestígio” ou “deluxe” do mercado norte-americano, e apresentando um número de páginas suficiente para satisfazer a leitura, ainda que crie mais apetite do que o sacie, imaginando-se (ou sabendo mesmo) haver possíveis desenvolvimentos. (Mais)

22 de setembro de 2017

The Lisbon Studio = Filhos do Manguito


Ficam todos os leitores convidados a estarem presentes na vernissage da exposição Filhos do Manguito, uma acção do The Lisbon Studio, na próxima Sexta-Feira, dia 29 de Setembro, pelas 19h00, no Museu Bordalo Pinheiro, ao Campo Grande, Lisboa.

Trata-se de uma mostra em que os artistas residentes desse estúdio prestam homenagem ao Pai-de-Todos Bordallo, com versões contemporâneas do Zé Povinho, novos trabalhos de cartoons políticos acesos à hora, e respostas gráficas aos tantos gestos desse grande autor, sobretudo aquele gesto mais resistente que se cumpre com os braços cruzados.

Será lançado igualmente o livro-companheiro deste projecto, com a presença dos artistas.

Vinde, compradres!

21 de setembro de 2017

Desenhar em cima da conserva. AAVV (Arranha-Céus)


Este pequeno livrinho, oblongo e fino, nasceu de um projecto que envolveu os artistas e a Conserveira de Lisboa, numa lógica de exposição/decoração temporária da fachada do seu estabelecimento. Isso daria origem a uma colaboração directa entre os autores para que fabricassem uma narrativa curiosa nos seus contornos estruturais. Este é o resultado.

20 de setembro de 2017

Mutations. João Fazenda (auto-edição)

Depois de Trama e Songs (e outras produções anteriores), João Fazenda retorna a esta espécie de balanço ou caderno de apontamentos anual com uma pequena colecção de desenhos. Faz todo o sentido que um desenhador da craveira de Fazenda procure, para além dos trabalhos mais articulados com propósitos específicos, projectos que nascem tão-somente de uma vontade de desenhar, unindo-o a grandes nomes do desenho em si, como Stuart de Carvalhais, Saul Steinberg, Paul Hogarth ou Topor, entre tantos outros, e os maravilhosos opúsculos, livros, livrinhos, tomos, colecções que deixaram para trás. E que não pareça uma hipérbole tamanha comparação, pois é com efeito o prazer e a verve do próprio desenho, da pesquisa e do encontro que dele nasce, que Mutations dá conta. (Mais)

19 de setembro de 2017

Onírico. Fabio Q (auto-edição)

Este pequeno fascículo de uma vintena de páginas pode ser lido como se se tratasse de um breve opúsculo de poesia. Tão-somente essa poesia emerge não apenas nas frases escritas à mão em curtíssimos parágrafos a cada página, mas na sua integração com as composições gráficas que carregam. Há uma voz na primeira pessoa, mas que se expressa por verbos conjugados, elidindo os traços de um pronome assertivo. As frases descrevem uma casa, as suas divisões, os espaços atravessados, as imagens revelam pequenos objectos que lhe pertencem: uma porta, uma chave, uma cadeira, alguns objectos naturais como troncos de árvore e montanhas, e peças de xadrez, que emerge como uma metáfora secundária desta travessia. (Mais)

Colaboração com Mattia Denisse. Marginália da Mesa J de "Duplo Vê".

Não deixando de ser uma extensão do trabalho tentado neste espaço, o nosso contributo para as "marginália" do projecto artístico de Mattia Denisse, Duplo Vê, que muito rapidamente se poderá descrever como uma instalação/espaço de várias linhas narrativas criadas por séries de desenhos, que se cruzam e contaminam mutuamente, está disponível no site do artista. Já havendo discutido alguns projectos de Denisse no passado, tendo sido o último o Compêndio de geometria clitoridiana, existem aqui toda uma série de elementos tipificados de uma exponenciação, com efeito, geométrica, da "narrativa gráfica". A sua "leitura" exige uma dedicação aturada, e por vezes uma compreensão precisa de assuntos que nos escapam, é certo, mas há nele intensidades que nos asseguram estar ali presente uma noção que perseguimos noutros objectos.

Poderão consultar directamente aqui.

8 de setembro de 2017

Colaboração no du9: Le collectionneur de Briques. Pedro Burgos

Foi hoje publicado no site du9.org a nossa resenha crítica a Le collectionneur de briques, de Pedro Burgos, pequena novela que estende, tematiza e narrativiza de uma forma mais convencional muita da matéria que havia explorado em Crónicas da Arquitectura. Este livro foi publicado em língua francesa e, até ao momento, não se adivinha edição portuguesa. 

