
Question for all Comics Scholars and Curious Hunters too.
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Existem, porém, diferenças, que nalguns patamares apenas elevam ainda mais Panter aos píncaros de um experimentalismo olímpico, e algumas das experiências do colectivo do Fort Thunder como irresolutas. Em Dal Tokyo, de Panter, tínhamos uma progressão de vinhetas, tiras mesmo, que fariam pensar nas estruturas típicas desse tipo de banda desenhada norte-americana. Mas a “estória” não existia, passando-se de imediato a uma dissolução da narrativa que importava antes entender como uma sucessão de memórias e referências da mente de Panter, referências algumas fáceis de repescar, outras obscuras, e cujo exercício se tornaria potencial nos livros, Inferno e Purgatory, onde a cultura erudita se torna pasto para essa sua acção.
A criação e fruição das pranchas (as “modernas”) deve ser feita, de acordo com as palavras do autor, em “cobra”, isto é, lidas da esquerda para a direita na primeira fila, descendo imediatamente para a vinheta debaixo da última e da direita para a esquerda e assim sucessivamente (veja-se aqui um exemplo mal scaneado de metade uma prancha). Na verdade, a palavra certa é boustrophedon, sendo um sistema de escrita antigo mas que viria a cair em desuso. O que este sistema permite, em termos de escrita e leitura é uma economia de meios e de tempo e um aceleramento, quer do acto da leitura quer da visualidade implicada, que se multiplica ou exponencia pela presença de uma carga informativa poderosa (pormenores, padrões carregados, muitas personagens, textos crípticos, etc.). Este tema da aceleração do olhar foi lançado nesta fórmula por Balzer no último número da Satélite Internacional, falando sobretudo dos livros saídos do Dernier Cri, mas associando-se a Panter também, o que nos permite estas associações contínuas e quase circulares. O que se pretende não é uma acalmia do olhar, uma observação ponderada e reflexiva de uma imagem parada, mas antes uma transpiração e uma ênfase vertiginosa (que rima com os exercícios e as atitudes inerentes ao tipo de música – noise – que o autor preconiza; v. em baixo).
Cartoon Workshop/Pig Tales [Picture Box Inc./Paper Rad] é um livro duplo. Tem duas capas e podemos ler ora por um lado ora pelo outro, até ambas as linhas se encontrarem no centro do objecto-livro (estratégia excelente para narrativas simples, como tentámos, a Koh, Eun-Kang e eu, no zine infantil Uma porta serve...). No entanto, não se tratam de duas “metades” que se complementam num todo, mas unidades individuais e autónomas. Já descrevi Pig Tales, e como seguimos as vidas dos membros da “all-girls” Lap Band. Cartoon Workshop tem um título claríssimo em relação ao seu programa. Coligem-se aqui pequenas histórias, por vezes de apenas uma página, ora a cores ora a preto e branco, as maiores apresentando algumas das personagens (ou versões delas) com que já nos havíamos cruzado em B.J. and da Dogs ou no site, nos vídeos, etc. As histórias menores são reminiscentes das anedotas de uma página ou meia-dúzia de vinhetas que encontraríamos (nós, leitores portugueses) na última página das revistas da editora brasileira Abril, em títulos baseados nas personagens do estúdio de animação Hanna-Barbera (identificam-se aqui o Manda-Chuva/Top Cat, o elefante Tantã, o jacaré Uóli/Wally Gator, o Magro/Abbott, e ainda os Marretas e o Boris de Alceu e Dentinho/Rocky and Bullwinkle). Mas também para além desse quadro de referências, são identificáveis as presenças de personagens que derivam de brinquedos e bonecos, desde os Trolls ao Gumby e ao boneco dos M&Ms, do Potato Man a tudo o que é possível moldar com o brinquedo mais fabuloso e nojento alguma vez inventado, o Blandi Blub.
