26 de janeiro de 2013

bem dita crise! António Jorge Gonçalves (Documenta)


Este pequeno volume reúne uma centena dos cartoons que António Jorge Gonçalves criou para publicação no suplemento O Inimigo Público, do diário Público, desde o seu surgimento, em 2003, até ao ano anterior (mas tiveram igualmente outra circulação, inclusive no site do autor, e em imprensa estrangeira). Estes cartoons assumem, de uma forma cabal, aquele descritivo que deve ter por nome cartoon ou ilustração editorial.
Muito provavelmente o nosso uso do adjectivo “editorial” é mais restrito que o habitual, e informado sobretudo por um seu uso em língua inglesa. No entanto, estamos em crer que em determinadas abordagens, procurar-se uma maior exactidão terminológica e, consequentemente, conceptual, de uso, de implicações ontológicas, analíticas, etc., é imperativo. Portanto, ao utilizarmos o termo “editorial”, não nos estamos a referir somente a ilustrações que tenham sido criadas num contexto de um órgão de comunicação social - jornal, revista, ou outros meios -, ou melhor dizendo, queremos referir-nos a algumas das ilustrações publicadas nesses órgãos, que se diferenciam pelos contornos do seu uso, uso esse eminentemente - ainda que num sentido lato - político.
Ora, a nosso ver, esta faceta de Gonçalves preenche de uma forma aguda essa dimensão editorial, no sentido em que é a própria complexa matéria – temática, figurativa, estilística, actancial, de personificação e referência – dos seus desenhos que revelam o seu posicionamento. Alan Male, numa das suas obras sintéticas sobre ilustração, identifica cinco contextos do uso da ilustração (aceitemos, apenas a título da argumentação presente, a possibilidade da redução domesticada de “usos” ou “funções” de disciplinas artísticas), a saber Informação, Comentário, Ficção narrativa, Persuasão e Identidade. Interessa-nos particularmente os dois primeiros contextos, e o modo como se diferenciam entre si. Ambos os contextos apontam a uma relação quase directa de representação do mundo histórico, real, em que vivemos no momento. Mas se a primeira quer dar a entender aquelas criações imagéticas que conseguem, de formas variadas, estruturar uma informação objectiva (no sentido de objectual, de ser passível em ser interpretada enquanto documentação, instrução ou referência), a segunda já pretende dar conta de um pequeno grau de afastamento desses mesmos objectos e deixar entrar a personalidade e o juízo de valor do seu autor. É nesse sentido que o primeiro contexto incluirá toda aquela ilustração que fez um primeiro momento na imprensa, antes do surgimento da fotografia, ou toda aquela que ainda hoje é empregue na transmissão de dados, desde as mais estilizadas e diagramáticas infografias à mais precisa ilustração científica (usualmente sintética) ou técnica (usualmente analítica), ou mesmo aquela que, mesmo expressiva, artística, quer ser directa na referencialidade. E, portanto, o segundo contexto é o berço daquelas imagens que revelam apenas alguns aspectos, salientam características, sublinham perspectivas, assinalam posicionamentos críticos, tornando os próprios ilustradores em comentadores ou críticos. Esse gesto abarca a caricatura (nem toda, é certo), alguns cartoons e ilustrações (lá, está, “editoriais”), mas até mesmo tiras de banda desenhada (talvez o caso mais significativo contemporâneo em Portugal seja o de Luís Afonso).
As imagens de AJG não pretendem “ilustrar” uma situação, nem dar a ver um boneco de uma situação, e muito menos fazer humor pedestre em torno das questões abordadas – o que, a nosso ver, não é mais do que o suplemento semanal consegue atingir. Tal como outros autores, este autor prima os desenhos para se tornarem gatilhos de uma ideia breve, mas que por breve mais detonante se torna. Pertencem a uma família que se estende do rei-pêra de Daumier, pela obra de Thomas Nast, e a “Porca da Política” de Bordalo, às muitas imagens de revistas como a Simplicissimus, L’Assiete au Beurre, The Masses, e presenças n’Os Ridículos, na Combate e, ainda que com um instrumentário diferente, na Buraco.
Existem outros autores que colocam a arte das suas ilustrações ao serviço da desmontagem da hipocrisia e más gestões dos destinos dos cidadãos. António Antunes, numa posição de decano difícil de negar (ou estúpido de se o pensar sequer), avança caricaturas que revelam ideias poderosas e que desmontam os discursos das suas “vítimas” (penso sobretudo no Papa João Paulo II com palas de burro). Mas não me parece que Gonçalves faça caricatura. Essa disciplina é uma sucessão de particularidades encaixadas. Um retrato particular das particularidades de uma pessoa particular. António Jorge Gonçalves não utiliza esse instrumento de uma forma estrita, uma vez que os instrumentos gráficos empregues por este autor não se pautam por um cumprimento de virtuosismos fáceis (em que tantas vezes a caricatura descarrila, e só alguns Antónios e Andrés Carrilhos a elevam a modos de pensar), mas de transformação para exploração conceptual. Logo, e neste caso específico, o autor utiliza alguns dos princípios da caricatura com o seu intuito de identificação.