Existindo uma oferta cada vez mais intensa de banda desenhada contemporânea de autores portugueses que se expressam em abordagens mais genéricas, convencionais e de grande público, o que é um passo importantíssimo em termos de circulação e diálogo, é importante não perder de vista, todavia, a possibilidade de dar continuidade a vozes cuja maturidade se vira para dimensões políticas e sociais que raramente são exploradas nesta linguagem. Afinal de contas, podemos ler O coleccionador de tijolos também como um retrato da sociedade portuguesa durante os anos da crise financeira, cujas repercussões se fizeram sentir em aspectos bem mais profundos do que se poderia imaginar à partida. O livro é, assim, apesar da sua superfície narrativa, uma espécie de mapa concentrado dos traumas das transformações operadas na cidade. E, dessa forma, Burgos entra em diálogo com uma tendência nestes discursos, assegurados por autores como Marco Mendes, Nuno Sousa, Pepedelrey, Joana Figueiredo e uns poucos outros.

O texto da crítica, em francês, encontra-se aqui, existindo uma versão inglesa, disponível no Yellow Fast & Crumble.

Nota final: agradecimentos ao autor, pela oferta do livro, e a Benoît Crucifix, pela tradução francesa. 

23 de agosto de 2017

Bruxas/Wytches. Scott Snyder e Jock (G. Floy)

A ideia de que toda uma sociedade sacrifique parte da sua felicidade momentânea e sempre imperfeita em nome de uma fortuna consequente, e por isso sempre “melhor”, não é de todo nova. Ainda que o famoso conto de Shirley Jackson, “The Lottery”, de 1946, se centre mais na ideia do bode expiatório, conta-se aí igualmente na ideia do preço, que se encontra no coração deste livro. Mas o bode expiatório convidaria à ideia de um pecado original e de uma forma de o expiar. Em Bruxas, explora-se antes a entrega total a um crime em nome de um ganho egoísta.

Como todo e qualquer bom projecto, e que permita com efeito leituras múltiplas a partir dos seus elementos (não basta dizer, contra a ideia popular, que qualquer obra de arte tem sentidos múltiplos, é preciso identificá-los e explicá-los), Bruxas pode ser lido, em vez de uma simples e empolgante novela em torno de uma família e o seu confronto com criaturas primais, como um livro sobre desejos, promessas e a capacidade dos seres humanos viverem com as suas fantasias mais negras. Mas também coloca o amor filial, a paternidade, a superação de obstáculos pessoais, na linha da frente. (Mais)

21 de agosto de 2017

Platinum End; vols 01 e 02. Tsugumi Ohba e Takeshi Obata (Devir)


De certa forma, podemos ler Platinum End como uma espécie de reverso de Death Note. Uma vez que um certo grau de maniqueísmo é uma assinatura dos autores, não nos admira que aqui haja uma transformação para o pólo “contrário” à famosa saga anterior. Em vez dos demónios ou deuses da morte, temos agora hierarquias de anjos em torno de (um) deus. Em vez da feiúra dos primeiros, temos a beleza etérea dos segundos (e que devem algo da sua forma física às personagens fantásticas do Cremaster de Matthew Barney). O seguimento mais ou menos próximo de vários sistemas de angeologia são muito secundários, tirando algumas referências básicas, já que a própria “moralidade” destas criaturas é tão matizada ou até indiferente como o era nos shinigami de Death Note: não são “más” nem “boas”, simplesmente têm papéis e tarefas a cumprir. E em vez de um jovem (Light Yagami) que ganha um artefacto de poderes sobrenaturais (um caderno escolar) interessado numa ideia de justiça que passa pela sua decisão pessoal em matar outras pessoas – ou seja, uma acção moralmente repreensível de acordo com os melhores princípios societais –, sublinhando um ego que vai crescendo, no caso de Platinum End seguimos outro jovem (Mirai Kakehashi) que ganha um artefacto de poderes sobrenaturais (as “asas” e as “espadas”), por ter sido seleccionado, mas que prefere a inacção do que interferir na vontade pessoal dos outros, mesmo que isso lhe custe a sua própria “vitória”. (Mais) 

18 de agosto de 2017

Monstress. Marjorie Liu e Sana Takeda (Saída de Emergência)

Monstress é uma bateria ou amálgama de géneros que, não tendo, possivelmente, um elemento propriamente original, produz uma combinação equilibrada e curiosa. Steampunk, fantasia épica e negra, histórias de monstros, Bildungsroman, ficção científica, ficção feminista, são os tijolos que montam a sua estrutura, sendo a argamassa uma pesquisa sobre a individualidade perante a cruel e abjecta injustiça da escravatura e do racismo provocadas pela guerra. Mas ao mesmo tempo espraia-se uma história centrada na senda de uma protagonista em torno de respostas sobre a sua família, que poderá ter consequências para o seu mundo em geral. (Mais)

17 de agosto de 2017

A casa. Paco Roca (Levoir)

