Carnet
de Portugal é um pequeno livro de desenhos soltos, apontamentos
de viagem, paisagens, pessoas, colhidos em Portugal pelo autor
francês de descendência portuguesa, Cyril Pedrosa. A associação
imediata deste pequeno volume com o livro Portugal é
inevitável por toda uma série de frentes: editorialmente, ele é
veiculado não apenas pela mesma editora mas na mesma colecção, a
Aire Libre (a qual se tem gradualmente afastado de alguns dos valores
que com se iniciara); autoralmente, por razões óbvias; em termos de
obra, uma vez que haverá pelo menos a “desculpa” de que o
trabalho de pesquisa (e vivência, se se seguir a veia
autobiográfica) para Portugal se encontrará aqui. Além
disso, uma vez que este volume é reproduzido no formato e
materialidade típicas de um Moleskine sensivelmente do tamanho A5,
procura mimar um determinado tipo de intimidade que apenas é
possível ao termos acesso aos verdadeiros cadernos e blocos de
desenho dos artistas. Não há propriamente introduções nem
elementos paratextuais (a edição polaca utiliza um anexo de
traduções, necessário, e que evita “poluir” as imagens em si,
mas devemos vê-la como “externa”), portanto o mergulho é
imediato. (Mais)
29 de agosto de 2014
23 de agosto de 2014
The Portent, Ashes. Peter Bergting (Dark Horse)
A
leitura e recepção do livro anterior de Bergting, Domovoi,
foi feita com algumas expectativas e cumprida também na ignorância
deste segundo livro. Se tivéssemos lido os dois livros e apenas
depois escrevêssemos sobre eles, é certo que a estrutura dos nossos
textos seria bem diferente. Pois se um livro esconde outro, como os
comboios, quase sempre, e repetimos esta ideia, a leitura de um leva
a que a leitura de outro seja executada de forma distinta. Tendo em
conta a ordem da sua produção, e a sua leitura, todavia, o que
ocorre em relação a The
Portent
é uma espécie de desilusão. (Mais)
20 de agosto de 2014
Domovoi. Peter Bergting (Dark Horse)
Este
livro é uma aventura leve, envolvendo fantasia, uma literal fuga do
mundo real, passagens por entre ingredientes clássicos da literatura
infanto-juvenil, e uma abordagem artística e técnica totalmente
devotada à legibilidade máxima. De certa forma, poderíamos dizer
que não é “nada de novo”, mas essa asserção não é em si
mesma suficiente enquanto leitura e muito menos como juízo de valor. (Mais)
15 de agosto de 2014
Les incrustacés. Rita Mercédès (L'Association)
O
que acontece quando nos deparamos com um livro que se sente ser uma
bateria de referências buriladas ao ponto de reviverem e cruzarem
linhas de interpretação que se vão confundindo e obrigando a reler
não apenas o texto em si mas toda a cultura que o permite? Uma outra
metáfora seria a de uma pequena colónia de organismos, mais ou
menos identificáveis na sua singularidade, mas que, agregados num
mesmo espaço, acabam por se multiplicar e reproduzir entre si,
criando mutantes que tanto conseguimos identificar como nos lançam
em dúvidas... A única hipótese, de navegação, é
tentarmos alguns dos mapas mais familiares, e esboçar uma rota, e
esperar que possamos chegar a algum porto. É possível, porém, que
os escolhos sejam demasiados e criem antes a ilusão de chegarmos a
algum lado, quando na verdade estamos ainda perdidos. (Mais)
13 de agosto de 2014
École de la misère. Yvan Alagbé (Frémok)
Se,
quando lemos um livro, estaremos necessariamente a criar elos entre
ele e muitos outros lidos anteriormente, ou que prometemos vir a ler,
como muito bem indica Christian Rosset na sua crítica a este mesmo
título, em du9, elos propostos pela coincidência de um autor, de um
tema, de um estilo, de uma editora, de uma referência ou uma
qualquer idiossincracia do leitor, o que sucede quando percebemos,
logo à partida, que este livro vem desdobrar elementos diegéticos
que provêm de um livro anterior? (Mais)
11 de agosto de 2014
La véritable histoire de Spirou. Christelle et Bertrand Pissavy-Yvernault (Dupuis)
Como
já havíamos indicado a propósito do livro de Ph. Tomblaine, 2013
foi o “ano Spirou” ou o “ano groom”
na Bélgica, para comemorar os 75 anos desta personagem famosa, e
também indicáramos brevemente a existência deste projecto
monumental. Estando, paralelamente a estes textos no lerbd, a
escrever um artigo de análise de alguns dos novos livros com esta
personagem, e utilizando este volume como referência incontornável,
é ocasião para uma sua (“breve”, como de costume) apresentação. (Mais)
9 de agosto de 2014
Choc, Les fantômes de Knightgrave 1. Stéphan Colman e Éric Maltaite (Dupuis)
A
banda desenhada actual, em termos globais, atravessa uma fase de
contaminação constante que atravessa géneros, idiomas, geografias,
estilos e mesmo condições editoriais de uma forma mais ou menos
original na sua história. É evidente que não se pode afirmar que
os vários pólos de produção tiveram desenvolvimentos estanques em
relação uns aos outros, que as “linguagens” (no sentido
aventado por Neil Cohn) não tiveram pontos de convergência e
influência mútua, que cada território se consolidou de forma
totalmente independente. No entanto, até certo ponto pode dizer-se
que a banda desenhada seguiu graus de singularidade, sobretudo
nacional, que não têm par nas artes mais internacionalizadas do
cinema, da literatura, das artes plásticas ou mesmo da fotografia e
do vídeo. Não deixa de ser curioso, logo, sermos testemunhas de
cruzamentos mais evidentes. (Mais)
8 de agosto de 2014
Sandman, Overture # 03. Neil Gaiman e J. J. Williams III (Vertigo)
Se
bem que prometêramos seguir o exercício de ler, aqui, cada um dos
comic
books
que comporiam esta concentrada saga (ver aqui para os números 1 e 2), a verdade é que à medida que
eles surgem, há inevitavelmente uma diminuição do que há a dizer.