Depois temos aqueles autores que usam o cartoon e a ilustração ou a banda desenhada, ou uma mescla disso tudo, para recriar situações e lançar os seus protagonistas em reformulações dos eventos do momento. Cid é um gigante desse capítulo. E também há aqueles que, misturando géneros e níveis de humor, e até batalhas de classe e gosto, abrem caminhos mais brutos, mas nem por isso menos contundentes, como Manuel Vieira ou Vilhena. Todavia, tampouco nos parece que Gonçalves queira fazer humor. É como se estas imagens tivessem uma mais-valia se nos arrancarem um riso, mas não fosse esse o seu fito.
Aliás, António Jorge Gonçalves é mesmo "bruto" nalguns dos seus registos. Este livro não reúne todas as imagens criadas (visite-se o site para isso, para contextos, outros trabalhos e surpresas do acaso), e na verdade estão ausentes algumas que consideraríamos as mais fortes e ainda hoje necessárias na circulação. Como a que havia criado a propósito do debate sobre as uniões de facto, mostrando o Presidente da República Cavaco Silva em duas relações bem distintas (haveria espaço para esse desenho de humor na exposição do Museu da Presidência?). Ou outra, bastante complexa, de uma limusine Mercedes com Sarkozy no lugar de motorista subalterno a uma Merkel toda-poderosa, mas inerte, uma vez que as rodas, Euros, haviam sido roubadas e substituídas por urnas de votos. Como se a democracia fosse a verdadeira razão da inércia da economia pseudo-federalista. E entretanto, a personagem principal, inidentificável (quer dizer, sendo essa falta de caracterização a sua principal característica), se afastava da cena com os Euros debaixo do braço… Mas as ideias sobre o conflito israelo-palestiniano, as eleições e revoluções “democráticas” no espaço árabe, os contrastes entre as atitudes dos portugueses e de outros povos face a uma crise económico-financeira e política internacional, a cegueira provocada pelo culto ao futebol, a miséria de espírito de muitos dos políticos (George W. Bush, Merkel e Sarkozy, Berlusconi, Eduardo dos Santos, Durão Barroso, mas igualmente Cavaco Silva, Sócrates, Passos Coelho) são igualmente peças fundamentais para o retrato de um país e de uma época. Que papel terão daqui a dez, vinte ou mais anos? Outros aspectos mais diários, comezinhos, do tuning ao facebook, não deixam de ter o seu papel nestas crónicas, e merecerão uma atenção particular para se pensar se atingem ou não os seus fins, e com que vitórias em termos de imagens.
Munido de instrumentos os mais variados possíveis, e de uma cultura visual alargada, Gonçalves opta por uma figuração muito descontraída, uma captura das ideias quase num tom de rabisco impensado, de apontamento ao telefone. Como se houvesse uma urgência em captar a ideia pelos mais mínimos traços. Mas ao nos apercebemos do trabalho de composição de uma caricatura a Sarkozy, ou dos contrastes de linhas e direcções de um cartoon sobre nacionalismos, ou a particular expressão de Durão Barroso em situações diversas, o modo icónico como se contrastam os elogios às revoluções de certos países e as negas à possibilidade da imigração, e o reaproveitamento do tal património dos ícones da ilustração nacional para reimaginar as relações entre instituições (Povo/FMI, a partir de Abel Manta), entender-se-á que não há nada de repentino ou impensado nessa sua prestação. Mais, a opção do autor em não usar caminhos mais usuais na figuração e pelo virtuosismo, acentuam a ambiguidade destas imagens, reforçando dessa forma o seu impacto emotivo e de ambiente, de incómodo, e impedindo-as de se tornarem “cromos” ou objectos capitalizáveis fora do seu âmbito comunicativo. E essa é uma força.
Não penso ser um desserviço querer destrinçar estas questões, usos e limiares, ao colocar certos autores fora desse círculo criativo, mesmo contra as primeiras impressões e a forma como os discursos em torno deles são tecidos. Nada disto lhes retira o poder criativo, sugestivo, artístico de que são capazes. Ao querer não descrever (talvez fosse desnecessário explicar que não é o mesmo que “não querer descrever”) Nuno Saraiva ou João Fazenda, por hipótese, como autores cujas imagens são eminentemente políticas ou editoriais no seu sentido mais estrito, nada disso lhes enfraquece o poder autoral que se lhes deve reconhecer. Trata-se tão-somente de querer obviar à tal exactidão analítica a que nos referimos acima. E António Jorge Gonçalves, a nosso ver, preenche de uma forma contundente esta possibilidade da ilustração poder servir de arma de arremesso, ou de acto de provocação.