Graças aos esforços da Levoir, a entrada de vários títulos da banda desenhada espanhola contemporânea no mercado português é uma realidade. Ainda que não haja, aparentemente, uma política concertada e ritmada dessa mesma entrada, a colecção das Novelas Gráficas, que vai na sua terceira fornada (à qual voltaremos), e volumes soltos, como é este caso, assegura essa oferta (corroborada, pelo menos, pela Arte de Autor; mais, o mesmo se poderia dizer da banda desenhada brasileira, pelas mãos da Polvo, por exemplo, e de nenhuma outra editora, maior ou menor que estas). Seria, mais uma vez, discutível qual o espectro dessa mesma oferta dada a pluralidade de produção do nosso país vizinho, que neste caso não se pode chamar irmão dado o largo desconhecimento do público geral do que tem surgido em Espanha (e nem encetaremos a relação contrária), mas estamos em crer que o foco da Levoir é, em si mesmo, coerente: autores interessados em discursos contemporâneos, autorais, muits vezes de narrativas pessoais e quotidianas, e menos interessados em géneros clássicos ou mesmo espectaculares, e atreitos a formas narrativas convencionais e acessíveis a um público alargado, não necessariamente fãs de “bd de género”, mas de toda uma sorte de literatura (o que incluirá outras formas mediáticas). (Mais)

14 de agosto de 2017

Miracleman. A Idade de Ouro. Neil Gaiman e Mark Buckingham (G. Floy)

Antes de mais, queríamos esclarecer a declaração de intenções, uma vez que, tendo sido os tradutores deste volume, somos parte interessada no projecto.

Dito isto, e na continuidade de alguns projectos da editora, que nos tem disponibilizado alguns dos melhores títulos do mainstream norte-americano contemporâneo (Saga, Fatale, Southern Bastards), e depois de uma edição com todo o run de Alan Moore (a que corresponderiam 3 livros), eis que se publica um volume com todo [v. comentários] o material criado e publicado na época por Neil Gaiman e Mark Buckingham, herdeiros imediatos do anterior autor, e seus múltiplos colaboradores artísticos. Como é consabido, o Miracleman, nas mãos de Moore et al., transformar-se-ia no principal cadinho e laboratório de cruzamentos de muitas das noções daquele autor britânico que tanto seriam influentes no seu próprio trabalho no território dos super-heróis como depois em todo este género, e a que se viria a dar muitos nomes, desde “desconstrutivismo”, a “pós-moderno”, até mesmo “maturidade” ou “revisionismo”. Não é que algum desses termos esteja errado, mas tampouco serão completos. Seja como for, é inegável que se encontrariam aí muitos dos elementos que depois se tornariam inevitáveis na esmagadora maioria da produção deste género. (Mais)

2 de agosto de 2017

Punk Comix/Corta-e-Cola. Marcos Farrajota/Afonso Cortez (Chili Com Carne/Thisco)


Parafraseando Frank Zappa a propósito do jazz, o “punk não está morto, mas já cheira um bocado mal”. Ou talvez não. Este projecto já estaria anunciado há algum tempo, com alguns sinais aqui e ali, por blogs, conversas e encontros de cariz de vária natureza, do mais académico ao mais descontraído, e com associações metastásicas por linhas paralelas que apenas o tempo dirá se se complementam, se se opõem ou simplesmente se atropelam. Seja como for, os esforços gémeos de Marcos Farrajota e de Afonso Cortez encontram aqui um caminho que se sustenta mutuamente num split-book, em que o primeiro ausculta as relações da noção cultural do “punk” com a banda desenhada em Portugal, e o segundo faz uma história variada do movimento musical entre nós, nos vinte anos que distam de 1978 a 1998. Por razões que têm a ver com a nossa própria especialidade e conhecimentos, falaremos apenas da “metade” de Farrajota, estando em crer que o livro de Cortez esteja na excelente linha de produções a que a editora tem presidido com o conjunto de ensaios sócio-culturais em torno de fenómenos musicais de Rui Eduardo Paes. (Aborrece-nos apenas recordar que o único vinil que tínhamos desta colheita, e que aparece citado, foi quebrado contra o chão por razões sem qualquer importância...) (Mais)

27 de julho de 2017

O Homem que passeia. Jiro Taniguchi (Devir)

Em boa-hora é relançado este título junto ao público português, numa nova tradução (e novo título), e num formato melhorado, ou pelo menos, individualizado, do que a anterior edição da própria Devir através da colecção Série Ouro com distribuição do Correio da Manhã, há mais de dez anos. Todavia, precisamente por termos feito uma leitura, que esperamos ainda pertinente, da mesma obra então, a esse texto remetemos, deixando aqui considerações de outra natureza. 

O objecto é em si tem outras diferenças substanciais. Materialmente falando, tem uma capa mais atraente e que se prevê ser um projecto gráfico sustentado na nova colecção de mangá da editora, com trabalhos de maior maturidade e para um público mais generalista. Poder-se-ia ter imaginado numa encadernação mais robusta, próxima da colecção Écritures, da Casterman (com a qual partilha o mesmíssimo formato), mas haverá razões substanciais para esta opção. Em termos de conteúdo, porém, a escolha da Devir é bastante feliz. Em primeiro lugar, não temos aqui uma edição que reconstitua as páginas numa ordem de leitura ocidental e em que cada vinheta se mantém idêntica mas numa posição relativa da prancha invertida, e muito menos as antigas edições “flipped”, em que pura e simplesmente se apresentava uma inversão de toda a prancha. É uma edição tal qual a original japonesa, permitindo esta magia visual tão própria da banda desenhada e passível de ser desfrutada pelos leitores não-japoneses (de resto, prática da casa). (Mais)

24 de julho de 2017

Adeus & Hello.


