

É importante a informação de que o filme emprega uma técnica de animação chamada NPR, ou “Non-photorealistic rendering”, que permite um uso mais amplo de técnicas clássicas de cor e texturas sobre a animação digital, impedindo o aspecto de plástico usualmente inerente às CGI na animação (da Pixar ou da DreamWorks, por exemplo), e aproximando os seus estilos à da animação mais tradicional, que utiliza “células”. Ora isto permite, com todo o conforto e rapidez e possibilidade de recalibragem do trabalho permitido pelas técnicas actuais, a mesma impressão de sobreposição de duas camadas de duas dimensões cada – o “cenário” e as “personagens” – dos filmes clássicos. Já veremos qual a importância específica deste aspecto no contexto destes volumes.


Seja. É a “leitura” do segundo volume, feito de cenários, ou melhor, como discutirei, de paisagens, que suscita as notas seguintes. A colecção de cenários de animação, criados desta forma mais clássica, e a sua mostra tal qual, não deixa de poder ser vista de um modo simples como a dos preceitos técnicos, um gesto de clareza dos manuais de ensino. Mas ao mesmo tempo estes livros almejam uma outra função que não apenas aquelas previstas pelos coleccionadores, fãs ou profissionais. Há como que a possibilidade de formar um novo modo de imaginação (“formação de imagens”), e que se prende com as noções a explorar: a de que se está a mostrar a potencialidade de tornar fantasma a presença humana, pela sua ausência.
Ilan Manouach editou um livro colectivo intitulado Arbres en Plastique, Feuilles en Papier, no qual reuniu desenhos ao comprido de uma centena de autores representando paisagens variadas (umas realistas, outras fantásticas). Sobre elas, apenas se passeiam os olhos do leitor. No caso presente, resgatam-se os cenários sobre os quais seriam sobrepostas as camadas das personagens e peças móveis do filme de animação. Há, no livro, como que um recuo, a nível técnico. Mas ontologicamente falando, encontraremos antes uma diferenciação. A da projecção de imagens humanas precisamente pela ausência do que representa o humano. É fantasmático olhar estas imagens.
Também um dos blogs de Rob Richards, Animation Backgrounds, entusiasta da animação norte-americana, e, se visto de uma perspectiva, o livro Spuk de Niklaus Rüegg, incitam a esta (re)visão de espaços de ficção no qual a ausência das personagens que os tornariam efectivamente locais os fazem regressar a uma espécie de indistinto, de fundo sem nome (mas que não são fundo, como veremos). São particularmente as imagens com cenários preenchidos por construções humanas aquelas que lançam mais aceleradamente a essa sensação, mas também aquelas que seriam representações do natural, precisamente por serem representações (em maior ou menor grau de convencionalização, e é aí que a representação do “humano” vai mais além da mera presença de figuras antropomorfas ou simbólicas nesse sentido), ainda que de modo diferente, que sublinham essa característica fantasmática. Tratam-se de paisagens fantasmáticas.
Jean-Luc Nancy, em “Paysage avec dépaysement” (artigo de 2002 incluído em Au fond des images, de 2003), explora as associações entre pays, paysan e paysage como se de uma declinação se tratasse, procurando assim analisar não só a que caso essas palavras pertenceriam, mas qual a função da paysage nesse código. Aprendemos que se trata da de representação. A primeira lição que se aprende, de facto, é que a noção de paisagem implica sempre um olhar humano: ela não existe enquanto tal no mundo natural, por definição ininterrupto e implicado (a “bioesfera”); só o olhar humano e os seus condicionalismos culturais a fatiam nesta noção, digamos, portátil, a qual é, a um só tempo, “afastamento” e “pertença”. Existindo, ela representa esta nossa capacidade de a pensar.

A paisagem é, ainda com J.-L. Nancy, “o contrário de um fundo; o “pays” deve ser aí totalmente superfície, somente e por todo o lado”. Superfície perfeita. Mas em que superficial assume um significado positivo, visual. Retomamos assim a ideia da sobreposição de duas camadas de duas dimensões sem que se perca essa mesma natureza de duas dimensões na unidade compósita. Porém, é o apagamento das personagens do filme de M. Arias que torna estas imagens em paisagens particulares. A superfície, descobrimos então, é a do nosso próprio olhar. Uma outra camada que não impõe qualquer espessura.

Oi Pedro, tudo bem com você?
ResponderEliminarAonde eu poderia encontrar esse livro? Eu moro no Brasil. Procurei na Amazon mas não encontrei.
Um abraço,
Lelis
Olá, Lelis,
ResponderEliminarInfelizmente, duvido que seja fácil encontrar este livro nas lojas online como a Amazon. Esta é uma edição japonesa, por isso tentaria lojas que façam importação do Japão (estou seguro que no Brasil exitirão algumas), ou através de sites japoneses que façam envios internacionais.Por exemplo, a principal livraria de HQ/BD/Mangá do Japão, a Mandarake: http://www.mandarake.co.jp/
Espero que ajude.
Oi Pedro. Obrigado por sua resposta.
ResponderEliminarUm abraço,
Lelis