O título desta colecção é irónico, claro está, mas ao mesmo tempo, como muitas das imagens, desmonta desde logo uma ilusão que ainda persiste: a de que temos de navegar pelas águas auto-reguladas da economia de mercado. Como alguém escreveu, o capitalismo tem de ser entendido como um “neo-colonialismo cognitivo”, que não apenas lança a sua rede ideológica sobre tudo, como sobretudo cria a ilusão de que não existem possibilidades fora dessa rede, e que qualquer outra ideia é ela mesmo “ideológica”, negando dessa maneira a sua própria raiz ideológica e confundindo essas ideias com “ilusões imprestáveis”. Vejam-se a quantidade de imagens que o autor tece em torno de percepções, máscaras, enganos, contrastes.
O propósito do capitalismo é, em última instância, a da sua autodestruição. O niilismo do programa das Luzes, do racionalismo, do positivismo, da banalidade e progresso inexorável e cego do progresso leva a que no extremo esteja a aniquilação. O capitalismo financeiro exerce um poder terrível e esmagador sobre o capital produtivo, e até mesmo, ou pelo menos cada vez mais isso é claro como a água, os Estados e as suas instituições (a começar pelo processo da democracia representativa). Ora, são muitas as imagens do autor que dizem respeito à forma como o poder económico mundial funciona, não apenas em relação a negócios particulares (supermercados, petróleo, Venezuelas, CPLPs, especulação financeira) como no que diz respeito a instituições, povos, democracias, o papel do cidadão, que se perde antes em exercícios masturbatórios de vária espécie do que na procura de informação, formação e, consequentemente, de uma acção verdadeiramente livre.
Boaventura de Sousa Santos, em Portugal. Ensaio contra a auto flagelação (Almedina: 2011), escreve que “Democracia é toda a transformação de relações de poder desigual em relações da autoridade partilhada” (108). Daí que a democracia participativa, para além da (já gasta?, mas não será perigoso dizê-lo dessa forma?) democracia representativa, seja uma possível ferramenta de resistência. Não acreditamos que estas imagens de António Jorge Gonçalves possam constituir uma verdadeira ou efectiva “transformação das relações de poder”. Afinal, elas surgem num veículo que não partilha do mesmo tipo de tom nem do bom equilíbrio do autor entre virulência e ideia. Ainda assim, estas pequenas imagens de resistência conseguem revelar, ou instituem, entre autor, cartoon e leitor/espectador, uma “autoridade” e, acrescentaríamos nós, uma responsabilidade, partilhadas.
Nota: agradecimentos ao autor e à editora, pela oferta do livro (imagens da net, filme do próprio autor)

Jogo da Glória. AAVV (Quidnovi)

O subtítulo deste tomo é claro e explicativo: “O Século XX Malvisto pelo Desenho de Humor”. Projecto assinado por uma série de personalidades de grande importância na revalorização, recuperação da memória, circulação e até mesmo transformação crítica de toda uma serie de artes gráficas que incluem a ilustração, o desenho de imprensa e a banda desenhada no seu necessariamente novo papel num novo contexto social, este livro é um objecto obrigatório numa biblioteca mínima de referência. Apesar de haver um colectivo por detrás do projecto, estamos seguros não sermos ofensivos para com os intervenientes se destacarmos os nomes de João Paulo Cotrim, comissário da exposição a que este livro-catálogo se refere, e de Jorge Silva, designer do objecto, mas igualmente cúmplice no gesto museográfico, arqueológico, expositivo, editorial e do pensamento, em acção, que ele implica.
A exposição partiu de um núcleo de trabalhos pertencentes a uma colecção particular e identificada, a saber, a da família Ricon, que se encontra em depósito no Museu da Presidência da República, o qual recebeu este projecto, com muitas adições e participações de colecções institucionais, pessoais e até mesmo dos artistas vivos que nela se encontram. Mas independentemente do processo se desenvolver num qualquer espartilho circunstancial aos trabalhos existentes, ou aos instrumentos possíveis de criar, o que importa é entender qual o fito da estrutura que emerge deste livro. Como dissemos atrás, este volume parece ter um uso muito claro, que é o de objecto de referência. A parte de leão das imagens dos artistas seleccionados encontram-se em breves secções cronológicas, separadas por décadas e introduzidas por duas páginas, em spread, com breves datas e dados que reúnem o sumo histórico desses mesmos anos em termos de acontecimentos à escala nacional ou mundial, com particular foco nos campos da política e da cultura, ou de outras esferas que influam sobre essas áreas. Isso permite desde logo uma consulta rápida, simples, para confirmar ou providenciar uma qualquer pista que depois tem de ser perseguida com mais atenção. Não é este livro o local ideal para aprendermos um novo nome, apesar das pequenas biografias no fim do volume. Não é aqui que nos poderemos inteirar da força de uma qualquer publicação ilustrada, apesar de se encontrar aqui uma plataforma para conhecer um panorama alargado e variado de publicações dessa natureza.