A partir de hoje, o Lerbd não continuará a sua actividade nos mesmos moldes. Neste espaço, escreveremos quase exclusivamente sobre material que seja publicado em língua portuguesa, nacional, brasileira ou traduzida, de banda desenhada e ilustração, ou outros assuntos que tenham lugar entre nós. Mas a esmagadora maioria das publicações estrangeiras a que vamos tendo acesso, inclusive ensaística e académica, será canalizada para as várias plataformas com as quais colaboramos ou para o novo blog em língua inglesa, que aqui anunciamos. O mesmo ritmo manter-se-á, possivelmente, mas repartido em vários locais.
Mais uma vez agradeço aos leitores pacientes e interessados.
O Yellow Fast & Crumble está já disponível.

Veículo. D. W. Ribatski (Roax Press)


Este pequeno pró-zine de Ribatski não é seguramente um livro que coloque o nome do autor num espaço de grande visibilidade junto a um público mais alargado e convencional, por três razões imediatas: porque o autor tem outros projectos que asseguram essa posição, por este ser um objecto de menor circulação (uma publicação de 24 páginas, um panfleto) e pela sua matéria ser controversa, no seu sentido etimológico: isto é, a de ir numa”direcção contrária” àquela que é habitual.

Aparentemente, a narrativa parece focar num episódio algo estranho na vida banal de um empregado de escritório. Tímido, solitário e trivial na sua vida diária, Jonas vê a sua vida subitamente invadida por uma mulher que não conhece, a qual se posta no seu apartamento, nua, e que de certa forma se predispõe a que ele beba dos seus seios um líquido que jorra sem cessar, o qual ele compara com mel. Não há cenas de relações sexuais, mas de nudez, mímica de mamar como uma criança, e conflitos com outras personagens causadas pela confissão de Jonas desta situação. Todas as perguntas que adviriam deste “mistério” são, no fundo, goradas. (Mais)

11 de julho de 2017

Paiment accepté. Ugo Bienvenu (Denoël Graphic)

“Escolher e isolar constituintes do real, de lhes dar, através de uma estrutura, um sentido, um novo dia.” Esta é umas “confissões de arte” do realizador Bernet, o modo como ele explicita a sua função e visão dos filmes que faz e quer ainda fazer. Independentemente do género, da inscrição temporal, das circunstancialidades de produção do filme, o cerne está, portanto, nestes “constituintes do real”. Paiment accepté é uma espécie de ensaio sobre que elementos se preservam mesmo no meio da perda de controle de todos os meios de produção. (Mais)

10 de julho de 2017

Clube Mediterrâneo. J. P. Mésseder, A. Biscaia., J. Monteiro (Editora dos Tipos/Xerefé)

Imaginemos. Daqui a quarenta, cinquenta anos, olharemos para trás e assinalar-se-á o “Dia do Holocausto do Mediterrâneo”. Talvez a palavra seja outra, uma vez que se pretendem exclusividades mesmo na hora do sofrimento, da morte e da barbárie humana, lançando a ideia de escândalo pela comparação, excusando-se o mesmo peso de responsabilidades e invertendo os factores de vitimização. Far-se-ão monumentos, documentários, filmes ficcionados, obras de literatura, palestras, discussões, sobre uma das maiores catástrofes (esperemos) do início do século XXI, já que também temos direito aos nossos próprios horrores. E então fantasiaremos... “Se tivesse vivido na altura....”, “Se pudesse, tinha feito...”, “Como é que não se agiu a tempo?”. E sentir-nos-emos melhor, e continuaremos as nossas vidas. (Mais) 

7 de julho de 2017

Coisas de adornar paredes. José Aguiar (Polvo)

Este livro segue uma estrutura clássica de hipodiegese, isto é, de existirem histórias dentro de uma outra história, de maneira que tanto poderíamos encarar Coisas de adornar paredes como a colecção dos oito breves contos que ocupam a parte de leão do volume, e procuremos entender como é que se coordenam tematicamente entre si, como antes compreender o esforço de Chico, protagonista na narrativa enquadradora, em os construir, e ver cada um deles como expressão e peça do pretende reflectir sobre ele mesmo. Uma vez que surge a oportunidade de ver uma discussão metatextual sobre os “contos” pelas personagens, o seu autor, Chico, e seus interlocutores, Ana e Caio, os sentidos previstos ou potenciais dos primeiros acabam por ser tornar tão explícitos como ambíguos no nível superior. (Mais)

3 de julho de 2017

4 títulos Sociorama. AAVV (Casterman)

