30 de setembro de 2015

Gustave Doré. Twelve Comic Strips. David Kunzle (UP Mississippi)

Na esteira do trabalho do próprio historiador David Kunzle, que abriu as condições para uma verdadeira investigação do objecto da banda desenhada sob a perspectiva disciplinar e rigorosa da história, como quase ninguém antes dele, e muitos poucos depois dele (não sem a possibilidade de perspectivas críticas sobre esse mesmo trabalho, claro), eis que surge mais um desses objectos incontornáveis na construção de um complexo, matizado e ainda por definir edifício. (Mais) 

29 de setembro de 2015

The Realist. Asaf Hanuka (Boom Studios/Archaia)

Conforme indicámos no texto sobre The Divine, a leitura de The Realist foi feita no mesmo enquadramento de expectativas informadas pela leitura, longínqua no tempo mas presente na memória, da antologia dos dois irmãos Hanuka, a publicação Bipolar. O que essas leituras cruzadas ou permanentes representam é a ideia de que estes autores explorariam territórios que se encontrariam entre a tendência, então emergente, da nova banda desenhada alternativa internacional e alguns interesses por uma pesquisa específica da fantasia embrenhada no realismo de maneira a torná-la mais premente, no que diz respeito às experiências do desejo, fantasia, sonho, sexualidade, anseios, afectos, ou sentimentos que encontrariam alguma dificuldade em serem expressos de maneira “objectiva”. Uma tendência que parece informar alguma literatura contemporânea, se tomarmos como modelos Junot Díaz, Jonatham Lethem, Haruki Murakami, Jonathan Frazen, Tom McCarthy, e outros, assim como Etgar Keret, autor israelita adaptado por Asaf Hanuka à banda desenhada na publicação indicada. (Mais) 

28 de setembro de 2015

Colaboração no The Comics Alternative: The Divine. Asaf Hanuka, Tomer Hanuka, and Boaz Lavie (First Second)

Remetemos os leitores interessados a mais um texto escrito em exclusivo para The Comics Alternative. Este é dedicado ao mais recente projecto, finalmente em conjunto, dos irmãos gémeos Hanuka, que havíamos acompanhado nos anos 1990 na revista Bipolar. O regresso faz-se em torno de um projecto em colaboração com o argumentista Boz Lavie e que parte da realidade para escapar, sem desculpas, para a fantasia, não sem isso devolver algo da vida real.
No texto refiro-me ao também recente livro a solo de Asaf, The Realist, de que falaremos amanhã.
Ligação directa aqui.
Nota final: agradecimentos à editora, pelo envio do livro em formato digital.

23 de setembro de 2015

Graphesis. Johanna Drucker (Harvard University Press)

Tal como no caso de TheVisible Text, também este livro, de uma das mais conhecidas teóricas de livros de artista, mas também da teoria visual e textual e seus cruzamentos mais estimulantes e perturbadores, terá determinados elementos que se podem tornar interpelantes e úteis para a reflexão sobre o papel da banda desenhada, ilustração e outras áreas contíguas na paisagem editorial e da materialidade das artes do livro. Bebendo do design, da estética, da história editorial, da história da ilustração ou da imagem, e da sua poderosa relação com o objecto-livro e a cultura do texto, e subintitulado Visual Forms of Knowledge Production, este volume não é tanto um conjunto de novas ideias ou propostas de Drucker, mas uma espécie de curto balanço de algum do seu trabalho dos últimos anos, que se concentra na conjunção da visualização do conhecimento, ou como é que a apresentação visual de elementos conduz necessariamente à produção de conhecimento determinado. Por outras palavras, a escolha formal em relação ao conhecimento a apresentar é, logo, determinante da natureza desse mesmo conhecimento. (Mais)

22 de setembro de 2015

The Visible Text. Thomas A. Bredehoft (Oxford Textual Perspectives)

A atenção para com um outro tipo de produção teórica que não necessária e exclusivamente focada na banda desenhada é método fundamental para garantir não apenas a saúde da produção de saber afecta a esta área artística, como medida de controlo da qualidade desse mesmo pensamento. Afinal de contas, e como temos repetido a propósito de outras esferas e circunstâncias, se queremos pensar na banda desenhada como uma área de produção e invenção artística, literária, cultural, ou outra, tão digna como as demais, devemos compreender que ela é cultivada no seio de um panorama bastante alargado e que deve ser atento às múltiplas dimensões do pensamento humano. (Mais) 

9 de setembro de 2015

Mould Map 3. AAVV (Landfill Editions)