Poder-se-ia apontar o facto de que as imagens surgem de uma forma reduzida, quase na dimensão de selos, ou que algumas das imagens foram já alvo de trabalhos anteriores – mais ou menos gravitando o mesmo universo de referências dos produtores, de Cotrim a Jorge Silva, passando mesmo por António Antunes, e às exposições, publicações e acções que os mesmos protagonizam. Por outra palavras, que este volume servirá menos como um catálogo de nova presença destas obras no nosso universo de referências do que como um volume de verificação, súmula e síntese desta longa e variegada história. Alias, arriscar-nos-íamos a dizer que ele deverá ser uma espécie de nexo entre essa outra obra expandida, de que haverá seguramente capítulos futuros (pensamos sobretudo nos livros assinados por Cotrim na Assírio & Alvim, por exemplo, ou as transformações do AlmanaqueSilva em objectos livrescos e catálogos). Todavia, é esse mesmo propósito que é preenchido cabalmente.  A prosa de Cotrim, que acreditamos ser aquela que pontua os textos de apresentação, e não apenas o texto introdutório, encontra-se na sua capacidade de síntese e poética mais aguda de sempre. Aliás, podemos encontrar neste verdadeiro compêndio, por assim dizer, uma espécie de súmula do trabalho de investigação, levantamento, divulgação e esclarecimento que ele tem cumprido ao longo dos seus vários volumes dedicados as nomes centrais da história e da contemporaneidade da ilustração nacional, de Bordalo e Stuart a Fazenda e Carrilho.
O centro nevrálgico do livro é constituído por uma colecção assombrosa de desenhos de imprensa, caricaturas, cartoons, desenhos editoriais, retratos, curtas bandas desenhadas, de tiras ou de página inteira, ciclos de imagens ora temáticos ora narrativos, pinturas, esculturas, instalações, stills de filmes de animação, de cinema, (querendo, ainda que não de forma sistemática, identificar territórios mais ou menos distintos entre cada um destes termos). Muitos objectos são fruto do trabalho solitário dos artistas, mas há casos de colaboração. Algumas imagens vieram a tornar-se icónicas e parte de um património colectivo, e que devem fazer parte da cultura geral de um português (o Pessoa de Almada, o Salazar à janela de Abel Manta, o “novo Zé Povinho” de António), outros são pérolas mais ou menos esquecidas mas que nesta ou anteriores recuperações deveriam ocupar o seu lugar respectivo (um mapa da Europa de Leal da Câmara, de que faláramos quandoda sua exposição, um pedinte geograficamente dividido de José de Lemos, o escudo quebrado de Cid, que bem poderia ser substituído hoje pelo Euro, um Gil monstruoso de Nuno Saraiva). E mesmo os casos de trabalhos que parecem ser de segunda linha, ou relativamente secundários face a um património mais vetusto, e haver mesmo exemplos de um humor ora brejeiro ora parolo, ora impenetrável (a ausência das supostas legendas e falas que iluminariam a situação cómica ajudariam, decerto, caso repetido da rubrica “O riso amarelo”, de onde partem, pensamos, as imagens de José de Lemos), tornam a potência arqueológica do livro particularmente sentida.
A inclusão de objectos muito distintos do que se consideraria mesmo uma família alargada de “ilustração de imprensa” ou “desenho de humor”, como o cinema ou as obras de arte no seu sentido mais restrito, encontram-se aqui não numa intenção de refundir nomenclaturas nem de elevar a nobreza do gesto expositivo e editorial, mas sim de contextualizar mas também de recomplexificar a relação desses mesmos desenhos com o mundo mais largo da criação e representação do mundo, assim como para dar a conhecer dimensões interdisciplinares ou multidisciplinares de alguns nomes, sejam os de Almada Negreiros ou de Sam, de Amadeo de Souza-Cardoso ou António.
Para além deles, o catálogo tem um suplemento de cerca de 100 páginas composto por dossiers temáticos, se assim os podemos chamar. Estes vários textos, que se apresentam no núcleo final, intitulado “sínteses”, são de uma qualidade muito díspar entre si, alguns dos quais densos em informação (sobre jornalismo, por José Miguel Sardica), outros pautados por experiências pessoais que informam a história (Paulo Costa Domingos sobre a censura), outros um pouco mais impressionistas (uma breve história do design por Mário Moura), mas todos eles compondo, no seu conjunto, uma exímia demonstração das variadas qualidades que pautaram o século XX português, nas suas especificidades mais renhidas, para bem ou para mal. Essa diversidade de tratamento é salutar, na medida em que a própria selecção dos sintetizadores é pensada nos seus contornos mais exactos, e multiplica assim as visões, instrumentos, sensibilidades, estratégias de navegação, mas nunca colocando em perigo ou em xeque a inteligência e completude que se lhe deve reconhecer.