A propósito de Chantier Interdit auPublic, explicámos o contexto de produção e publicação dos títulos desta colecção, Sociorama, que, dizendo-o de modo simplista, são adaptações de trabalhos de cariz académico na disciplina da sociologia. Daí que se compreenda que as capas revelem não somente o nome dos autores artísticos que lavraram estas bandas desenhadas, mas igualmente o dos investigadores, de forma a que se sublinhe a precisão e instrumentos dessa pesquisa original. Alguns desses trabalhos foram já publicados em volume, outros existem ainda sob a forma de teses universitárias. Seja como for, são resultado da instrumentação teórica, prática e desenvolvida no campo, em ambos os sentidos, disciplinar e de contacto com o terreno, desse saber das ciências humanas, que, de uma maneira ou outra, reflecte uma verdade de experiência das pessoas com quem contacta. Sendo os objectivos gerais da sociologia a compreensão do indivíduo e dos grupos que possa completar inseridos na tessitura social e externa, não se trata tão-somente de entrevistas a esses mesmos indivíduos, mas à criação de toda uma contextualização global que tanto integra como destaca a experiência que se está focando. (Mais)

1 de julho de 2017

Curso de banda desenhada na Nextart.

Serve o presente post, tal como ocorreu no ano passado, para indicar que estão abertas as inscrições para os cursos de Verão na Nextart, entre os quais se encontra um curso breve de introdução à linguagem, estruturas e criação de banda desenhada, ministrado por este vosso criado. A primeira fornada ainda tem algumas vagas.

Caso estejam interessados, as portas estão abertas. Ou passem palavra.  

Mais informações directas aqui.
Nota: imagem de Hugo Maciel (estudos para projecto em curso).

Vies de Marko Turunen. Marko Turunen, com Tea Tauriainen (Frémok)

Por várias ocasiões, falámos aqui dos territórios movediços e ambivalentes da autobiografia, a auto-ficção, a auto-fantasia, e outros descritivos que tanto assinalam como ofuscam o acto de recontar a sua própria vida sob uma forma qualquer artística, seja a literária, a cinematográfica, a teatral, as das artes visuais ou a da banda desenhada. Cada acto, na verdade, tem sempre os seus próprios contornos, pequenas redistribuições dos elementos expectáveis ou familiares, cada gesto as suas próprias contribuições únicas e aproveitamentos de semelhanças com outros textos. E, assim, ao pensarmos em constelações variadas que abarquem Miné Okubo, Justin Green, Aline Kominsky, Guido Buzzelli, David B., Emmanuel Guibert e as suas fontes, Ana Cortesão, Marco Mendes, Francisco Sousa Lobo, vamos encontrando uma mancha tão informe quanto expansiva quanto ainda complexa e numa mutação constante. Que pensar do último projecto do autor finlandês Marko Turunen? (Mais)

28 de junho de 2017

Colaborações: histórias curtas em antologias

Serve este post para indicar algo que já circula há algum tempo no mercado nacional, e que foi anunciado quando da sua publicação, por outras plataformas. Tratam-de duas antologias na qual colaboramos como argumentistas, não fazendo sentido, portanto, fazermos um alargado juízo de valor sobre os mesmos projectos. Tratando-se de dois projectos bem distintos em termos de humor, propósito e natureza, isso revela-se na própria qualidade das histórias propostas por nós.

Crónicas da Comic Con trata-se de uma antologia coordenada por Bruno Caetano para a Zero a Oito, e cujo fito era um diálogo entre alguns criadores de banda desenhada com o famoso certame que tem tido lugar em Leça da Palmeira, para celebrar todo um sector da cultura popular. Nesse volume, participamos com duas histórias, "Dia da Caça", uma peça cómica com Marta Teives em torno de algumas das possíveis ideias do multiverso e variações de personagens famosos, e "Um para todos, tudo para um", com Nuno Rodrigues, um everything-bender dessas mesmas culturas mas procurando celebrar esses divertimentos de uma forma simples. Estamos numa companhia variada e não obstante a leveza do projecto, há competências asseguradas nas peças dos vários autores.

Dando início ao que se espera adivinhar como uma série de volumes de histórias curtas dos autores do The Lisbon Studio, e de certa forma dando continuidade a uma relação pessoal com esse colectivo mas mais particularmente com a artista Marta Teives, participámos com uma curta intitulada "O rasto do fantasma", que surge como uma mescla entre história de um quotidiano realista e alguns contornos onírico-poéticos. TLS Series: Cidades apresentar-se-á como uma colectânea de peças subsumida a um tema, e procurámos sublinhar essa palavra através da flânerie, as palavras e o amor.  A companhia é significativa, se bem que muito diversa igualmente.

Ficam os agradecimentos aos artistas que aceitaram o desafio ou que estenderam esse desafio, assim como aos editores respectivos.

