17 de agosto de 2006

Guerres Civiles. Jean-David Morvan, Sylvain Ricard e Christophe Gaultier (Futuropolis)


Estoutro título da Futuropolis 32 poderia ser ligeiramente mais interessante, uma vez que tenta explorar as relações humanas e as cadeias da amizade sob a pressão de uma guerra civil, para a qual os autores se basearam nos acontecimentos recentes dos tumultos nos subúrbios, nas várias guerras civis em países ou ocidentais ou árabes mas que não deixavam se ser (ainda o são) metrópoles contemporâneas... França desagrega-se, rompe-se por todos os lados, Paris está na iminência de cair na mão “deles”, e é preciso lá chegar antes de tudo, os amigos separam-se e fazem-se promessas de sobrevivência e comunicação.
Mais uma vez, todas estas informações são externas ao próprio livro, o que nos faz desconfiar em “notas de intenções” nestas publicações todas, contribuindo assim para o aumento demográfico do Inferno. Mais uma vez, este livro é vago, com buracos informativos que em vez de contribuir para um ambiente de absurdo e de caos, aponta pura e simplesmente para questões adiadas de trama narrativa. Mais uma vez, estamos perante uma sequência de episódios soltos do que uma verdadeira necessidade de partes encaixadas entre si (Aristóteles). Mais uma vez, a arte do desenhador (Sylvain Ricard) parece ser fruto de um maior esforço do que de eficácia: os desenhos não deixam de ser interessantes, dentro dos limites de um novo “realismo descontraído” (onda cabem autores como Chester Brown, Jeffrey Brown, Ludovic Debeurme), mas se o artista se soltasse mais e não estivesse preocupado com exactidão – que jamais atinge – talvez conseguisse pelo menos um estilo solto mais aprazível.
O mais grave, parece-me, é de natureza ética. Tendo existido de facto uma série de guerras civis ou desagregações nacionais que levaram ao aparecimento de alguns dos mais conseguidos livros em banda desenhada nos últimos anos (Persepolis, Safe Area: Gorazde, Daddy’s So Far Away... We Must Find Him), parece-me que este exercício entre amigos, que se fazem auto-representar como as personagens sofridas nesse universo, acaba por ser um culto demasiado ensimesmado e pouco respeitoso para as dores reais que se passam no mundo, e cuja exploração fictícia não serve tanto o propósito programado (as relações humanas e de amizade) mas pequenas “piadas de guerra” (as pessoas a fugirem da bomba de gasolina por causa dos tanques).
Enfim, um programa editorial que se preocupa mais com os objectivos gerais e finais do que no prazer que cada parte deveria causar no presente, na leitura efectiva dos objectos que nos ofertam. Posted by Picasa

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