15 de novembro de 2017

Peek a Boo: A Masmorra dos Coalas. Psonha (Plot)

Na esteira de No caderno da Tangerina, este outro volume é também endereçado a um público jovem, se bem que no caso deste livro brasileiro, pretende-se chegar a um público ainda mais jovem, diríamos abaixo dos 10 anos de idade. Com esse fim, é natural que se abracem de forma mais aberta alguns princípios ou mesmo fórmulas que, tendo servido de base, são abandonadas por Rita Alfaiate na direcção de outras complexidades. No caso de Psonha, pelo contrário, há toda uma aceitação pela ideia de aventura linear, sem pejo nem demais, para demonstrar as dinâmicas relacionais entre as personagens que melhor comporão uma lição. (Mais) 

A intriga cria uma estrutura clássica. Temos uma menina, Mambay, que prefere viver no seu confortável mundo privado, através do telemóvel e da relação com a gata Cassandra, e uns pais que se esforçam por a manter interessada num mundo exterior, mas com estratégias alienantes. Ao acamparem no campo, abrem a possibilidade de entrar num mundo estranho, e o afastamento de Mambay – a “entrada na floresta” – espoleta a acção fantástica. Até aqui, há uma proximidade familiar com todo um rol de histórias clássicas, do Capuchinho Vermelho a Alice, até Sen to Chihiro...

A partir de então, sucedem-se episódios que poderão não ter propriamente uma consistência narrativa, mas simplesmente um efeito cumulativo: o encontro com um vampiro, cogumelos zombies devoradores, guerreiros coalas e um mineiro com uma raposa mágica... Existem alguns fios narrativos que não se resolvem, as alianças constroem-se de imediato, sem resistência, os combates resolvem-se sem complicações, etc. Contudo, mesmo podendo fazer-se esses reparos do ponto de vista da elegância “literária”, há algo de tão imediato e dinâmico na forma como a acção avança que o torna, realmente, num deleite e delírio infantil. Há como que uma espécie de entusiasmo e loucura de criar formas imaginativas, aparentemente perigosas mas inócuas, maravilhosas porque capazes de virem a ser apropriadas “para além” ou “fora” da própria história...

A autora tem uma noção claríssima de construção de personagens, a nível visual e de promessa narrativa. A própria Mambay, com o seu cabelo alaranjado e embolado, fará pensar numa abóbora, e integra-se na restante turma de uma maneira que estaria adequada na indústria da animação mainstream.Se esses não são factores que salvem uma narrativa algo frágil e demasiado simplista, contribui para aquele imaginário em roda livre de que falámos acima.


Até mesmo pela abordagem visual, feita com personagens altamente estilizadas e simplificadas, em contornos de finos filamentos negros, composições simples e alargadas, áreas de cor plana e cenários esboçados a linhas coloridas, quase diminuídos à sua basilar necessidade conotativa, criado com instrumentos digitais, e algo distintos de outros gestos da autora, por vezes mais texturados, expressivos e suaves, Peek a Boo faz recordar alguns projectos de animação, sobretudo aquela limitada dos anos 1980 em Inglaterra, baseados na obra do ilustrador David McKee (King Rollo, Mr. Benn), ou norte-americanas. É também compreensivo que o desenho de Psonha nos faça arrolá-la a toda uma tradição de ilustradores e/ou autores de banda desenhada infanto-juvenil, desde o Satanésio de Ruy Perotti às tendências contemporâneas associadas à animação que têm sido publicadas pela KaBoom, por exemplo.


Aventura célere, suficientemente espatafúrdia e divertida, e contribuindo para um imaginário livre. Alguns objectivos da banda desenhada infantil que são cumpridos.

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