Wunderground: Providence, 1995 to the present [RISD Museum/Gingko Press] é um catálogo de duas exposições-irmãs que tiveram lugar em Providence, a cidade onde existiu o Fort Thunder, o grupo de artistas que albergava e ainda outros movimentos análogos, companheiros, rivais, etc. quase todos envolvidos na Rhode Island School of Design (de onde saíram também os Talking Heads). A exposição era constituída por dois núcleos, sendo o primeiro de centenas de posters e flyers (Providence Poster Art) dos concertos, teatros, e lutas de wrestling havidas no seio desta comunidade artística, o segundo por uma série de instalações e ambientes (Shangri-La-La-Land) criados por um núcleo duro de artistas, entre os quais os nossos mais conhecidos Mat Brinkman, Brian Chippendale, Jim Drain e Leif Goldberg. Sem surpresa, o catálogo apresenta esses posters e flyers, fotografias dos concertos e outros eventos, imagens das instalações antigas, dos espaços de trabalho e da exposição que apresenta; dois textos de apresentação, uma entrevista que contextualiza a “cena”, e uma colecção de “reminiscências”.
Uma das vertentes mais discutidas por todos os intervenientes textuais é a relação que é possível entre um grupo de artistas que esteve durante tanto tempo alheia à institucionalização das artes (mesmo localmente) a ter lugar no mais significativo museu do burgo, entre a atitude de liberdade total (leia-se até “caos” e “anarquia”) com uma visão crono-histórico-museográfica. Essa é uma discussão que está sempre presente, inclusive no nosso espaço curto de acção artística, como se depreende sobretudo da “cena do Porto”. Mas além desse aspecto central de ética e posicionamento político no mundo das artes, há também um outro aspecto, idêntico mas directamente relacionado com a esfera do estético, que este catálogo exerce sobre o trabalho passado, que é o da legibilidade e da tradução. A esmagadora maioria dos cartazes eram ilegíveis ou pelo menos era necessário atravessar vários níveis de deslindamento para se perceber sequer onde e quando e com quem eram os eventos (este poster de Brinkman anunciando os “mal-odiosos” Melt Banana está a meio-caminho); a sua integração num design limpinho e certeiro do catálogo acaba por enjaular essa energia e mordeduras num discurso mais fechado. Ainda assim, e havendo contacto com as músicas das bandas relacionadas, sobretudo dos Lightning Bolt e dos Forcefield, e com os DVDs editados com os seus filmes de animação lo-fi, poder-se-á criar uma imagem à distância próxima da virulência e verve dos movimentos. Além de que, sobre a leitura dos livros de banda desenhada e ilustração indicados, poderá providenciar dimensões de profundidade.



Hokusai. First Manga Master (versão inglesa de um livro originalmente francês) é uma selecção de algumas das páginas da imensa obra em quinze volumes Manga, de Katsushika Hokusai, que foram sendo publicadas entre 1814 e 1878, largos anos já depois da morte do artista (1849). Tendo em conta o difícil acesso (por razões de ausência de edições baratas e antológicas no Ocidente) a esta obra, este pequeno volume de cerca de 150 páginas é uma porta de acesso à mesma.
O conceito que preside a todos os volumes de Manga é, como já repeti, o da série. Ele é extremamente importante para um pensamento como o de Hokusai, um pensamento sobretudo pragmático e expressivo. Todos os dias, como uma espécie de gesto mágico-profissional, desenhava um leão-do-sol, o karashishi, como prece por um bom dia. Estes desenhos seriam apenas reunidos décadas após a morte do artista, mas a ideia de série está ainda mais patente na obra que publicou em vida, sobretudo os famosos dois livros dedicados ao monte Fuji e um outro em torno do rio Sumida. A ilustração redutora ou propriamente dita – a criação de imagens para explicitar um determinado conteúdo narrativo verbal anterior – também não foi território alheio ao mestre japonês. Exemplo máximo disso é a sua versão do clássico Viagem ao Ocidente, do qual o mais recente Dragonball derivaria igualmente. Em todos estes casos, porém, é fácil encontrar qual o “centro” a partir do qual as séries se estabelecem, divergem e retornam. Mas nos volumes de Manga a série parece perder um centro, já que se sucedem desenhos organizados por temas mas sem aparente estratégia organizativa. Ou antes, esse centro parece explodir e tornar todo e qualquer canto do mundo num potencial ponto de atenção onde converge a acção de Hokusai. Os editores deste volume organizam os desenhos por classes (animais, plantas, seres mitológicos, etc.), mas mesmo havendo algum princípio mínimo em cada volume original, são princípios relativos e nunca absolutamente claros (veja-se aqui a reprodução de um dos volumes originais, seguido de algumas imagens do interior).