Este pequeno livrinho, oblongo e fino,
nasceu de um projecto que envolveu os artistas e a Conserveira de
Lisboa, numa lógica de exposição/decoração temporária da
fachada do seu estabelecimento. Isso daria origem a uma colaboração
directa entre os autores para que fabricassem uma narrativa curiosa
nos seus contornos estruturais. Este é o resultado.
Os autores são sobretudo autores de
ilustração e banda desenhada da nossa praça, entre veteranos e
mais jovens, e afectos a vários territórios dessa criação, entre
a ilustração para a infância, o trabalho editorial, o
institucional, a animação, e, claro, projectos autorais
propriamente ditos. Assim reúnem-se, pela ordem de aparição no
livro, Nuno Saraiva, Susana Carvalhinhos, Lord Mantraste, João Maio
Pinto, Pedro Brito, Pierre Pratt, Cristina Sampaio, Dileydi Florez,
Pedro Lourenço, Alberto Faria e André Carrilho.
A estrutura faz com que os autores
apresentem quatro ilustrações em sequência, quase criando uma
pequeníssima cena, quase auto-conclusiva. Mas o autor seguinte
responde à última imagem com a sua própria primeira imagem,
criando elos temáticos, simbólicos ou mesmo repescando (o verbo não
é inocente) as personagens envolvidas. A história que emerge destas
associações é relativamente simples e até mergulhando em algumas
ideias clássicas, ou mesmo clichés, de um imaginário
romântico-marítimo: o protagonista é um capitão pescador, e
envolve um triângulo amoroso entre uma sereia e a varina com que ele
vive. E, claro está, criaturas do mar revolto: sardinhas, polvos,
medusas e baleias.
Muitos dos autores trabalham, como
seria de esperar, as suas forças. Nuno Saraiva introduz e canta um
fado trágico na pesca de arrasto. Susana Carvalhinhos mostra a
dúvida entre o amor e a partida, a sedução e o intervalo. Lord
Mantraste dá continuidade à música, mas trá-la à costa, para a
depositar em amores mais terrenos. João Maio Pinto aumenta a
octanagem para provocar thrills & spills como homenagens
às tiras de aventuras norte-americanas dos anos 1920-30. Pedro Brito
dá continuidade ao pesadelo e à acção, mas mostra a salvação na
forma de outro tipo de sereias. Pierre Pratt, em lindíssimas imagens
pinceladas com vigor, enclausura a história numa redoma doméstica,
mas mostrando os pontos de fuga permitidos. No interior ainda dessa
domesticidade, Cristina Sampaio apresenta com as suas linhas
vectoriais o que parece ser uma singela história de amor mas que
acaba por ser legível como um comentário forte sobre elos
familiares, papéis femininos e entendimentos da maternidade. Dileydi
Florez volta a inverter a ordem dos espaços, mas sobretudo as usuais
estruturas das fantasias de sereias (que vêm para terra), e faz com
que o protagonista se perca num novo mundo, sob as águas do mar
revolto. É aí que Pedro Lourenço cria cardumes de peixes e sereias
de uma forma tão gestual e marinha com os seus pincéis que quase
nos distraímos nas suas paisagens dos acontecimentos em si. Alberto
Faria, nas suas formas cândidas, mostra uma breve fábula de como há
sempre um peixe maior pronto a abocanhar o anterior. E André
Carrilho, para terminar paradoxalmente com acções bombásticas e a
subsequente calmia, cria magníficas imagens invertidas de uma
dinâmica que nos leva a sonhar como seria um Moby Dick nas
suas mãos.
O livro em si é uma pequena pérola
editorial, e interessante jogo de colaboração. Conversa em
conserva, a servir ao natural.
Nota final: agradecimentos à editora,
pela oferta do livro.
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