24 de junho de 2017

Aventuras na Ilha do Tesouro. Pedro Cobiaco (Kingpin)

Mais do que uma convergência, ou acumulação de referências, este livro maior de Pedro Cobiaco assinala uma possibilidade de cruzamentos frutíferos entre o que pareceria, até há uns anos, linhas de desenvolvimento temático, formas de pesquisa formal e conteúdos emotivos e conceptuais distintos, ou até mesmo incompatíveis. Mas uma das qualidades da contemporaneidade tem precisamente a ver com uma ultrapassagem de fronteiras que, até esse momento, pareciam seguras, sólidas e bem delineadas. Após a sua travessia, notam-se como sendo tão naturais, tão necessárias na obra, que o seu questionamento se dissipa de imediato na sua leitura. (Mais)

20 de junho de 2017

O convidador de pirilampos. Ondjaki e António Jorge Gonçalves (Caminho)

Na física existe um fenómeno relativo às frequências de ondas da luz, em função da velocidade relativa existente entre a fonte dessa mesma luz e o observador. Bem mais complexo do que o nosso uso metafórico poderá atingir, digamos apenas que existem os “desvios para o vermelho” e “desvios para o azul”, assinalando este último o caso em que a fonte dessa luz se vem aproximando do espectador. Por outras palavras, o vermelho seria sinal de expansão, ao passo que o azul de contracção. Muito possivelmente, esta descrição e uso metafórico não tem qualquer préstimo na leitura de O convidador de pirilampos, mas não podemos deixar de sentir que a família cromática que alimenta o “fundo” (já lá iremos) das imagens convida-nos a irmos além de interpretações de representação superficial (cenas nocturnas) para chegar a um gesto de convite, previsto no próprio título. Tendo deixado uma nota brevíssima sobre este volume anteriormente, voltamos aqui com uma leitura mais dirigida. (Mais) 

18 de junho de 2017

Nimona. Noelle Stevenson (Saída de Emergência)

Nimona é uma personagem intempestiva, irreflectida, violenta, inconsequente, com um sentido de humor duvidoso, e de oportunidade enxovalhado, enfim, um péssimo “modelo de comportamento moral” para qualquer criança ou adolescente. As mortes, destruição, uma certa paixão pelo caos, as suas alianças pouco saudáveis, causadas pela protagonista, tornam-na com efeito um péssimo exemplo se se pretender instigar nos jovens leitores um manual de comportamento e de civilidade. Mas esse não é, felizmente, o fito de Nimona. (Mais)

12 de junho de 2017

Nagual. Diniz Conefrey (Quarto de Jade)

Com O livro dos dias, e desdobrando-se numa série de exposições, palestras, workshops, e outros gestos, sabíamos que o diálogo, senão mesmo entrega, de Diniz Conefrey à cultura ameríndia era de uma intimidade absoluta. Não se trata tão-somente de um “fascínio”, que já antes descrevêramos como um prazer que advém da ignorância, mas um saber que bebe de uma incessante pesquisa, inquirição e respeito. E tampouco se trata, nunca!, de um mero aproveitamento superficial que seria transformado em “tema recorrente” ou “assunto”, que depois se exploraria de várias maneiras. Trata-se de facto de um entrosamento e diálogo com aquela cultura para que se opere uma transformação da matéria visual-textual do autor num hausto novo, e seu, que se expressa de modos diferentes conforme o projecto. Nagual é um conjunto de histórias curtas que se apresenta então como novo ciclo dessa respiração. (Mais) 

10 de junho de 2017

The Comics Alternative: Entrevista a Christopher Pizzino.

Na produção assombrosa de Estudos de Banda Desenhada, ou de volumes académicos que a abarcam de forma séria, consequente e integrada em diálogos mais alargados, não apenas é agora difícil seguir tudo (mesmo que saibamos a língua, mesmo que haja acesso editorial, etc. o que nem sempre é verdade, criando imnsos blocos de pontos cegos), como ainda mais impossível ler os livros com atenção, compreender de imediato o seu impacto ou (palavra horrenda) "utilidade". Em breve, esperamos, faremos precisamente um exercício de leituras quase superficiais e céleres de uma pilha de volumes dessa produção.

Mas por agora, fiquemos por um volume no qual não apenas operámos, ou assim o esperamos, uma leitura atenta, como tivemos o privilégio de conversas alargadamente com o seu autor, sublinhando alguns dos aspectos mais importantes do seu livro. Como dizemos na resenha crítica inicial no The Comics Alternative, não temos dúvida de que o argumento central de Pizzino neste livro tornar-se-á um pilar dos estudos futuros. basicamente tem a ver com o alerta e um despertar aos discursos que se tecem em torno da banda desenhada, mormente norte-americana, que constrói uma ideia de "maturidade" conquistada ao longo dos últimos anos. Nessa história simplificada ("antes as bds eram simples e infantilóides, hoje são para adultos", numa caricatura bruta), acabam por se criar outros perigos de recepção social, desde a ideia, absolutamente errónea, de distinguir "os romances gráficos" do "resto" da banda desenhada, e, claro, a criação de hierarquias de juízos de valor entre material que parecerá "digno" de atenção crítica e académica e disciplinar, e todo um fundo "negligenciável". É um peso valorativo que incorre com menos precisão noutras áreas criativas e inflecte um estatuto diminuído a esta arte em particular.

Poderão aceder ao artigo introdutório e à entrevista aqui.

