Na esteira de No caderno da
Tangerina, este outro volume é também endereçado a um público
jovem, se bem que no caso deste livro brasileiro, pretende-se chegar
a um público ainda mais jovem, diríamos abaixo dos 10 anos de
idade. Com esse fim, é natural que se abracem de forma mais aberta
alguns princípios ou mesmo fórmulas que, tendo servido de base, são
abandonadas por Rita Alfaiate na direcção de outras complexidades.
No caso de Psonha, pelo contrário, há toda uma aceitação pela
ideia de aventura linear, sem pejo nem demais, para demonstrar as
dinâmicas relacionais entre as personagens que melhor comporão uma
lição. (Mais)
A intriga cria uma estrutura clássica.
Temos uma menina, Mambay, que prefere viver no seu confortável mundo
privado, através do telemóvel e da relação com a gata Cassandra,
e uns pais que se esforçam por a manter interessada num mundo
exterior, mas com estratégias alienantes. Ao acamparem no campo,
abrem a possibilidade de entrar num mundo estranho, e o afastamento
de Mambay – a “entrada na floresta” – espoleta a acção
fantástica. Até aqui, há uma proximidade familiar com todo um rol
de histórias clássicas, do Capuchinho Vermelho a Alice,
até Sen to Chihiro...
A partir de então, sucedem-se
episódios que poderão não ter propriamente uma consistência
narrativa, mas simplesmente um efeito cumulativo: o encontro com um
vampiro, cogumelos zombies devoradores, guerreiros coalas e um
mineiro com uma raposa mágica... Existem alguns fios narrativos que
não se resolvem, as alianças constroem-se de imediato, sem
resistência, os combates resolvem-se sem complicações, etc.
Contudo, mesmo podendo fazer-se esses reparos do ponto de vista da
elegância “literária”, há algo de tão imediato e dinâmico na
forma como a acção avança que o torna, realmente, num deleite e
delírio infantil. Há como que uma espécie de entusiasmo e loucura
de criar formas imaginativas, aparentemente perigosas mas inócuas,
maravilhosas porque capazes de virem a ser apropriadas “para além”
ou “fora” da própria história...
A autora tem uma noção claríssima de
construção de personagens, a nível visual e de promessa narrativa.
A própria Mambay, com o seu cabelo alaranjado e embolado, fará
pensar numa abóbora, e integra-se na restante turma de uma maneira
que estaria adequada na indústria da animação mainstream.Se
esses não são factores que salvem uma narrativa algo frágil e
demasiado simplista, contribui para aquele imaginário em roda livre
de que falámos acima.
Até mesmo pela abordagem visual, feita
com personagens altamente estilizadas e simplificadas, em contornos
de finos filamentos negros, composições simples e alargadas, áreas
de cor plana e cenários esboçados a linhas coloridas, quase
diminuídos à sua basilar necessidade conotativa, criado com
instrumentos digitais, e algo distintos de outros gestos da autora,
por vezes mais texturados, expressivos e suaves, Peek a Boo
faz recordar alguns projectos de animação, sobretudo aquela
limitada dos anos 1980 em Inglaterra, baseados na obra do ilustrador
David McKee (King Rollo, Mr. Benn), ou
norte-americanas. É também compreensivo que o desenho de Psonha nos
faça arrolá-la a toda uma tradição de ilustradores e/ou autores
de banda desenhada infanto-juvenil, desde o Satanésio de Ruy
Perotti às tendências contemporâneas associadas à animação que
têm sido publicadas pela KaBoom, por exemplo.
Aventura célere, suficientemente
espatafúrdia e divertida, e contribuindo para um imaginário livre.
Alguns objectivos da banda desenhada infantil que são cumpridos.
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