No fundo, é talvez sob o signo da diversidade a toda a linha que este livro se estrutura. Sendo, como é indicado, um projecto montado sobretudo em torno de uma colecção particular, haverá ausências, é certo, sendo discutível se são “gritantes” ou “circunstanciais”. Mas é um balanço significativo e digno deste capítulo da história da arte portuguesa, e que deveria fazer pensar todos e quaisquer projectos que se arrisquem a querer surgir como representantivos da mesma área.
Nota: agradecimentos à editora, pela oferta do volume (imagens colhidas na internet).

14 de janeiro de 2013

Scalped. Jason Aaron e R. M. Guéra (Vertigo)

Como é já próprio (ou deveremos falar no pretérito, neste momento?) da Vertigo, o pressuposto editorial geral foi respeitado nesta série, recentemente terminada. Se não se tornou a simples adaptação à contemporaneidade de uma personagem/marca registada anterior da DC, no caso, Scalphunter, ela é o garante de uma mescla equilibrada entre os elementos típicos de dois géneros clássicos - o policial e o western (“Native American crime book”, nas palavras do escritor - e uma plataforma para explorar questões sérias, realistas, num enquadramento ficcional, a saber, a vida miserável d(e alguns)os nativos norte-americanos, confinados a reservas sem grandes possibilidades de uma vida verdadeiramente livre, digna e democrática.
A Vertigo tem angariado um capital considerável, uma vez que a sua origem coincidiu com a entrada de um grupo significativo de autores, mormente britânicos (daí a expressão “Brit Wave”, empregue na especialidade), na indústria de banda desenhada norte-americana, os quais trouxeram uma nova inflexão fantástica - no específico sentido técnico do termo - ou psicadélica ou pós-moderna aos seus géneros mais comuns. Essa primeira fase (Swamp Thing, Animal Man, Doom Patrol e, acima de todos em termos de exposição, The Sandman) daria depois origem a outras vias, sobretudo a de, no seio dessa mesma indústria, surgirem títulos capazes de lidar com o que se pode apelidar de “realismo”, num sentido literário. Ainda que não ganhem os contornos de outras esferas de produção, ainda assim pode argumentar-se que alguns títulos tentavam atravessar as veredas do mundo real, mas quase sempre com traços de fantasia, como nos casos de The Unwritten, The Exterminators, Vinyl Underground, Daytripper, ou Greek Street. Scalped, concebida por Jason Aaron e o seu editor, e desenhada sobretudo por R. M. Guéra, porém, abdica totalmente da fantasia, se exceptuarmos aquela alcançada pela religião (a qual, se não é partilhada, é sempre vista como “mito”).
Se se poderá argumentar que Scalped é uma série que tem como protagonista uma só personagem, Dashiell Bad Horse, um agente nativo americano do FBI infiltrado na reserva do povo Lakota Oglala no Dakota do Sul, da qual ele partira originalmente, para desmantelar a rede de tráfico de droga, influência e lavagem de dinheiro do chefe tribal local, e ao mesmo tempo resolver um assassinato de agentes que remontaria aos anos 1970, período de contestação radical da parte dos nativos americanos em relação ao poder central, a verdade é que a descrição de que se trata ao mesmo tempo de um retrato multifacetado dessa mesma localidade, e das redes de relacionamento político, económico e social que estabelecem com contextos mais alargados é a sua mais correcta apreciação. Scalped é uma espécie de radiografia, ainda que através da ficção, de uma situação real, histórica, e marginal aos discursos mais presentes, quer na cultura popular quer na mitologia nacional daquele país. Como Jason Aaron não se esquece de citar vezes sem conta, em parte a ideia que presidiu à sua escrita relaciona-se com o caso, real e ainda hoje debatido calorosamente por vários sectores da sociedade norte-americana, de Leonard Pelltier. Independentemente do posicionamento que se possa ter da forma como estes movimentos radicais tentaram resolver as coisas, quais os frutos que deram, que conquistas atingiram ou que fracassos sofreram (de uma forma análoga, poder-se-ia falar dos Panteras Negras ou de outros movimentos, mas o American Indian Movement teve as suas próprias especificidades), a verdade é que o alerta para a história do “Red Power”, as suas causas, consequências e estado das sociedades que mais lhe dizem respeito - como as reservas contemporâneas - são um sinal suficiente para demonstrar que a unidade dos Estados Unidos enquanto povo, corpo político e voz está longe da coesão que se pretende passar pelos canais mais oficiais (governamentais mas também da cultura popular). Ainda que não nos parece se poder dizer que Scalped é um instrumento de advocacia desses mesmos movimentos, ou sequer uma reivindicação da voz própria dos seus agentes - nesse campo, existem outros artistas, inclusive de banda desenhada - não nos esqueçamos do grande Jack “Jaxon” Jackson - , a batalharem pelos direitos dos Primeiros Povos -, ela pode ainda assim ser um sério contributo à atenção mais alargada desse enquadramento. Explora-se o espaço de negociação, presente na diegese, entre os tradicionalistas (e o Grande Povo Sioux é dos mais tradicionalistas) e os que pretendem “avançar” na sociedade euro-americanizada. E Aaron et al. ancoram de modo suficiente e inteligente a trama policial em questão nesta série numa mais alargada contextualização histórica, que teve no início da década de 1970 os seus sinais mais politizados (como o The Trail of Broken Treaties, por exemplo, ainda que não seja jamais citado na série).