9 de junho de 2017

O rei macaco. Silverio Pisu e Milo Manara (Arte de Autor)

Adaptação. Versão. Devaneio. Fantasia. Comentário. Alegoria. Todas e quaisquer destas palavras serviria para presidir a uma descrição deste volume, ou talvez melhor uma mistura entre elas, procurando as linhas de força conceptuais de cada uma, operando sobre alguns dos elementos que a compõe. Uma obra primitiva do famoso Manara a caminho da sua primeira maturidade, numa colaboração com Silverio Pisu, autor de experiências variadas e que se exprimem neste livro. O título original é Lo scimmiotto, literalmente “macaquinho”, que também era o título pelo qual o clássico chinês, atribuído a Wu Cheng-en, Viagem ao Ocidente, havia sido traduzido à época em Itália. Na verdade, já nos referimos a esta obra há uns anos, quando da leitura de uma versão feita por Terada Katsyua, e a ela remetemos para devolução de um breve contexto da obra. Até certo ponto, poder-se-ia dizer que este volume é uma adaptação desse escrito literário, já que as personagens, os episódios, as expressões e apodos, os contornos fantásticos, se repetem a par e passo conforme a primeira parte da obra chinesa. Mas a adaptação de Pisu e Manara não apenas se mantém na primeira parte, até ao castigo de Buda que aprisiona o Rei Macaco sobre uma nova rocha (recordemos que ele nasceu de uma pedra, havendo portanto um pequeno ciclo de regresso à origem neste episódio), como transforma toda a novela dessa figura numa plataforma para a criação de uma alegoria política. (Mais) 

8 de junho de 2017

Klaus. Felipe Nunes (Polvo)

Este livro foi celebrado devido à idade do autor quando da sua publicação (19 anos) e, claro, alguns dos prémios ou atenções angariadas por esta sua conquista de elaborar uma narrativa coesa, concentrada, de mais de 100 páginas. Considerá-lo um “romance”, gráfico ou não, parece-nos ser algo hiperbolizado, devido à sua estrutura narrativa e à organização actancial das suas personagens e eventos. Nem sequer poderia ser descrito como novela, do ponto de vista literário, sendo antes um conto, o que não retira de forma alguma os contornos do que consegue cumprir nas suas pranchas. (Mais) 

6 de junho de 2017

Colaboração no The Comics Alternative: Fun, de Paolo Bacilieri

Uma das frases muitas vezes repetidas em blurbs, comentários, conversas de café, mas muitas vezes arvorada igualmente enquanto opinião pública, quase se quer hiperbolizar uma determinada leitura é, "este é um dos melhores livros que já li", ou variações. Mas essa construção não se poderia jamais disfarçar de crítica propriamente dita se não fosse acompanhada de, em primeiro lugar, um verdadeiro contexto de leitura (qual é a paisagem de leitura em questão, qual a circunstância do encontro, contra que outros exemplos se criaria essa hierarquia, etc.?) e, em segundo lugar, da argumentação necessária para sustentar tal afirmação.

O lerbd, estamos em crer, é um espaço suficientemente amplo e presente para providenciar um contexto de leitura, ainda que atreito a livros relativamente recentes, mas que criam um panorama, esperamos nós, o mais alargado possível no que diz respeito à banda desenhada (e além dela) em termos de agentes de produção. E acreditando na necessária variedade das leituras que não permite comparações directas entre livros bem distintos, de instrumentos "contrários", estilos paradoxais e propósitos divergentes, ainda assim forma-se sempre uma "massa" da qual emergem, de quando em vez, intensidades de prazer distintas. Ora, o livro Fun, do autor italiano Paolo Bacilieri, traduzido recentemente para a língua inglesa, é um desses projectos que cria uma espécie de "inveja da criação". E são todos os seus elementos constitutivos que o tornam digno da atenção de um público alargado. Deixamos algumas notas aqui.

5 de junho de 2017

Cemitério dos Sonhos. Miguel Peres et al. (Bicho Carpinteiro)

Se tivéssemos acesso directo ao mundo interior das nossas vidas, que escolhas faríamos? Se pudéssemos manipular os sonhos, corrigi-los, que cursos estabeleceríamos? Se pudéssemos apagar fantasmas, interrogar os mortos, recuperar memórias, esclarecer dúvidas e esquecimentos, reforçar a recordação de modo a que meras impressões fugazes ganhassem corpo de certezas, a que tipo de aventuras nos entregaríamos nesses territórios? Todas essas perguntas são puras especulações, impossibilidades não apenas pela matéria da realidade, da tangibilidade científica, mas até das próprias condições de possibilidade de ser humano. Nada obsta, todavia, a que através da fantasia não possamos explorar tais possibilidades. Cemitério dos Sonhos é uma viagem a essa possibilidade. (Mais) 

3 de junho de 2017

Lugar maldito. André Oliveira e João Sequeira (Polvo)

Existem toda uma série de fenómenos, ditos “entópticos”, em que parecemos ver algo pelo canto do olho mas, ao virarmo-nos, não vemos nada: serão apenas impressões que não compreendemos, serão sombras que não mapeamos, ou serão fantasmas que habitam os nossos espaços e nos rodeiam? Independentemente do território que a ciência pode iluminar, a impressão duradoura dessas mesmas sombras é quase indelével no tecido da cultura. Não cremos em bruxas, mas que as há... Lugar Maldito é um livro que revela a mais profunda verdade, e corrige aquela frase conhecida (ainda que mal citada) de Jean-Paul Sartre: não, o Inferno não são os outros. Somos nós. (Mais) 

