
O emprego da palavra “mestres”, “clássicos”, “lendas”é muitas vezes banalizado a um ponto em que essas palavras já nada significam, a não ser uma categorização facilista para concursos e prémios que pouco peso têm na reflexão real e influente sobre o objecto que pretensamente pretendem legislar. Mas elas terão, de quando em vez, um uso mais certeiro. Pode até ser fluido, conforme circunstâncias – por exemplo nacionais ou temporais – mas terá de se apresentar enquanto argumento sobrevivente a longo prazo. Na senda de toda aquela “recuperação da memória” da banda desenhada que vamos citando recorrentemente no nosso espaço, todos os gestos que se seguem inscrevem-se nessa tendência contemporânea que contribui de uma forma incontornável para a consolidação de uma verdadeira canonização e, com ela, uma historicização e consequente problematização desta disciplina artística. Se bem que outros gestos se mantenham, com a edição completa da obra (ou dos títulos mais significativos) de Frank King, de Marge e John Stanley e Irving Tripp, de Chester Gould, George Herriman, Charles Schulz, Segar, Hal Foster, Roy Crane e muitos outros (e do lado francófono também se verifica a recuperação de muitas séries, se bem que mais pautadas por interesses comerciais do que por arqueologia do saber, ainda que haja pequenas pérolas em relação a clássicos como Tintin e Spirou nas suas formas hebdomadárias originais), estes dois gestos seguidos são igualmente importantes e cada qual com a sua aresta particular.

A última vez que nos cruzámos com a obra de Rubino foi na Modern Arf, que publicava algumas pranchas da série Quadratino, precisamente com a qual os editores deste presente volume abrem a antologia, sublinhando porém a informação, até com veemência, que foi aquela criação de Rubino que teve a vida mais curta. Com sete pranchas, dificilmente seria esta a personagem que deveria estar à frente da rememoração do autor... mas, que conceito!
Com a primeira prancha editada a 7 de Agosto de 1910, não será difícil irmanar esta pequeníssima série com muitos outros exemplos daquilo que poderíamos chamar “trick strips”. Se aproveitamos a nomenclatura dos “truques” cinematográficos, espécie de ementa de filmes sob uma mesma denominação, a qual corresponderia a uma qualquer técnica ou tema que dirigia toda a sua estrutura (isto existia, por exemplo, nos catálogos da Pathé), não se deverá somente à agregação desse mesmo truque-técnica mas também por alguns aspectos da sua construção. Esses filmes (Méliès é talvez o seu exemplo mais acabado) apresentavam sempre um cenário relativamente estético, perfeitamente enquadrado pela câmara, e onde se procurava um dinamismo interno a esse enquadramento mais do que pelos planos dos espaços (o que é natural pela falta de movimento da câmara). Em muitos aspectos, as séries Alphonse & Gaston e And her name was Maud, de Frederik B. Opper, Career of Cholly Cashcaller do anónimo “W.”, Sammy Sneeze e Little Nemo in Slumberland, de McCay, The Upside-Downs of Little Lady Lovekins and Old Man Muffaroo, de Verbeek, Clumsy Claude, de C.W. Kahles, entre tantas outras, farão parte dessa alargada família no sentido em que – mesmo havendo movimento de vinheta para vinheta, alteração de espaços, etc. - seguimos sempre uma mesma “perspectiva teatral”, com a presença central dos corpos inteiros das personagens, e uma visibilidade claríssima dos espaços circundantes. Nada do que está fora do plano é importante: é como se não existisse um fora de campo, essa ontologia de nada serve nestes trabalhos.


Claro que a arte magnífica, estilizadíssima, colorida, inscrita (pelos editores) no movimento artístico Stile Liberty (de Milano, sede do jornal Corriere della Sera, em cujo suplemento infantil, o Corriere dei Piccoli ou Corrierino, saíram estas séries, com uma excepção) marcam todas estas páginas e é maravilhoso atravessá-las. Algumas delas são marcadas pelo espírito da época, nem sempre algo que possamos herdar sem titubeações, como a mais que patente propaganda fascista de Dado, uma espécie de Il Duce infantilizado (um chibi avant la lettre?)...

Quadratino é de facto uma preciosidade. Deixo link com mais imagens do seu trabalho: http://www.old-coconino.com/sites_auteurs/rubino/index.html
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