Pois pouco nos importa uma interpretação página-a-página, ora
tentando adivinhar pistas futuras ora desvendando rotas de
influências e fontes intermináveis. É desde logo uma certeza que
Sandman
tem de ser forçosamente uma rede densa de intertextualidade, já que
é essa a sua própria razão de ser, enquanto produto de ficção e,
no interior da sua diegese, é ele a fonte de todos os textos... (Mais)
5 de agosto de 2014
Binnenskamers. Tim Enthoven (Bries/De Harmonie)
A
Bries tem produzido toda uma série de livros de extremo interesse em
termos visuais, nos últimos anos, sobretudo no que diz respeito,
claro, a autores locais (belgas de expressão flamenga e holandeses,
sobretudo). O novo livro de Dominique Goblet, numa colaboração com
Kai Pfeiffer, também será lançado em co-produção com a Frémok
no mês de Setembro, mas a força desta editora reside nesses
talentos menos circulados no território francófono. No entanto,
muitos desses autores, como Dieter Van der Ougstraete e Wide
Vercnocke, parecem inclinar-se mais para prestações puramente
visuais do que propriamente devedoras ou mesmo reformuladoras das
estrutura e narratividade mais típicas da banda desenhada. Ainda que
o holandês Tim Enthoven seja também um autor proveniente da área
das “artes visuais” - termo paradoxalmente jogado contra
a banda desenhada -, a sua relação com esta arte é mais profunda,
íntegra, íntima e, francamente, inovadora. (Mais)
2 de agosto de 2014
Spirou aux sources du S... Philippe Tombaline (L'Harmattan)
Discutivelmente,
Spirou
é uma das séries que compõem a “sagrada trindade” da banda
desenhada franco-belga clássica, com Tintin
e Astérix,
mas provavelmente ocupando um lugar inferior em relação a essas
duas. Em termos de vendas, de influência, de significado histórico
e até de “baptismo” de géneros, Spirou
não teve o mesmo peso do que a obra de Hergé e a de Goscinny e
Uderzo, mas ocupa um lugar extremamente influente na cultura bedéfila
franco-belga, e aquelas que a seguiram, como a portuguesa. E, claro
está, se afunilarmos a atenção para com a dita “escola de
Marcinelle”, mais tarde inflectida da dita “escola Atome”,
então sem dúvida que Spirou,
ou melhor, o Spirou
de Franquin, tem um lugar de particular destaque, senão central (tal
como a de Hergé o teve em relação à escola dita “de Bruxelas”
ou da “linha clara” e a de Goscinny-Uderzo na banda desenhada de
sátira social francesa dos anos 1960). E mais, se tivermos em conta
os seus fãs, mesclando princípios nacionalistas e políticos
sectários, muitas vezes Spirou
é jogado como o herói puro (“o malandro de grande coração”,
como rezava uma publicação durante a 2ª Grande Guerra [ver imagem abaixo; traduzi espiègle, termo valão, por "malandro", mas outras palavras serviriam, significando alguém que faz malandrices sem maldade, e que estará na origem do nome da personagem]) em
contraste com o “colaborador” Tintin... (Mais)
1 de agosto de 2014
Fish. Bianca Bagnarelli (Nobrow)
Sem
precisarmos de fazer uma colheita pelas mais diversas culturas ou
recorrer a dicionários especializados, a mais simples leitura deste
pequeno livro fará entender que os peixes previstos no seu título
estarão presentes não apenas na sua qualidade tangível animal mas
igualmente por assumirem um papel simbólico. Talvez o de criaturas
que permitem uma consciência e até mesmo algum possível diálogo
entre dois espaços incompatíveis naturalmente, mas que também se
revestem de significados mais culturais, como acima de tudo aquele
que separa o reino dos vivos e o dos mortos. (Mais)