30 de maio de 2017

Jardim de Inverno. Renaud Dillies e Grazia La Padula (Kingpin)

Não deixa de ser “natural” que a Kingpin tenha encontrado neste projecto a continuação de uma linha editorial que procura expandir. Não havendo dúvida de que o critério eleitor nessa integração tenha sido a prestação gráfica da autora italiana, acreditamos que terá a ver com certas afinidades estilísticas com Tony Sandoval, cujo recente Nocturno também foi publicado há recente pela mesma casa, e cuja colaboração também trouxe a lume Les echos invisibles (que imaginamos ser desejado pela editora). O que une La Padula e Sandoval é múltiplo: uma linha de contorno semi-livre e gestual, uma figuração entre o anatómico e o cute-grotesco dos cabeçudos do século XVIII, que já havíamos debatido a propósito de Phoenix, e uma aplicação de cores suaves mas exactas. La Padula, todavia, parece herdar outras características ligeiramente diferentes. Ainda que haja igualmente uma preocupação pelo acrescentar de pormenores nos cenários cheios, parece-nos ser mais devedora de um Nicolas de Crécy, ainda que sem atingir a mesma intensidade, verve e alucinação. Mas os cenários urbanos, abertos, imensos, distorcidos de acordo com boas práticas visuais, fazem-nos lembrar as vinhetas cheias de Le Bibendum celeste ou Journal d’un fantôme. É possível que tal comparação seja desequilibrada, em detrimento para com Padula, mas há um mesmo esforço, desejo e prestação. (Mais)

24 de maio de 2017

Colaboração no The Comics Alternative: entrevista a Maaheen Ahmed.

Por ocasião da leitura de Openness of Comics. Generating Meaning within Flexible Structures, entrevistámos a sua autora, Maaheen Ahmed, para o site The Comics Alternative. A introdução contém algumas ideias breves em torno do volume, e seremos breves aqui na sua descrição.

Em termos conceptuais, este livro vem trazer um contributo substancial, empregando a noção de "abertura" que havia sido delineada e teorizada por Umberto Eco, para a banda desenhada. Essa noção tem sofrido alguns abusos ao longo dos anos em certas abordagens que a empregam e aplicam, ou como o próprio Eco diria, escolhos da sobreinterpretação. Se nos for possível apresentar uma ideia simplificada, trata-se tão-somente do leque de interpretações possíveis, mas igualmente as suas limitações configuradoras, ofertados por um texto determinado graças a toda uma série de elementos presentes nesse próprio texto. Esses elementos apresentar-se-ão de uma forma "incompleta", exigindo uma participação activa da parte do leitor-espectador, o qual, completando o texto, colocá-lo-á numa forma mais finalizada no seu próprio acto individual de leitura (observação, experiência, interpretação, etc.). Não se trata, de forma alguma, de poder "interpretar o que se quer", num quase total abandono à total e infinita relatividade, que levaria a um esvaziamento da obra, na verdade, mas tampouco uma libertação da materialidade dessa mesma obra. 

Isso levará então à distinção entre alguns textos mais fechados, menos flexíveis, que não oferecem espaço para uma completação da parte do leitor, e outras mais abertas. Neste ponto, caberá a quem argumentar o tentar descobrir como é que esses elementos funcionariam para que se pudesse cumprir tal distinção. Ora, é precisamente esse o papel que Ahmed cumpre no seu livro, analisando um corpus impressionante de banda desenhada, sobretudo no que diz respeito à sua diversidade de origens geográficas, anos de produção, géneros, estilos e até mesmo campos culturais. Encontraremos alguns "clássicos" europeus, como A Balada do Mar Salgado e a obra de Tardi, mas igualmente trabalhos de alguns dos autores contemporâneos finlandeses, como Marko Turunen, e títulos do mainstream de super-heróis norte-americanos. Esta diversidade é relativamente inédita em livros académicos em língua inglesa, revelando Ahmed como não apenas uma leitora transversal (muitos o são) mas uma investigadora interessada mais na operacionalidade do conceito do que na estruturação social e estratificada da banda desenhada em termos de produção (uma das suas limitações enquanto discurso cultural, inclusive académico). 

O livro poderá, aqui e ali, sofrer de uma repetição de estratégias, uma vez que apesar da divisão de capítulos por género (aventura, ficção científica, noir, etc.), o argumentário regressa sempre ao mesmo ponto. Todavia, fica muito claro o que a autora pretende deixar nas mentes dos seus leitores, de forma a que estes possam, a partir daí, re-empregar esta noção. As leituras de Ahmed são, as mais das vezes, curtas, mas incisivas e iluminadoras, apenas diminuídas por pequenos deslizes factuais ou a ausência de um quadro mais sólido das referências do seu contexto específico (um preço a pagar pela economia de uma tão incrível variedade).

Poderão ler a entrevista aqui.