Nova pequena grande revista de estudos desta área, em franca expansão quer em termos de produção própria, repercussão cultural (a mal ou a bem, cotejando o alto ou o baixo), estudos académicos e ainda pensamento intelectual, a SIGNs dedica-se sobretudo, como explicita no editorial, aos estudos de “Narrativas Gráficas – chamem-se-lhe “comics, graphic novels or sequential art” de um período inaugural (ou pelo menos dando conta do seu advento na modernidade), entre 1830 e 1930 (antes, portanto, do aparecimento do “comic book” que alteraria por completo a paisagem e a indústria, primeiro nos Estados Unidos, depois no mundo). Pretende esta publicação italiana mas em língua inglesa, e com a participação editorial e consultiva de grandes especialistas de todo o mundo (Portugal também está presente, sendo um dos membros do editorial board o historiador Leonardo de Sá, e ainda citado num dos artigos nos seus estudos em torno da Épinal).
Apesar de ser uma minúscula publicação (em nada comparada ao IJOCA, por exemplo, ou mesmo a um dossier da 9éme Art), de cerca de 60 páginas, apresenta uma escolha judiciosa de temas, e ainda prevê sempre uma secção de reproduções em alta qualidade de trabalhos “esquecidos” ou pelo menos bastante obscuros (para um quadro de referências mais normalizado), é seguramente uma publicação a seguir obrigatoriamente por quem quiser seguir com seriedade os estudos da área, mesmo que com preocupações mais contemporâneas (a contemporaneidade, mesmo o pós-modernismo, por mais que o creia e se iluda, não é jamais ab ovo).
Vejamos o que este número inaugural da SIGNs contém. Um primeiro artigo de Roger Sabin (autor reconhecido com várias obras, sobretudo Below Critical Radar e Comics, Comix & Graphic Novels) em torno da personagem inglesa Ally Sloper, re-construindo, através de análises específicas dos seus signos e contextualizando-os no seu tempo (sensivelmente o último quartel do século XIX), a percepção contemporânea dessa personagem e as razões do seu humor, que poderá – argumenta Sabin – ser-nos estranhos hoje. Trabalho de escavação cultural, acima de tudo.
Um estudo de Antoine Sausverd em torno da Maison Quentin, uma editora francesa de estampas, gravuras, “enciclopédias infantis” e histórias de banda desenhada (antes dessa denominação), rival da Épinal, bem mais famosa. Faz-se a sua história, descreve-se a sua especificidade, o seu contributo a uma mais alta fasquia de produção de trabalhos, à reacção da Épinal que a “retiraria” de circulação, lamenta-se a dispersão da sua herança.
Jaqueline Berndt apresenta a primeira parte de um artigo (a continuar, portanto) em torno das ligações, ou melhor, da falta de ligações efectivas, entre as tradições mais antigas de desenhos “humorísticos”, “narrativos” ou “livres” (não se tratam de sinónimos, nem complementaridades, mas naturezas bem diferentes, explicitadas por Berndt) no Japão e a mais moderna concepção da mangá: ou seja, fala-se do Choju giga, de outros emaki, de kusazôshi, das ukiyo-e, da Manga de Hokusai, de Kitazawa Rakuten, de Osamu Tezuka, mas alertando-se mais as diferenças fundamentais entre todos estes trabalhos, as ligações com tradições diferentes e abertas às influências estrangeiras, evitando-se o facilitismo de uma continuidade que raio o nacionalismo cego. Excelente correcção de toda uma série de “verdades aceites” sem um estudo profundo de uma cultura muito diferente, inclusive, por exemplo, a origem efectiva da palavra manga (erro em que nós próprios incorremos por seguir outras fontes menos correctas?, ou antes, até à próxima correcção?).
Finalmente, é apresentada uma série de estampas florentinas (finais do séc. XVIII) que, não tendo uma sequência fechada, contam ainda assim uma história: Lo spozalio de Marfisa. Ainda que possam ser vistas como estampas mostrando os comportamentos sociais das altas classes da sua época, as personagens são representadas de um modo grotesco – corpos anões, cabeças grandes, rostos com algum tipo de deformação gráfica – tornando tudo, a um só tempo, aflitivo e cómico. Um estudo introdutório de Alberto Milano contextualiza a série, colocando-a em diálogo com outros trabalhos da altura, explicando o contexto de produção, expondo os seus autores, e avançando ainda linhas de interpretação ancoradas em estudos concretos e correctos.
De facto, SIGNs é sinal de uma área de estudo cada vez mais consolidada, de caminhos escorreitos e correctos, e com direito a cidadania como outro qualquer. É caso para dizer que é bom sinal.
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