Este pequeno pró-zine de Ribatski não
é seguramente um livro que coloque o nome do autor num espaço de
grande visibilidade junto a um público mais alargado e convencional,
por três razões imediatas: porque o autor tem outros projectos que
asseguram essa posição, por este ser um objecto de menor circulação
(uma publicação de 24 páginas, um panfleto) e pela sua matéria
ser controversa, no seu sentido etimológico: isto é, a de ir
numa”direcção contrária” àquela que é habitual.
Aparentemente, a narrativa parece focar
num episódio algo estranho na vida banal de um empregado de
escritório. Tímido, solitário e trivial na sua vida diária, Jonas
vê a sua vida subitamente invadida por uma mulher que não conhece,
a qual se posta no seu apartamento, nua, e que de certa forma se
predispõe a que ele beba dos seus seios um líquido que jorra sem
cessar, o qual ele compara com mel. Não há cenas de relações
sexuais, mas de nudez, mímica de mamar como uma criança, e
conflitos com outras personagens causadas pela confissão de Jonas
desta situação. Todas as perguntas que adviriam deste “mistério”
são, no fundo, goradas. (Mais)
Ribatski não parece muito preocupado
em criar uma narrativa com um desenvolvimento linear e de resolução
clara, apesar de haver uma tentativa de tornar a pequena história
num clássico de “shock ending”. Parece antes criar pequenos nós
sucessivos de tensões e crises de significado. Até certo ponto,
poderíamos descrever Veículo como um exercício de tradução
em banda desenhada de algumas noções arquetípicas. A mulher, cujos
seios descomunais a aproximariam física e conceptualmente das Vénus
pré-históricas, poderá estar no lugar de uma projecção
fantasmática de mãe, o que não invalida a presença de pulsões
sexuais (ou melhor, que as justifica, se seguirmos à risca
alguns dos princípios do psicodrama freudiano). Um longo texto
definidor e explicativo na contracapa lança mesmo algumas
confirmações de que Ribatski foi movido por preocupações
conceptuais que depois tenta explorar na linguagem da banda
desenhada.
Podendo inscrever-se nesse imenso
território que por vezes é descrito por “realismo mágico”, é
menos importante compreendermos a lógica da situação (uma sua
(re-)solução) do que a velocidade subaquática ou a ambiguidade dos
significados lançados pelo conto. Está esta personagem feminina no
lugar de uma categoria mais lata do “feminino”? Dirá somente
respeito à personalidade de Jonas? Trata-se de um mecanismo passível
de leitura categorial ou apenas com uma valência nesta
história?
Com uma uma assinatura gráfica entre
Julie Opie (pelo minimalismo da expressividade dos rostos) e Oscar
Zarate (uma certa qualidade fluida no lançamento das linhas), e com
um maior presença da figura humana do que em trabalhos anteriores a
solo que conhecêssemos, em sucessivas grelhas regulares que admitem
pequenos desvios significativos, Ribatski, ainda assim, dá aqui
continuidade às suas próprias pesquisas dos movimentos da mente
humana, sob a superfície das aparências sociais, e onde se escondem
fantasias, desejos e projecções que raramente vêem a luz do dia.
Nota final: agradecimentos ao autor,
pela oferta da publicação.
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