2 de março de 2006
Bacter-Area. Keith Jones (Drawn & Quarterly)
Esta é uma daquelas obras que parece relançar novamente o tema – estritamente visual – das relações entre um suposto “fundo” e uma “forma”, tal como a questão do movimento e, logo, das relações espaço-temporais de um desenho, para já, e depois próprios da banda desenhada, isto é, em que os desenhos são estruturados com óbvias figurações actantes.
A forma, como banda desenhada, não pode existir senão como acto, de um ponto de vista fenomenológico; existem uma série de singularidades que organizam o espaço e compõem o tempo” (Cf. J.-P. Esquenazi, Film, Perception et Mémoire), e é a sua percepção, em movimento ela-mesma, que as estrutura como “momento abstracto”, precisamente o que torna possível, em cada leitura (mais do que em cada leitor), novos movimentos perpétuos.
Ora, a banda desenhada dita clássica, digamos entre um Tintin e um Astérix, apresenam-nos pranchas cujas regras de leitura são relativamente consensuais, lineares, que impedem ilusões ou dúvidas maiores. Podemos tentar exercer uma maior caoticidade ou liberdade, mas não funcionará, e voltaremos a resvalar na sua direcção inclusa.
Keith Jones, com este seu pequeno livro de desenhos soltos, pequenas sequências, pranchas selvagens, parece querer acelerar-nos a visão (de acordo com uma ideia de J. Balser), mostrar-nos que as imagens, de facto, nos rodeiam, nos encerram no seu mundo. Tal como ele, outros artistas, de modos diferentes, sejam os do grupo Le Dernier Cri ou da Amok, os publicados na Paper Rad, na Ganzfeld, na Drama, na Kramer’s Ergot, ou Panter, mais uma vez, etc., fazem uma concatenação de signos visuais num só espaço, como se o objectivo fosse o seu colapso e, ao mesmo tempo, a sua multiplicação de potencialidade.
Por isso, há um objecto textual mais próximo da banda desenhada “normal” no meio deste livro cujo tema, parece-me, é a organização urbana e rodoviária, lida como uma metáfora ao trânsito que o próprio Jones complica nas e com as imagens.... Noutras secções, chamadas de “observações interdimensionais”, fala-se de uma nona dimensão, “campo do nosso lapso do momento”: que me faz retornar ao PONTO NULO, espaço específico do mergulho fenomenológico do olhar da banda desenhada que pretendo explorar cada vez mais filosófica e teoricamente... O espaço que existe entre as vinhetas, não essas linhas desenhadas, esses filamentos em branco, mas o momento em que o cérebro faz o “salto” de uma vinheta a outra, de um “espaço-tempo” a outro e, por um finíssimo, breve instante, onde se encerram e ocorrem as “pequenas percepções” (leibnizianas e de José Gil)... Onde explode a virtualidade (de Deleuze). Espaço que foi explorado, à sua maneira, por Grant Morrison em quase todos os seus títulos, como analisei num ensaio publicado na Vértice, no. 124. E espero a ele retornar no futuro, aqui mesmo, espero...
Nota final: apesar da quase-coincidência de títulos, a fanzine Bactéria do nosso Francisco Vidal já existia há muito tempo antes... E os seus efeitos são, ao contrário dos provocados pelo livro de Jones, mais apaziguantes que aceleradores.
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