Este projecto consiste num convite feito pelo Ar.Co a um grupo de 15 ilustradores portugueses – a maior parte afecta a essa escola, mormente ao Departamento de Banda Desenhada e Ilustração, enquanto professores e alunos – para criarem cada um uma ilustração associada a uma só cor, tendo como objectivo uma edição limitada de serigrafias pelo Centro Português de Serigrafia. O projecto contou ainda com João Paulo Cotrim como mentor e prefaciador, tendo contribuído ele mesmo com um belíssimo e poético texto sobre o modo de comportamento das cores, para além da sua dimensão perceptiva.
Aliás, no fim do catálogo – que por razões óbvias não pode dar conta da riqueza táctil das próprias serigrafias expostas na Casa da Cerca, onde também se apresentou a obra de B. Cronin, e as reproduções neste post ainda tornam mais problemática essa tradução – surge uma definição científica, a qual demonstra, para surpresa do inscinte, que a cor é aquela que não está lá, quer dizer, é aquela que é devolvida pelo objecto, que não é por ele aceite. Ora o problema nesta junção e produção particular está precisamente naquilo que é recusado, e não na força que poderia ser criada. Apesar de João Paulo Cotrim alertar que este é um grupo de “desenhadores radicais livres”, os quais “querem contar histórias, e começaram a criá-las”, esperaríamos que existisse uma gravidade mais ciente que estruturasse todas estas ilustrações em torno de um centro coeso, que as iluminaria como um todo coerente.
O que acontece é vermos uma simples agregação de, de facto, desenhos livres, e em que cada uma das cores atribuídas e cumpridas por cada um dos artistas poderia praticamente ser permutada por uma outra qualquer, sem se perder qualquer da força dessa mesma ilustração. Ou seja, as forças que elas possuem não derivam da cor com que se reveste. Tiago Manuel, com o azul petróleo, apresenta uma esquemática e icónica apresentação de contornos ecológicos bastante claros, Daniel Lima monta uma breve cena de taberna em torno de álcoois que imaginamos plasmados ao roxo ameixa (infelizmente a reprodução no catálogo corta uma das personagens precisamente na zona do olho, levando a uma pobre percepção e devolução do mesmo), e Filipe Abranches mostra um homem que arrancou um olho do seu corpo enquanto é observado por um cacho de olhos sem corpos, talvez como quem deseja se desfazer de uma melancolia, a qual, como o mais alheado passado, é sépia [um efeito freak muda a cor do jpeg que aqui tenho]. De resto, nenhuma das outras ilustrações parece seguir os trilhos exactos das cores que têm.
Num tempo em que a esmagadora maioria destes autores, quer no que diz respeito às ilustrações e às bandas desenhadas, publica a preto e branco por razões que se prendem não tanto com sobretudo com circunstâncias económicas, mas antes traduzindo-se num gesto político, de oposição em relação às “expectativas do mercado”, como recusa de uma espectacularidade visual superficial, como independência, esperar-se-ia que esta oportunidade, vincadíssima, em explorar a cor, se tornasse mais explícita (é claro que há excepções, Miguel Rocha e Maria João Worm sempre exploraram a cor nas suas bandas desenhadas, e significativamente, André Letria desenha com elas antes de desenhar com o lápis...). Diniz Conefrey, num dos episódios do Verbd, afirmou “usar a cor não como um complemento da narrativa - um complemento que até poderá ser secundário mas que acompanhe harmoniosamente a narrativa - não, [mas em] que a cor tenha uma expressão narrativa em si”. Conefrey, tal como Sfar, e Breccia, e Mattotti (cada um com as suas diferentes valias e naturezas), são exploradores tão exímios do preto e branco como do trabalho a cor, mas tornando-a como que uma personagem por direito próprio. Uma atitude inversa, mas igualmente válida, é a utilização psicadélica da cor pelos autores afectos ao Fort Thunder, mas os quais trabalham antes um uso quase aleatório das cores disponíveis para um excesso crítico da linguagem que empregam. Claro que existe depois o banalíssimo emprego das cores dos mais normalizados trabalhos do “mercado”.
No que diz respeito a este projecto, estamos mais próximo de uma aleatoriedade não-significativa do que qualquer outra coisa. Todavia, dessa expressão, e mais, associada à expressividade específica permitida pela serigrafia, apenas parecem tê-la seguido Maria João Worm – que é quem mais abdica da criação de um gérmen narrativo para criar uma sugestiva imagem dialogante entre o violeta (a cor que lhe pertence) e um rosa – e André Letria – com uma cabeça composta por tubos/esparguete/tripas a bordeaux, como que prometendo mas ao mesmo tempo sustendo o sangue que deseja expelir-se.
Nada disto quer dizer que não existam desenhos que, em si mesmos, sejam pejados dos seus valores próprios. Susa Monteiro (lima) continua na sua exploração de momentos que têm tanto de oníricos como de melancólicos, Nuno Saraiva apresenta uma variação de um famoso personagem através do seu conhecido humor sexual, André Carrilho presenteia-nos com uma brevíssima mas intensa cena urbana em Lisboa. No entanto, o que parece estar ausente é esse elo férreo e indissolúvel entre a figura e a sua cor. Não, há antes uma relação ténue. Por outro lado, alguns autores – sobejamente conhecidos e com um trabalho magnífico e regular em várias plataformas – apresentam aqui alguns dos seus trabalhos individualmente menos fortes, o que não abona a favor do gesto colectivo.
É como se um prisma tivesse separado o raio em todas as cores, mas estas se esquecessem de ter pertencido a uma mesma e unida origem...
As serigrafias tiveram uma edição, de 100 exemplares cada ilustração, e prevê-se que venham a ser comercializadas pelo Centro Português da Serigrafia. Colocamos aqui apenas as imagens que conseguimos colher, esperando que possamos acrescentar as restantes num futuro próximo.
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