9 de dezembro de 2006
Headgames/Morvel. AAVV (Meathaus&Alternative Comics/Angoulm Prod)
Estas duas antologias poderão ser discutidas em conjunto por uma simples razão. Ambas são criadas por um colectivo de jovens artistas, estudantes de artes gráficas ou áreas contíguas à ilustração e banda desenhada, com pouco ou nenhum trabalho editado em plataformas “visíveis” (apenas fanzines localmente produzidos e distribuídos de difícil acesso, ou colaborações esporádicas com várias revistas, uns quantos poucos títulos esparsos), que se reuniram numa publicação precisamente para atingir novos e mais alargados públicos. A relação de conjunto é diferente, porém. As estratégias de aproximação à criação de um espaço comum são diversas, diferentes entre cada projecto, mas ambos atingem um mesmo patamar, pouco arriscado e até inconsequente, da criação de banda desenhada.
A antologia Headgames é uma das edições da Meathaus, mas desta feita com apoio e co-edição da Alternative Comics, e reúne muitos dos seus autores habituais e outros novos. Alguns desses autores têm trabalhos próprios editados, como Thomas Herpich, Farel Dalrymple, Troy Nixey, Scott Morse, Jim Mahfood, ou Tomer Hanuka, o qual, com o irmão, publicou um dos mais interessantes títulos de comic books dos últimos tempos dos círculos alternativos, Bipolar. Outros editam aqui o seu primeiro trabalho, como disse, “visível”. No entanto, quer os autores mais conhecidos quer os novos acabam por ter uma prestação aqui medíocre, mas nem sequer atingindo com essa palavra o sentido mais histórico que eu havia utilizado a propósito de Kazuichi. Falo mesmo de um sentido mais banal, corrente: algo que não atinge um patamar mínimo de expectativas, quer as criadas pelos trabalhos publicados anteriormente, alguns deles com qualidades surpreendentes (como com Herpich). O título remete para uma expressão norte-americana que significa todo o tipo de ardis que fazemos uns aos outros com enganos, ilusões, mentiras, controlos que tentamos exercer sobre o próximo através de um poder de domínio mental (e moral). Este significado não é ilustrado pelas histórias curtas de um modo directo nem completo, mas sente-se sem sombra de dúvida que esse conceito está ali como uma matéria de trabalho, causa, sombra. Mas todas elas são praticamente vulgares, se não mesmo falhas e fracas. Parecem não mais do que pequenos exercícios de necessidade de uma expressão juvenil, sem grande ponderação ou diálogo entre um mundo aberto e conhecedor de outras experiências mais conseguidas em termos criativos (na banda desenhada e para além dela). As únicas excepções parecem-me ser uma assombrosa alegoria sobre juventude e morte, por Matthew Woodson, um enigma onírico, de Keith Graham, e a segunda história curta, a cores, de Herpich, que é uma versão de uma conhecida anedota circular.
Morvel é uma edição que reúne um colectivo que dá pelo nome de Morveaux (“Putos ranhosos”, em francês; e percebe-se o trocadilho de fusão com “Marvel”). São todos de Angoulême (possivelmente da escolha dirigida por Smolderen?) e cada um com o seu estilo particular, mas todos dentro de um estilo que se poderia chamar de “internacional”, e que ronda tanto o mangá como a banda desenhada infanto-juvenil francófona , passando ainda por estilos mais góticos (lembrando, por exemplo, Roman Dirge). O projecto é coeso até certo ponto. Cada autor ficou responsável por uma personagem, para a qual elabora uma pequena história; mas todas estas personagens se cruzam entre si, surgindo em cada história, e estas também se encaixam de vários modos umas nas outras; assim, no final, temos a ideia de um espaço-tempo diegético relativamente unificado e uma acção conjunta. No entanto, diferentemente de outros projectos de que já falámos antes (Seth, Clowes, Sapin), uma vez que se tratam de vozes autorais diversas, não se poderia esperar que cada um dos fragmentos funcionasse como uma unidade coerente. O que acontece é que cada uma das histórias é, enfim, fraca narrativa e estilisticamente. O tom geral é infantil e de aventura, tentando-se criar um álbum que possa ser lido por um público muito jovem e vasto e ávido de aventuras que sejam capazes de reunir toda uma série de referências díspares numa só história (super-heróis, ninjas, ciborgues e robots gigantes, histórias de terror e monstros da floresta, fantasias folclóricas, etc.). Nessa perspectiva, só mesmo uma verificação directa do seu sucesso comercial responderia se esse projecto e objectivo é cumprido. De um ponto de vista estritamente estético, estamos perante um objecto de muito boas vontades mas com um fraco poder de concisão e completude.
Não existem, de facto, dicotomias entre os meios e núcleos de produção europeus e norte-americanos, com ou sem o seu historial e mercado por detrás. As experiências de jovens estudantes, como em casos já anteriormente discutidos, nem sempre são capazes de nos ofertar propostas desafiantes. Estes dois casos confirmam que a voz autoral não é atingida com esforços mínimos, nem tampouco a visibilidade material de uma publicação.
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