17 de novembro de 2008

SuperHomem no Século XXI. AAVV (Geraldes Lino/Efeméride)

Terceiro volume de uma série editada e publicada por Geraldes Lino para comemorar datas redondas em torno de personagens clássicas da banda desenhada (até à data norte-americanas), desta feita foi a vez de Super-Homem, personagem inventada no início dos anos 30 por Jerry Siegel e Joe Shuster mas a qual, após setenta anos de existência no interior da máquina (semi-)pensante do Universo DC, acabou por desenvolver uma personalidade fictícia que ultrapassa a soma das partes (as suas histórias).
Convenhamos que é uma personagem difícil, cuja obrigatoriedade em viver nos estreitos limites das regras editoriais da companhia que o detém, o torna muito pouco maleável a versões alternativas verdadeiramente interessantes - penso nos títulos Elseworlds, a esmagadora maioria dos quais absolutos sensaborões -, ao contrário da sua cara-metade, ou o outro lado da moeda, Batman. A luz que pretende sair desta personagem é tanta que ou se acabam por produzir pastelões enfadonhos (Alex Ross incluído), ou tem mesmo de se mergulhar novamente nas aventuras mirabolantes das décadas de 50 e 60, do trabalho de Julius Schwartz, Curt Swann e companhia, tom o qual Grant Morrison e Frank Quitely recuperaram com a série All Star Superman, recentemenre terminada. Quer dizer, é uma personagem cujas dimensões permitem histórias fantásticas e divertidas, desde que curtas, mas cuja tentative em fazê-lo desdobrar numa personagem de personalidade multifacetada falham redondamente, mais uma vez a contrário de Batman que, não obstante a obsessão meio-pobre de quase todos os escritores revisitarem o mesmo trauma de sempre, se consegue arrancar alguma outra dimensão mais surpreendente (se bem que não tão surpreendente como uma personagem verdadeiramente moldada por um autor, como por exemplo, às cegas, a Valentina de Crepax?).
Talvez seja por essa razão que algumas das peças feitas de propósito para esta edição tenham sido mais interessantes de experienciar do que muitas das histórias "oficiais" lidas nos últimos tempos... Nem tudo o que está aqui reunido é acabado, mas há de facto momentos altos, de um modo mais feliz do que nas publicações dedicadas ao Nemo e ao Príncipe Valente...
Por razões que serão óbvias aos leitores, são as histórias que mais escapam à gravidade kriptoniana aquelas que mais me atraem enquanto leitor. Marco Mendes, por razões que também deveriam ser óbvias aos seus leitores, desvia-se totalmente quer do tom mais geral desta publicação, que é o da homenagem e o da paródia (e, as mais das vezes, a homenagem-paródia), para criar mais um episódio das suas auto-ficções, para demonstrar onde páram os resquícios reais da heroicidade possível. Ricardo Cabral, aproveitando de um modo curioso uma imagem já existente antes para outros fins, cria um cruzamento entre uma ficção, uma autoreferência e a potencialidade de uma narrativa que resolve não desenvolver, mostrando, nessa inércia, a própria força da sua pequena história. Zé Francisco, de que já havíamos falado a propósito do seu trabalho, apresenta uma singela história melancólica, senão mesmo suicida, em que se cruzam uma série de referências da banda desenhada europeia, mas que servem para destilar um certo cansaço nas potencialidades fictícias da personagem...
Depois seguem-se objectos estranhos, de autores de quem se costuma dizer terem dado cartas, mas que aqui mostram afinal um cansaço deles mesmos... Pedro Massano e Victor Mesquita apresentam trabalhos que nos colocam a pensar que tipo de desvios é que as suas esperadas forças têm tido.
Mário Freitas apresenta um argumento com pernas para andar, mas uma vez que se esgota nas meras 10 vinhetas, e numa prestação gráfica que deixa algo a desejar face à sua promessa, acaba por nos fazer exigir uma versão mais desenvolvida, e menos esquemática. Envolver Kandor na última batalha do Super-Homem é um golpe de rins forte, mas é preciso preparar o terreno.
Uma surpresa é a história de Augosto Trigo, que apesar de nos ofertar com uma história de laivos algo antiquados (o tom pedagógico em torno da cultura nalú, a violência desnecessária de Kal-El, e a auto-representação em preparos colonialistas), cria uma espécie de mancha ou névoa de promessa narrativa - o cruzamento entre o trabalho sobejamente conhecido de Trigo e o tratamento desta personagem - com esta pequena página. Acima têm uma vinheta desta história, onde se inscreve o momento-chave desse cruzamento narrativo e gráfico.

Outros autores apresentam versões ora espatafúridas e divertidas - recordando algumas das prestações nos colectivos Bizarro Comics e Bizarro World - como Álvaro, Pepedelrey, Lam e até Eliseu (Zeu) Gouveia, que parece ironizar um tipo de aproximação aos super-heróis que ele próprio cultiva no seu trabalho profissional. Zé Manel, ilustrador conhecido, aqui no seu estilo mais ziraldiano, oferta-nos com uma versão muito à portuguesa de humor social, implicando o Super-homem na mais comezinha das crises, que é aquela em que mais rapidamente participamos... E Ricardo Santo, cujo trabalho se desdobra por uma série de fanzines e cuja promessa de uma edição própria se vem fazendo há muito, apresenta-nos uma versão verdadeiramente cool (ainda que também nos limites do paródico) desta personagem quase-esgotada.

Finalmente, uma última menção tem de ser feita a Zé Paulo que apresenta a mais hilariante versão da personagem. Um chorrilho de situações anedóticas simples mais num ritmo certeiro, este velho rezingão e doente é a cereja no topo do bolo da gozação possível sobre o último dos kriptonianos...
Alguns dos autores aproveitam para colocar o faneditor (palavras do próprio) Geraldes Lino como personagem das histórias, aumentando assim o tom paródico destas histórias, e de homenagem ao próprio cultor deste gesto, fechando assim o círculo do tipo de piadas privadas que constituem estes actos editoriais. E porque não?
Estamos perante um gesto de amor sincero e sem grandes preocupações de marcar uma diferença. Uma colecção de "parvoíces", digamos assim, feitas ao sabor da vontade e de um convite. Mas muitas destas parvoíces, sendo feitas em torno de uma das mais parvas das personagens, acaba por se transformar numa exploração bem mais interessante e inteligente do que aquelas que, oficialmente, se tentam levar a sério.
Nota: agradecimentos a Geraldes Lino, pela oferta do mega-zine.

1 comentário:

  1. É a minha vez de agradecer ao Pedro Moura a sua mega crítica, mega em duas acepções: a da extensão, e a da qualidade literária e de análise.

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