30 de janeiro de 2006
Sardine de l'Espace + Ariol. Emmanuel Guibert, com Joann Sfar e Marc Boutavant (Bayard)
Na verdade, dá-se aqui conta de duas séries que já reúnem 5 títulos a primeira (Ariol – um jovem burrinho que todos os dias tem de ir para a escola, mas lá chegando não se importa) e 10 a segunda (Sardine de l’Espace – jovem menina que vive aventuras siderais com o seu tio), mas que mais recentemente foram reeditadas em formato de álbum, como uma espécie de “crescimento da respeitabilidade” ou se procurassem uma maior “vida de estante”. São duas séries infantis escritas por Emmanuel Guibert, ele próprio desenhador de várias excelentes séries que tanto se imiscuem em questões de linguagem formal como das intensidades próprias de um tema recorrente, a saber, a memória, tanto em La Guerre d’Alan como Le Photographe. Ariol é desenhado por Marc Boutavant, ilustrador professional de vários trabalhos para um vasto público mais jovem, e Sardine de l’Espace por Joann Sfar.
Guibert trabalha num outro plano, como não poderia deixar de ser. Tendo como público crianças novas em idade de leitura (e o vocabulário é haddockiamente rico, mas não difícil – para uma criança francesa, pois eu preciso de dicionário), e apresentando as histórias curtas, sempre de dez páginas cada uma, numa revista (tendo sido depois reunidas em pequenos volumes que reúnem entre 4 a 6 das histórias), não nos admirará que elas sejam simples, lineares, sem variar de estratégias narrativas, registos gráficos, etc. Para além do mais, a “moral” é também directa, onde os “maus” são “maus”, e cada dia se segue como se não tivesse existido um “ontem”. Assim, os eventos de todos os dias tornam-se aventura. Não obstante, são todas personagens de imediata atracção, graças ora a detalhes que instalam crises permanentes nas histórias – por exemplo a relação do pirata “Épaule Jaune” com a mãe extremosa, a paixão de Ariol pela vaquinha Pétula, a sua crise em não ser considerado “burro”, entre outros...
Ariol fará lembrar quase de imediato, neste nosso espaço de discussão, o título Spiral-bound, sobretudo pelo emprego da “ilusão” dos animais antropomorfizados, mas mantendo ainda assim as suas próprias características comportamentais e ambientais... Outra ligação será a obra do profícuo Richard Scarry, cujo nome poderá não ser e imediato reconhecimento, mas cuja imensa obra também foi traduzida e divulgada em Portugal para um público infantil dos anos 70-80. A utilização de animais para parodiar e, ao mesmo tempo, de uma forma subtil, elogiar o comportamento humano é apanágio destas novas fábulas, e é uma tradição respeitável, na qual um dos mestres foi, como não podia deixar de o ser, Carl Barks.
Quanto a Sardine, o proveito é mais imediato, até pelo ritmo dito alucinante, e não tão ressonante em termos humanos, pois aposta antes na espetacularidade, mas é um daqueles títulos cujo intuito em “fermentar a imaginação” não pode falhar, com a profusão de personagens secundárias, estranhos planetas, criaturas tão hediondas como ridículas, procedimento inusitados, etc.
Porém, se estas estórias parecem ser desprovidas de sentido lógico, de continuidade, de objectivos unificados, não deve isso surgir como um problema, mas antes como precisamente uma osmose à mentalidade das crianças.
Nota: É uma pena que não esteja nos planos editoriais a tradução destas obras, num mercado que continua a apostar sobretudo numa certa linha “politicamente correcta” para crianças, pouco atenta a algumas experiências intensas entre nós ou simplesmente à loucura ilógica que é própria das crianças (neste aspecto, a televisão está mais atenta). + Normalmente, os posts são sobre livros que me pertencem, comprados, salvo empréstimo, que anoto. Neste caso, os livros foram requisitados da Medieteca do Instituto Franco-Português, cuja secção de banda desenhada não é nada desprezível, e aconselho aos bedéfilos francófonos e francófilos.
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