
Num dos trechos deste livro, a personagem principal – um “eu” sem nome, que tanto representaria o autor do conto literário original como todos os jovens da sua geração -, enquanto estudante da escola secundária, tem um trabalho de casa para fazer, para Artes Visuais: desenhar o mar. Como vive em frente do mar, pensava que não lhe seria difícil, mas não consegue desenhar uma linha e entrega uma folha em branco. O professor diz que não faz mal e pede que faça um esforço, pois basta “pintar o que se vê”. O rapaz entrega então uma folha totalmente pintada a aguarela, em tons de azul. O professor é apanhado de surpresa, mas pede-lhe que tente de novo, “com mais detalhes”. O rapaz não quer cair em “clichés” (barcos, sereias, etc.) e entrega então um desenho no qual se vêem três listras: uma amarela para a areia, e duas azuis, para o mar e o céu. O professor perde a paciência e bate no aluno, para que aprenda a fazer o que se lhe pede e se espera dele...
Os dois artistas que fizeram este livro, Chi, Kyu-Sok e Byun, Ki-Hyun, parecem ser precisamente esse tipo de aluno que aprendeu bem a lição para sempre. Tendo em conta que Jajangmyón é uma adaptação de uma novela literária de Ahn, Do-Hyun (escritor da nova geração, pós-guerra, e que dá voz a toda uma geração que não vive o mesmo tipo de conflitos – internos, psicológicos, históricos - das gerações mais velhas), os autores da banda desenhada optaram pelas fórmulas mais seguras, pelas estratégias mais banais, garantindo que a “história” fosse preservada e transmitida pelo mínimo de transformação necessária (para além da que existe numa adaptação à banda desenhada).

Como será óbvio, ou mesmo nulo dizê-lo, o livro permite um olhar interessante para os “forasteiros”, isto é, é um possível retrato da Coreia moderna, uma visão descomplexada de alguns dos cidadãos mais comuns, das paixões que movem os mais jovens – que não pode ser idêntica à dos “filhos da guerra da Coreia” - e de uma série de características que nos poderão parecer estranhas, até mesmo “exóticas”, mas que fazem parte, de facto, da mais profunda realidade daquele país. Até mesmo o acto de pintar o cabelo sucessivas vezes é um pequeno acto de rebelião, mas precisamente o acto de rebelião que lhe é acessível, sem passar um limite – de violência, crime, ou outro qualquer – e que é cumprido por muitos dos jovens coreanos (homens, sobretudo).
Há um trocadilho no título, já no original, e que segue o modo como se diz oralmente o nome deste prato chinês, de massa, tão adorada pelos coreanos, em vez da sua grafia mais correcta, “Jja-Jang-Myóng”. Mas a diferença desses dois modos de falar são talvez um sintoma da brecha entre as duas gerações de que se fala tangencialmente no livro, e da qual emerge um novo tipo de adulto. É pena que a banda desenhada em si, a manhwá, não tenha respirado também uma maturidade maior, e se opte por uma linguagem básica e, por isso, neutra.

Jajang-mión, um prato de massa chinês, é um dos pratos mais adorados pelos coreanos hoje em dia. Normalmente a palavra é pronunciada como tchajangmyoun mas a transcrição correcta pela regra de adaptação de palavras de origem estrangeira é Jajang-mión...
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