13 de agosto de 2006
Uptight. Jordan Crane (Fantagraphics/Reddingk)
Este é o primeiro comicbook de Crane, isto é, segundo o formato tradicional destas publicações nos Estados Unidos, como se o autor tivesse finalmente atingido o patamar de entrada “oficial” no mercado mainstream da banda desenhada norte-americana (e Canadá)... Porém, esta não é, de todo, a primeira aventura de edição de Crane, que já editou vários trabalhos em antologias (Non, SPX, Kramer’s Ergot, p. ex.), minicomics e outras publicações, pela sua antiga Red Ink, agora Reddingk.
Com duas histórias, a primeira ocupa 9 pranchas e é um curto e simples conto de um adolescente a lidar com as dores do crescimento e a quase imperatividade em se rebelar contra o mundo. O primeiro obstáculo mostrar-lhe-á, todavia, que nem sempre a rebeldia é fácil e que pode mesmo iluminar algo que se percepcionava erroneamente antes. Não é claro se se trata de um episódio de uma personagem a continuar, ou se faz parte das pequenas histórias que Crane vai produzindo como se servissem de contraponto a projectos maiores (The Last Lonely Saturday, The Clouds Above).
A segunda metade do livro (13 pranchas) é ocupada por mais um episódio de uma série intitulada Keeping Two, da qual publicara já dois livros, tendo-a iniciado na highwaterbooks.com. Trata-se, superficialmente, da relação entre um casal, uma pequena obsessão pelo número três, relacionando-o com a morte, quer as reais, verificadas, que pontuam os episódios internos da trama, quer com as que o protagonista, “William” (indicado no site, não nos livros), parece esperar que se venham a dar. Este é o mais criativo e interessante exercício narrativo de que tenho conhecimento de Jordan Crane. Existem vários níveis de estórias dentro da estória (a que se dá o nome de hipodiegético na narratologia, e que os relatos encaixados de Xerazade são o grande modelo), uma confluência de vários recuos no tempo e recontares de episódios já verificados a partir de perspectivas diferentes e, o mais importante, é a presença, ou melhor, a espécie de presença da morte nestas páginas. Já em The Last Lonely Saturday Crane havia visitado o tema dos fantasmas, mas ao passo que nessoutro livrinho os fantasmas eram praticamente tangíveis, e ocupavam um papel de agente numa rábula infeliz/feliz, Keeping Two, como o próprio título indica – manter algo à distância, como uma defesa – é bem mais melancólico. Aliás, se há alguma antinomia entre esses dois títulos do autor californiano, é precisamente aquela que Freud estabeleceu entre Luto e Melancolia: numa súmula terrivelmente redutora, do primeiro faz-se a “digestão”, ultrapassa-se e avança-se, ao passo que se fica preso, afixado à segunda, que provoca uma “indigestão” (fica a remoer).
E de facto os fantasmas da morte ficam-se por Keeping Two, imiscuem-se mesmo entre os vivos e raptam-nos. É extremamente importante entender essa indecisão do espaço que a morte ocupa neste universo diegético criado por Crane, indecisão que, ao mesmo tempo e como já referido, lhe permite desarrumar o tempo...
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