Nenhum dos autores é nativo-americano, nem fizeram trabalho de campo para a série, ainda que muitas das leituras feitas por Aaron encontrem lugar na própria diegese, sobretudo pelas passagens breves nas bibliotecas de Gina Bad Horse e Lawrence Belcourt, que são aquelas personagens que mais se assemelham às figuras históricas dos factos reais em que o autor se baseou livremente. Uma das decisões importantes, porém, é que, ainda que a série fosse escrita, desenhada e editada por “forasteiros”, a economia da narrativa procure perspectivas “internas”, a começar pelo mecanismo do filho pródigo de Dashiell regressando à reserva…
O modo como são retratados o consumo e tráfico de drogas, o alcoolismo, as estruturas políticas e corruptas, o controlo policial extra-judicial, as dependências económicas, a pobreza, e a violência gratuita e banal, não são alvo de qualquer tipo de grau de exotismo, romantização, ou glamour. Bem pelo contrário, a crueza com que surgem e são tratados conferem uma força bruta e contundente à sua presença. Aliás, a pobreza será mesmo o cerne de Scalped, cujo título, enquanto logótipo, cortado a meio, não apenas mima a técnica particular de busca de troféus, própria à etnia representada, mas é signo daquela estrutura social.
Além desse papel verdadeiramente político, no seu sentido mais engajado até, Scalped é igualmente uma obra de algum grau de complexidade a nível narrativo que a coloca, ou deveria colocar, num local privilegiado de atenção pela parte de uma leitura madura da banda desenhada, enquanto meio. Regressando ao contexto generalizado da Vertigo, Scalped é um dos seus títulos de maior maturidade (e não apenas de fantasia para adultos), e de um equilíbrio de excelência entre as camadas textuais e visuais. Mais do que um novo modo de contar histórias de “cowboys e índios”, ou de gangsters, ou de novelas policiais, Scalped é, acima de tudo, um corrido e fluido retrato humano. Procura-se atingi-lo através dos géneros estabelecidos, ou procura-se misturá-los e subvertê-los para o libertar. Tem sempre uma camada debaixo da superfície do visível que, quando se alcança, fere: veja-se o “diálogo mudo” entre Dashiell e a namorada Carol, quando consomem crack e culpa (no número 19).
Uma das estratégias narrativas repetidamente usadas em Scalped é a da interrupção do presente diegético com analepses, ora muito recuadas (a infância ou juventude das personagens) ora menos (os eventos causais ou preparativos que dizem respeito imediatamente ao que se desenrola no presente), mas muitas vezes complicando aquilo a que poderíamos chamar a “motivação moral” dos protagonistas. Não é que se procure jamais justificar, desculpar ou temporalizar as acções das personagens, mas há uma recalibração dos seus papéis, para que se acentue a ambiguidade. Entendemos melhor o que os move, o que a vida lhes colocou à frente de forma a moldar o caminho que os levou até onde os vemos agora, e passamos, talvez, a ver com um grão de sal, a “maldade”, a “irascibilidade”, o “egoísmo”, e até mesmo o “niilismo” que os caracterizava à primeira vista. É aí que a polifonia particular de Scalped tem lugar, até de um modo distinto entre as focalizações, que navegam por entre as das personagens individuais e as do meganarrador. No quadro da grande narrativa, alguns dos comic books individuais centram-se em histórias individuais, ora de agentes da narrativa maior, ora personagens secundárias, ora mesmo figurantes. Tece-se um todo a partir das memórias de cada um, a experiência de vida de uma personagem específica num episódio curto, os diálogos mudos ou impossíveis construídos entre personagens através dos seus pensamentos mútuos, as vozes internas de algumas personagens, pelo menos num caso já após a morte, de modos sempre diferentes ao longo da série, e ainda temos acesso a matérias mais fantásticas, como as visões místicas de “Catcher”, o surgimento dos animais-totem de algumas das personagens, e alguns sonhos e alucinações de Dashiell. Estes aspectos narratológicos revelar-se-iam extremamente produtivos numa análise desse tipo a este título.
A porta de entrada de memória, além do mais, é ainda um factor de complicação político, já que o que está aqui em causa não são apenas as memórias pessoais de cada personagem, mas antes o modo como elas se encontram com as da memória cultural, a memória histórica destes povos. Aliás, se a leitura da série é verdadeiramente “empolgante”, por seguir muitas das mais sólidas regras do thriller em serialização, há um outro prazer contínuo pela intensidade desse mesmo retrato experiencial, e pelo alargadíssimo tecido histórico-social a que ela dá acesso. De certa forma, o encerramento da saga é até anti-climático, expectável pela simplicidade ou desviante do que se prometia (mortandade total), mas confirmando que a sua linha de força particular está na degustação, e não na resolução.
