27 de junho de 2005

Gods' Man. Lynd Ward (Dover)


A utilização de um meio técnico, ou de um modo material, não implica a instituição de uma linguagem correlativa. Isto é, não é por dois ou mais artistas utilizarem os mesmos (análogos, próximos, semelhantes ou até idênticos) gestos que necessariamente se encontrarão outras conexões entre os mesmos. Porém, é curioso notar como a gravura em madeira parece ter sido sempre empregue dentro de uma família de intentos e programas facilmente estreitáveis.
A xilogravura tem uma História longa, a qual, não obstante a individualidade dos seus cultores (de Dürer a Marc, de Zanetti a Max Beckmann e Nolde), possui dois ou três traços que permitem irmanar toda e qualquer produção nesse meio, e que se associa a uma certa expressão política do humano. Autores houve que se dedicaram ao seu emprego em histórias contadas por imagens sequenciais, com a máxima notoriedade para o belga Frans Masereel, mas podendo-se citar ainda outros autores, mais contemporaneamente, o americanos Seth Tobocman (alguns trabalhos) e o francês Olivier Deprez, sobretudo com a reescrita de O Castelo de Kafka.
Como Deprez aponta na sua entrevista (e outros artigos) na Satélite Internacional 4, há um mesmo gesto em toda a xilogravura, o de apagar inscrevendo. Não é só uma questão material e de impressão técnica, mas até mesmo de sentido: são as ausências materiais que farão todo o sentido das imagens emergir no papel. Se bem que quase como uma colagem minha fraca, quase apetece demonstrar essa oposição como a que Walter Benjamin aponta da distância entre o “teor material” e o “teor de verdade” de qualquer obra. Isto é, quando ao nos depararmos com uma obra cronologicamente distante de nós mas que nos parece “nova”, “fresca”, “viva”, é porque a sua verdade está ainda pulsando acima do seu material – é o que acontece com os chamados clássicos, de Goethe a Tezuka, de Pessoa a Schulz. O contrário são obras que vemos logo datadas... Na literatura, Uma Família Inglesa, na banda desenhada, um Diabolik, por exemplo. Um autor sobejamente apontado nesta história é o de Lynd Ward. Foi com grande expectativa que finalmente se tornou acessível uma edição mais recente (e barata) de Gods’ Man [sic], primeiro “romance em xilogravura” de Ward, publicado, diz-se, na própria semana do crash de 1929. O sucesso foi enorme na altura. Esta história, em 139 pranchas de tamanho e enquadramento desigual, mas nem por isso dinâmico – em comparação com Masereel, bem superior, a mon avis -, é uma espécie de variação do mítico Fausto, em que um artista recebe um misterioso e estilizado pincel com que ganhará fama e... pouco mais. Talvez seja a dificuldade em esticar a história por mais pranchas, não desenvolve Ward as peripécias pelas quais a personagem poderia passar, resolvendo-se tudo antes em ápices sucessivos e desenredos mal-encadeados. A nítida moral e maniqueísta, pouco ou quase nada subtil, sempre presente na maioria dos americanos, está também aqui patente na leitura do capitalismo, no amor interessado, nos guardiães económicos da arte, na incompreensão do público, na natureza idílica, etc. Mais uma vez, é por oposição a Masereel que se notará que o “teor material” de Ward faz afundar o pouco “teor de verdade” que ainda poderia existir. O autor belga, por sua vez, tem a felicidade – e tê-la-á no futuro ainda? – de ter feito representar pequenas histórias tão gerais e de uma vaga inquietação que ainda hoje são passíveis de acoplar à nossa experiência contemporânea. Posted by Hello

2 comentários:

andré lemos disse...

Estou curioso em relação a este. O do Matsumoto é muito bom mesmo. Belas máscaras e árvores-seres-do-bosque.

andré lemos disse...

Quero!