14 de novembro de 2008

Desenhar para o boneco: Projecto Informal (conversa)

Por ocasião de um convite do PROJECTO INFORMAL, organizado pelo Laboratório das Artes, em Guimarães, terei o prazer de participar de uma mesa redonda na qual farei a seguinte apresentação: Desenhar para o boneco experimentação artística na banda desenhada. Tendo preparado algumas notas simples e muito gerais a serem distribuídas pelo público, disponibilizo-as aqui também. Servem como ponto de partida (ou de organização do trânsito) de outras discussões, tidas por outros nomes, com os quais aprendi muito, ou a ter no futuro. Quando a versão completa de um texto relativa a esta conversa estiver disponível na publicação planeada pela organização, avisarei. Por agora, fiquemos pelas notas...
1. A banda desenhada é, quase sempre, tomada como um todo, e não na sua variedade autoral, de estilos e de escolas artísticas, de fitos e de propósitos, de formas e modos. E, para mais, é quase sempre pautada pelos seus exemplos mais visíveis, i.e., mais comerciais e pertencentes ao âmbito das nostalgias ou das mais estreitas memórias de cada um, ao invés de inserida numa história de continuidades e experimentações internas a ela mesma. Evite-se, portanto, uma apreciação “emotiva”, que tanto se pode revelar numa atitude negativista – “nada na banda desenhada é digno de atenção estética” – ou numa atitude heróica e cega – “a banda desenhada é superior a x”.
2. Uma arte, ou uma forma de arte, nasce, de acordo com uma nota de Walter Benjamin, da correlação entre três factores: as técnicas artísticas, os seus efeitos e o modo social do seu alcance. Não significa isto que qualquer destes factores exista separadamente, mas enquanto instâncias abstractas ajudar-nos-ão a identificar uma potencial “origem”, por mais discutida, controversa ou aberta que ela seja. Olhamos para o passado sempre através do presente.
3. A banda desenhada vive também como uma espécie de arte desmemoriada, ou seja, uma arte cujo culto – seja ele de leitura, fruição, seja de criação – parece poder viver numa ausência da sua permanente inscrição na sua história interna. Cada nova geração parece surgir ab ovo, ou pelo menos numa limitação temporal estreita, e não aberta a todas as potencialidades de associação a um círculo mais amplo de criatividade e artes.
4. Há, em relação à banda desenhada, uma espécie de sprezzatura ao contrário. Onde, no círculo das artes visuais, ou outras, o conceito renascentista encontrava uma virtude naquele artista que demonstrava ter atingido um determinado patamar na sua arte como se “sem esforço”, a banda desenhada é considerada como num todo fruído “sem esforço”, logo, essa ausência de tempo de reflexão recai na sua leitura metalinguística, referencial, de análise e percepção e apreciação estética. Existe ainda, em relação à apreciação global ou concreta da banda desenhada, uma hesitação mental, que não ocorre nas discussões (mais livres, acintes, e pessoais em relação a outras artes): mesmo que o Espírito Solitário, Próprio, o mais escondido e pessoal e intransmissível, se atreva, contra o Eu Policial, a começar a gostar, e a desejar afirmar esse gosto, por uma “bd”, logo esse Eu, constrangido pelo Social, lhe diz “nem penses, que vergonha! O que é que os outros vão dizer?”.
5. Não é possível ver, estudar, analisar, apreciar um determinado modo de expressão ou artístico através dos instrumentos ou percepções ou parâmetros suscitados por um outro. As crises de uma arte não coincidem com as de uma outra. As especificidades de uma determinada linguagem artística não invalidam cruzamentos e aberturas, claro está, mas ambos devem ser ponderados, negociados e verificados nas suas pertinências analíticas. As disjunções entre todas as linguagens artísticas, seja como forem apreciadas, definidas ou discutidas, são mínimas, um salto quântico, um piscar de olhos… É tão fácil apercebermo-nos de diferenças substanciais como de parecenças óbvias. Os “ares de família” apenas existam no discurso de quem o faz. Se se permite o arrogar de uma balização, é para que não se caia no “domínio aleatório da interpretação” (Thierry Groensteen).
6. Não há imagens gerais, mas determinadas. Logo, não se pode falar de técnicas, imagens ou estruturas “bd”, mas de exemplos concretos da sua história. E, nessa diversidade óptica, todos os patamares de qualidade intrínseca às obras. É necessário, como num outro círculo artístico qualquer, uma educação própria para se poder atingir um certo grau mínimo de especialização, de discursividade crítica, conhecendo-se bem e cabalmente os seus códigos internos, dos mais elementares aos mais complexos.
7. O meu papel é (nesta apresentação), em primeiro lugar, alertar para a existência de um convoluto e largo caos (a banda desenhada não é um Todo Coeso e Único), expandindo-se em múltiplas e multímodas direcções e, em segundo lugar, providenciar um qualquer modo (o meu, limitado) de procurar e encontrar linhas de apoio e construção de uma lógica interna que ajudem, por sua vez, a construir um cosmos junto aos leitores (há uma História e Estética da banda desenhada).
Nota: agradecimentos ao Laboratório das Artes, pelo convite.

3 comentários:

  1. Olá Paulo, gostaria de saber se esse texto já tomou uma forma completa, saiu a publicação?
    Achei muito interessante a discussão (tive contato pelo blog do P. Franz - http://sobreofim.wordpress.com/).
    Parabéns pelo ótimo blog!

    Guilheme Silveira
    (misterorror.blogspot.com)

    ResponderEliminar
  2. Caro Guilherme,
    Obrigado pelas suas palavras.
    Sim, saiu a publicação com um artigo, cuja notícia está indicada neste link: http://lerbd.blogspot.com/2008/12/desenhar-para-o-boneco-projecto.html
    Se quiser receber uma versão desse artigo, dê-me o seu email, que envio...
    Abraço,
    Pedro (não Paulo, mas não faz mal)

    ResponderEliminar
  3. Oi Pedro, (desculpe a troca!)
    Legal que saiu a publicação,
    Eu agradeço se puder me enviar o artigo.
    O e-mail é: guilhermepwcca@hotmail.com

    Fico aguardando,
    Um abraço!

    Guilherme

    ResponderEliminar