O trabalho do artista sérvio Guéra, que não é só creditado como co-criador mas igualmente o artista que mais esteve presente na série, como não poderia deixar de ser (ou será que apenas o sentimos por seguir pistas biográficas?), traz um ambiente “europeu” para esta série. Não apenas no que diz respeito à figuração, mais naturalista que cartoonesca (se bem que nalguns momentos se aproxime de um Risso, por exemplo, e nos últimos números haja maior melodrama), e em que os traços estilizados servem para sublinhar características dinâmicas, mas também na cor e na composição. Na cor, trabalhado assegurado por Lee Loughride nos primeiros números, e depois por Giulia Brusco, temos uma paleta de cores secundárias, baças, mas muito vincadas, e pejadas de sombras e negros densos (mas que se vai matizando ao longo dos anos). Loughride era ligeiramente mais propenso a trabalhos de um tom mais sombrio (sobretudo em analepses), o que nos parecia uma vantagem, mas seria Brusco a colorista desde o número 6 do comic book. E uma página como esta mostra como opções que nada têm a ver com naturalismo mas sim uma expressividade simbólica podem sublinhar as tensões diegéticas, as flutuações entre integração e corte radical, as alianças entre personagens e os elementos que se destacam em absoluto.
A composição faz um uso contínuo de vinhetas incrustadas, à la Cosey, para reforçar não apenas a ideia de um tempo misturado (em que a memória tem sempre um papel activo sobre o presente, onde qualquer acção pode subitamente revelar a sua raiz, onde uma reminiscência explode na sua tardia consequência), mas igualmente para não deixar transparecer uma ideia de que os papéis, os eventos e as relações se poderão alguma vez ancorar num qualquer fundo coeso: esse fundo não é mais do que uma ilusão, tudo neste universo diegético é líquido e dissipa-se e desfaz-se. Por vezes é empregue para dar conta de acções paralelas, outras para “desarrumar” a linearidade ou a fluidez da experiência das personagens. São essas características visuais que fazem pensar numa constelação de autores europeus dos anos 1970 que parecem ser os modelos de Guéra: Cosey, Ceppi, Derib, mas acima de todos eles talvez Hermann (Huppen), cuja série Jeremiah não deixa de surgir como uma espécie de sombra percursora de Scalped. Seria necessário um maior pormenor para entender onde se encontram as diferenças em todos aqueles momentos que Guéra foi substituído, quase seguramente por razões de deadlines, já que quase todos fazem as suas próprias artes-finais (e falamos aqui de John Paul Leon, David Furno, Francesco Francavilla, e num excelente número único, que pode ser lido isoladamente e tem mesmo o papel de cerne social do todo - “Listening to the earth turn”, no número 35 -, Danijel Zezelj, etc.), mas é impossível distendermo-nos aqui sobre essa matéria.
Voltando à comparação com Jeremiah… Se esta série norte-americana é mais realista, na sua relação com o mundo, o ambiente “pós-apocalíptico” da primeira não deixa de estar presente também aqui, só que na consciência de que o Apocalipse sempre teve lugar, contínuo, na destruição sistemática e sistémica de modos de vida e experiências culturais que não se conformasse à máquina do ocidente tardo-capitalista. Mas Scalped não cria linhas simplistas de uma “frente” contra outra: todas as personagens estão, de alguma forma, envolvidos em opções criminosas. São raros - ainda que os haja - os santos…
Tal como encontraremos em muitas outras séries de banda desenhada contemporânea que se alargam em centenas de páginas numa história única e coesa (em breve falaremos de 20th Century Boys, talvez um bom ponto de comparação neste aspecto), há um grande peso na questão da intriga, do suspense e das reviravoltas, mas que jamais nos devem fazer desviar a atenção de outras dimensões da narrativa como a da experiência cognitiva do todo, algo que, estamos em crer, é bastante forte em Scalped, dada as condições estilísticas e materiais da obra aqui em discussão, que permite uma maior “imersão”, por assim dizer, do que noutras mais estilizadas (como no caso do título japonês). Não se tratando propriamente de uma experiência pós-moderna, recorrendo a metalepses, a crises de causalidade ou de teleologia, ou outras estratégias não-naturais na construção da narrativa (quer dizer, após a leitura, os leitores criarão um “processo dinâmico de narrativização”, segundo Monika Fludernik, uma rede convencional e integrada de todos os elementos da fábula), ainda assim a estrutura temporal complexa, a polifonia e as várias perspectivas sociais criam uma experiência mais alargada que o mero plot policial. Nesse sentido, voltamos a fazer uma comparação com a série televisiva The Wire, aqui talvez mais completa do que no caso do Daredevil de Bendis et al., comparação anterior. No entanto, que fique a nota que esta comparação, se surge quase naturalmente pela leitura dos primeiros números, rapidamente encontra uma espécie de confirmação pela citação de Jason Aaron da mesma como uma referência, senão mesmo como influência, e mais tarde, pelo editor da série, Will Dennis, que a descreve como “um desafio, não um escapismo. Numa indústria construída na fantasia escapista, rema na direcção contrária”, querendo colar essa descrição tanto à série televisiva como a Scalped. E confirmando, ao mesmo tempo, que a sua recepção crítica restrita é mais significativa do que o seu sucesso comercial. Mas isso apenas confirma tendências mais generalistas em qualquer círculo de produção cultural… (uma outra comparação parece ser feita continuamente com Deadwood, mas infelizmente desconhecemos esta outra série televisiva).
