Ilan Manouach já publicou obras em grego, ora em francês ora em inglês. Não há indicação de que esta seja uma tradução, mas a presença de algum “broken English”, a ausência do título da obra de Pausânias (Descrição da Grécia) que se tenta citar – mas não aparece no corpo de texto presumivelmente por estar em caracteres helénicos – e outros pequenos indícios levam a que surja uma maravilhosa magia: é essa mesma tradução selvagem que torna a mente tortuosamente literária e avidamente poliglota de Manouach que se torna o veículo perfeito para a reinvenção e repetição dos mitos antigos. O famosíssimo koan zen do domínio do touro (na pequena história na Éprouvette 3), a história do tigre comedor de homens (em Le lieux et les choses qui entouraient les gens desormais), os vários trabalhos oubapiannos em torno do Petzi, do casal Hansen... E agora os mitos em torno da deusa Deméter, sobretudo o episódio em que ela se recusa a manter o ciclo da Terra enquanto a sua filha Perséfone não retornar, após o rapto por Hades. Cada novo livro seu, cada trabalho, apresenta-nos histórias já sabidas, mas que nos alcançam de uma maneira diferente daquele que guardáramos nas nossas memórias, mesmo que essas versões fossem já compósitas de muitas anteriores.
É como se Manouach estivesse “mais perto de casa”, sublinhando os ritos secretos em torno da “mãe dos deuses”. Este é um pequeno caderno, que mais lembrará um catálogo barato de uma exposição de ilustrações, onde cada texto acompanha a par e passo uma imagem, imagens essas, oito, muito diversas entre si em termos de estilo, materiais, aproximações. Não estamos perante uma obra tão coesa como as citadas anteriormente, nem uma que atinge os píncaros da estranheza (essa qualidade das obras de arte que nos obrigam a entender o que significa ver mais uma vez) como Frag, mas perante um breve exercício de abertura de significados, o que já em si não é fim pequeno. Descobrimos numa loja de curiosidades escavada nas rochas da Arcádia uma estátua com uma cabeça de cavalo, estátua de Deméter (ou Ceres, na versão romanizada). Isso leva-nos a sabermos da sua vida, da perda da filha, da sua recusa em fertilizar o mundo e renovar as estações, da crucificação no relâmpago do seu amante Íasion, das suas metamorfoses, da crise da terra...
Porquanto num tempo em que elas ganham não só estatuto de cidadania mas também provocam excessos e paixões na esfera da política convergem aqui também interpretações e atitudes ecológicas contemporâneas, e ainda associações filosóficas, em certa medida num entendimento de estarmos perante os “últimos dias”, a queda dos “dias dourados”. Não há redenção nem retorno em The Horse-Headed Statue. Porém, a aliança entre a leitura escatológica dos “sinais” e a criação da poesia, normalmente uma poesia cheia de (ou do que nos parecem ser) associações livres, imagens metafóricas inusuais, descrições absolutamente materialistas de objectos que não existem na lógica do mundo racional, não é novidade na História do Homem. Manouach tem contribuído para o crescimento desse tipo de obras que parecem pertencer a todos os tempos e horas, como já acontecera com Arbres en Plastique, Feuilles en Papier, agora com The Horse-Headed Statue e acontecerá ainda com um outro projecto em curso em torno dos... "fumos" (nos quais participarão alguns dos ilustradores da nossa praça).
Para mais informações: http://ilanmanouach.com/
Nota: agradecimentos a Ilan Manouach, pela oferta do seu novo pequeno livro.
25 de agosto de 2007
The Horse-Headed Statue. Ilan Manouch (auto-edição)
Publicada por Pedro Moura à(s) 12:24 da tarde
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário