Este livro foi celebrado devido à
idade do autor quando da sua publicação (19 anos) e, claro, alguns
dos prémios ou atenções angariadas por esta sua conquista de
elaborar uma narrativa coesa, concentrada, de mais de 100 páginas.
Considerá-lo um “romance”, gráfico ou não, parece-nos ser algo
hiperbolizado, devido à sua estrutura narrativa e à organização
actancial das suas personagens e eventos. Nem sequer poderia ser
descrito como novela, do ponto de vista literário, sendo antes um
conto, o que não retira de forma alguma os contornos do que consegue
cumprir nas suas pranchas. (Mais)
Esta é uma história cuja estrutura e
razão é simples. Klaus é um jovem adolescente, para todos os
efeitos humano, mas que vive num mundo povoado por animais
antropomorfizados no qual esse conceito, não sendo desconhecido, é
estrangeiro. Através de um qualquer mecanismo fantástico,
compreendemos que este é um mundo paralelo ao “nosso”, e que uma
passagem terá ocorrido no passado, há dezasseis anos. Filho de um
casal de tigres, a questão motriz do conto e que dá então a parte
de complexidade ao livro é a crise de identidade do jovem Klaus.
Se bem que os instrumentos são as da
clareza e limpidez de uma fábula, Felipe Nunes explora nesta
história aquelas crises pelas quais todos os adolescentes
atravessam, a de uma crise de valores, de relacionamento
intergeracional e até mesmo de embates de personalidade que ocorrem
entre si mesmos e os seus progenitores. No caso presente, vem
misturar-se com uma fantasia comum, infantil, de que os nossos pais
não o são, e que a nossa origem se prende a uma outra realidade
paralela que, claro está, nos oferece um conforto de fantasia, e um
mundo melhor onde tudo estaria resolvido. A metáfora aqui
transforma-se então numa pequena saga de enganos, mal-entendidos,
mas se que os elementos se tornem demasiado explícitos ou acabados.
Na verdade, nunca teremos respostas definitivas sobre se a ideia de
Klaus é verdadeira, se a origem imaginada é real, se as explicações
dos pais são tangíveis. Ao leitor incauto, as imagens poderão dar
uma resposta óbvia, mas as emoções, se escavadas e compreendidas
com maior atenção, poderão revelar ambiguidades maiores.
O livro ganha a sua força particular
precisamente nos momentos dos não-ditos, em que as tensões entre
Klaus e os seus colegas de escola, ou as pequenas pesquisas e
reflexões a que se entregam lançam várias linhas de interpretação
para todas as acções que faz, passadas e futuras, e, sobretudo, a
profunda transformação que observamos tecer-se ao longo do livro. E
é essa mudança que, cumprindo o coração de Klaus, torna a
leitura do livro surpreendente na sua simplicidade.
O autor é detentor de uma assinatura
gráfica muito gestual, de uma estilização rápida e devedora de
uma série de tradições clássicas da banda desenhada para o
público infantil. Existindo algumas limitações (vejam-se as
figuras humanas no fim), elas disfarçam-se bem na prestação dos
animais e do pequeno Klaus ao longo das páginas, com os seus
cenários mínimos e uma composição de página basilar, mas nada
intrusiva na legibilidade das acções. Assistente dos irmãos Fábio
Moon e Gabriel Bá, o autor colherá lições de vários quadrantes,
seguramente, mas Klaus providencia um quadro coeso deste seu
primeiro gesto criativo.
Pequena rábula sobre a forma de
procurarmos respostas sobre quem somos um pouco mais além dos
círculo familiar, esta é uma pequena adenda à colecção de
autores brasileiros contemporâneos que têm entrado no circuito
português.
Nota final: agradecimentos à editora,
pela oferta do volume.
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