De um ponto de vista de maior profundidade técnica, estamos em crer que um estudo à luz das teorias cognitivistas-narratológicas de Fludernik, por exemplo, que demonstram uma certa continuidade, na verdade, entre as técnicas mais elaboradas da literatura (e outros modos narrativos, se quiserem, onde se incluiria, sem exclusividades, a banda desenhada) e técnicas de narração conversacional, revelaria descritores mais apurados e completos da estrutura criada por Aaron. Mais ainda, as lições dessa teórica sobre o contínuo entre a oralidade a literacia, e a experiência visual, serviriam muito bem o propósito de sublinhar a qualidade aturada e austera dos diálogos de Scalped, os quais, na (nossa pequena e limitada) medida do possível, nos soam “reais”.
Haverá aspectos que parecem ser menos modelados que outros, como não poderia deixar de ser. Apesar de haver um alargado tecido social que é explorado, e as redes de contacto - envolvendo não apenas os Oglala, mas outras etnias, os brancos americanos, a comunidade Hmong, alguns neo-nazis motoqueiros, etc. - todos passam por um filtro “cool”, quase Tarantinesco, que por vezes leva ao limite o grau de realismo, apenas corrigido, digamos assim, quando se dá atenção a personagens secundárias. Como no caso do tal episódio desenhado por Zezelj, apesar do seu estranho “final feliz”; ou o retrato do mais jovem Dino Poor Bear, que testemunhamos tornar-se um, amargo, homem; ou ainda a maneira como o xerife branco da cidade vizinha acaba por ser moldado ao longo da série. Mais do que os protagonistas, são as personagens secundárias que sofrem mais reveses ou transformações de alma. Por outro lado, não deixam de existir algumas abordagens algo formulaicas. Afinal de contas, temos o herói envolvendo-se com a filha do seu chefe, para quem trabalha mas que irá trair mais tarde. Ou um agente federal obcecado com um crime que, quando descobre estar errado, cai num abismo desesperado. Ou o xerife mitómano que, quando assume as suas mentiras, quer conquistar a verdadeira honra, mas falha… Ou Carol, que apesar de uma vida totalmente entregue ao consumo de drogas pesadas, mantém o corpo perfeito de playmate. Ainda assim, todas essas peças compõem uma imagem muito equilibrada. Um dos leitores escreveu mesmo numa carta que havia passagens mais “sensacionalistas”, e isso é verdade, sobretudo, e quase por imposição, no último arco, “Trail’s End”, um proverbial “ou vai ou racha” da parte de quase todas as personagens. Nalguns momentos, a estratégia da “exposição” é feita de forma demasiado transparente, e não emerge da interacção expectável das personagens, fazendo-nos aperceber do desejo do autor em nos ensinar aquela realidade (o que, por si, é bem-vindo). Por exemplo, uma das personagens é homossexual, e não só há uma exposição seca sobre os berdache ou o papel e multiplicidade dos géneros nas culturas nativas americanas antes do contacto com os cristãos, como a própria associação dos homossexuais à violência extrema parece servir não só uma espectacularidade dramática como se cola algo enviesadamente à personagem de Omar Little, de The Wire. E alguns pontos da intriga, como a queda e re-ascensão do agente Nitz, a opção de Poor Bear, parecem ser ligeiramente forçados, ainda que sirvam ao propósito do todo. 
Scalped é um título de excelência cuja “invisibilidade” - em detrimento de outros títulos mais famosos, ou mesmo de transformação transmediática (The Losers foi adaptado ao cinema, pobremente, mas este projecto dificilmente teria um tratamento condigno) - apenas confirma, repetimos, a exigência a que obriga. A sua leitura tem de ser feita lentamente, para que no meio da miséria, da existência mundana terrível, do sofrimento, das traições e dos enganos representados, seja possível descobrirmos os retratos fiéis à natureza humana de que Aaron, com os seus colegas, é capaz de auscultar.  
Nota: agradecimentos a S.S., for putting us on its trail.