Qual a genealogia de um projecto desta natureza? Quando a banda desenhada é discutida nos nossos dias como um género de literatura – um erro de palmatória em termos de categorização, mas mais grave ainda em termos de construção de territórios próprios -, a característica que mais se salienta é aquela que a aproximará precisamente à da literatura, a saber, a da sua literariedade. Mas a atenção para com a “coisa literária” – fabricação das personagens, psicologização da intriga, estruturação crono-espacial, a capacidade dos eventos revestirem-se de valores metafóricos ou metonímicos, as impressões emocionais, etc. – leva muitas vezes a que se diminua a possibilidade da exploração a nível artístico: formal, plástico, cromático, material, espacial-direccional, específico ao sítio, mediático, processual… (Mais) [atenção: imagem pornográfica adiante]

7 de setembro de 2015

Postcolonial Comics. Texts, Events, Identities. Binita Mehta e Pia Mukherji, eds. (Routledge)

Num seu pequeno opúsculo de 2004, Les abus de la mémoire, Tzvetan Todorov escreve o seguinte: “Comemorar as vítimas do passado é gratificante, ocuparmo-nos das do presente incomoda [dérange]”. Esta é uma frase a qual, “ilustrada” pela situação hodierna dos refugiados do Mediterrâneo (expressão terrivelmente redutora e simplificadora), e contrabalançada com o exemplo-mor, a dos refugiados da II Guerra Mundial (sobretudo judeus, mas não só), deveria servir-nos de mote constante no momento de discutirmos ou sequer ponderarmos a “longa história” que une todos os países e povos envolvidos, numa tremenda e complexa rede de relações políticas, económicas e sociais, servindo assim de antídoto a uma cega, pateta e ignorante consideração das circunstâncias dos últimos tempos, informada somente pelo egoísmo da nossa inscrição individual no tempo. O que a banda desenhada e disciplinas contíguas permitem, face a esses discursos englobantes, parece estar na mente de Dominic Thomas, quando em African and France: Postcolonial Cultures, Migration, and Racism (citado neste volume por Michelle Bumatay, pg. 30), afirma que “um dos maiores desafios da globalização do século XXI... [é] a prática da humanização de assuntos económicos, políticos e sociais complexos”. Os textos e casos de estudo que constituem os objectos lidos deste livro, se não o fazem directamente, contribuem para esse foco. (Mais) 

4 de setembro de 2015

Blast. Manu Larcenet (Dargaud)


“Polza Mancini, de 38 anos, sem domicílio”, é um homem enorme, obeso, aparentemente sem controlo nas porcarias que come, com preferência para uma particular marca de bolinhos de chocolate, mas igualmente no álcool que consome. E as drogas. E o perigoso abismo que se vai abrindo à sua frente até ao ponto de constituir a sua própria vida. Falar de esquizofrenia é uma possibilidade, mas tememos que essa fosse uma explicação simples demais. Blast é uma espécie de voo no interior da tempestade que nutre esse mesmo abismo, até ao ponto em que não distinguimos os seus limites, e confundiremos todo o mundo com ele. (Mais) 

2 de setembro de 2015

Pyongyang. Guy Deslile (Biblioteca de Alice)

Tal como ocorre com muitas outras situações da condição humana, ter uma experiência qualquer não significa necessariamente que ela seja tida com intensidade para se tornar singular e muito menos que ela tenha suficiente poder para ser transformada numa forma de arte transmissível e que explore a disciplina de expressão de forma vivaz. A parentalidade, a maturidade, a doença, o trauma, e até o banal, não têm interesse artístico em si mesmos. Tampouco uma viagem. Acreditar nisso é não compreender a diferença entre a vida e a arte. É apenas na capacidade do artista em transformar essa mesma experiência (todas elas, qualquer delas, única, irredutível, magnífica) num “texto” que reside a possibilidade de tecer um discurso artístico. (Mais) 

1 de setembro de 2015

Jan’s Atomic Heart and Other Stories e Tiger Lung. Simon Roy et al. (Dark Horse/Image).


Nos anos 1970 e 1980, antologias como a Métal Hurlant apresentavam uma linha muito particular de ficção científica nas suas páginas que procuravam agregar os princípios temáticos desse género – especulação científica, questões filosóficas sobre o desenvolvimento tecnológico e o seu impacto na civilização humana, propostas de novas realidades – com forças narrativas de outros géneros – características da epopeia, da aventura romântica, do western, e até mesmo da mais recente cultura psicadélica e “espiritual”. O historial desse desenvolvimento é complexo e alongado, e há outras plataformas mais competentes para o fazer, mas recordemos tão-somente que a banda desenhada não foi alheia a essa possibilidade, com, por exemplo, a saga de Valérian (escrita por Christin, neste aspecto mais importante do que o desenho de Méziéres), que influenciaria parcialmente Star Wars, Os náufragos do Tempo, de Forest e Gillon, O vagabundo dos Limbos, de Godard e Ribera, e a de John Difool, que procuraria misturar ainda mais as linhas “psicadélicas” e New Age. (Mais)