Este é o livro mais ambicioso da saga desta personagem, e seguramente que, não apenas pela sua circulação, divulgação, formato e apresentação física, mas também pela desenvoltura gráfica e narrativa, será aquele que mais facilmente chegará a um público ligeiramente mais alargado e diferenciado. Além do mais, é também o livro que, na economia dos anteriores, escapa de certa forma ao género do humor (ainda que mesclado com o policial e o absurdo) para tentar ser uma estrutura mais complexa. O seu grau de autonomia é também assinalável. Porém, subsistem algumas dúvidas se de facto consegue
O impaciente inglês conquistar a complexidade que aparentemente parece almejar.
À imagem do aardvark Cerebus de Dave Sim, Super Pig é uma personagem única, zoomórfica, que vive num universo aparentemente realista, habitado por seres humanos normais, salvo todos os pontos de entrada do absurdo e do fantástico a que as narrativas obrigam. A economia de distribuição de papéis é assim idêntica à de
Cerebus, se bem que as inscrições narrativas e de género sejam bem distintas. Se a obra do autor canadiano nasceu enquanto
pastiche de
sword-and-sorcery para rapidamente entrar num opus complexo de crítica social e filosófica (concorde-se ou não com as posições, controversas e vincadas, do autor), Mário Freitas parece ter dado origem a esta sua personagem para criar um espaço onde pudesse explorar toda uma série de ideias, desde pequenas anedotas ligeiramente veladas da psique nacional a conceitos devedor ao absurdo transformado em palco de conspirações. Todavia, o tom geral sempre foi o de alguma leveza, que
O impaciente inglês tenta abandonar, tornando mais palpável a rede de referências, quer históricas e reais, quer a géneros mais densos. Depois de termos seguido alguns passos da vida do protagonista, a sua entrada numa instituição fundada pelo pai (Fundação Calouste Pig), e um desvio pela sua infância (em
Roleta nipónica), este volume coloca-o no centro de uma trama que se estende por séculos, originando-se em Inglaterra (ou Reino Unido), passa pelo seu pai e vem desembocar na sua pessoa. No entanto, esta descrição pode dar a entender uma estrutura fluida e - não obstante a complexidade e linhas intricadas que pudesse assumir - coesa que, infelizmente, não possui.
Não somos, de modo algum, seguidores de qualquer tipo de dogmas para chegar a uma valorização de uma obra, achando que
algo deve ser assim ou assado, ou se se não cumprir uma qualquer “regra” que se chegará necessariamente a um resultado menos satisfatório. Todavia, tendo em consideração que
Impaciente se inscreve de modo claríssimo numa tradição que se pretende narrativa, clara, e até mesmo respeitadora de certos géneros, então aplicam-se determinados desejos de ordem. Há dois que importa salientar. Por um lado, a ideia muitas vezes repetida do “show, don’t tell”, que abordaremos já de seguida. Por outra, a do encadeamento das partes, e que nos remete para o princípio de todas as teorias da narrativa. É de Aristóteles a lição primordial da
Poética: naquilo a que o filósofo chamava de “enredos simples” (isto é, o
mythos, por oposição aos versos), distinguir-se-ão aqueles que organizam as partes, ou episódios, através da sucessão, “uns após outros [
met’allèla] sem uma sequência verosímil ou necessária”, daqueles que as encaixam através de “uma relação de causalidade entre si” [
di’allèla]. Isto é, consideraremos a existência de partes isoláveis e identificáveis enquanto tal, mas estudar-se-á se elas criam entre si uma relação de necessidade, de emergência de um tecido suave diegético, ou se mantêm a sua qualidade isolável. Ora estamos em crer que em
Impaciente a ambição de gerir toda uma série de planos de desenvolvimento, conceitos e tempos, alguns deles de grande interesse, acaba porém por fazer rasgar a possibilidade de uma maior inconsutilidade, e cria antes uma catadupa de eventos relativamente desconexos. Ou pelo menos, como reza a expressão, aqui justíssima, “presos por um fio”, não sendo este fio aquele condutor de uma narrativa totalmente coesa. Apesar de, como dissemos atrás, a ambição e produção deste volume o tornar de facto o livro mais acabado na série em termos gerais, talvez não seja ele o mais equilibrado em termos diegéticos. Até pela sua concentração, é
Roleta nipónica o que apresenta a estrutura mais elegante (apesar da ausência de cor no final não lhe garantir o fechamento do arco, parece-nos), já que os anteriores livros também sofriam daquele encadeamento de episódios “soltos”.
Esta realidade descritiva vai desembocar no problema de acedermos a informações sobre as personagens mais pelo que nos é revelado textualmente, pelas próprias ou pelas outras que os rodeiam, do que pelas suas acções efectivas delas nas narrativas. Esse é um dos outros problemas para chegar a uma leitura suave de
O impaciente inglês. Consideremos a personalidade de Super Pig. A sua construção é muito curiosa e devedora, em larga medida, de várias tradições da banda desenhada facilmente reconhecíveis. Mário Freitas lança a sua personagem zoomórfica num universo de seres humanos, mas em que todavia rapidamente essa opção não dirá respeito a uma qualquer fantasia, possibilidade de maravilhoso, mas antes tão-somente a um equilíbrio actancial muito curioso. O que vai permitir ao autor jogar com toda uma série de referências (todo o conjunto de piadas em torno de temas suínos, sendo aliás os trocadilhos uma constante na sua escrita) como escolher, conforme as necessidades, um tom ora mais realista, ora mais fantástico, ora mais humorístico, etc., demonstrando assim a sua liberdade de géneros fechados.
O problema é que a personagem Pig é, no fundo, uma cifra, que está totalmente dependente das acções em que é colocado, e de certa forma quase sempre as resolve enquanto factor
ex machina. Não compreendemos jamais, apesar da leitura dos livros, o que é que esta personagem faz, e muito menos a razão pela qual ela parece angariar a fama e o respeito dos que o rodeiam. Ele é respeitado, sem dúvida, mas não testemunhamos jamais as acções que o levam a conquistar esse respeito. Por exemplo, “sabemos” que ele ajuda a polícia em determinados casos, mas a forma como “vemos” esta personagem a resolver casos nunca é graças aos seus poderes de dedução ou de acção, mas antes chega lá quase por acidente. Já na Fundação, à qual acede por um estranho convite - quer dizer, ele é filho do fundador, e tenta-se demonstrar que não é essa a razão pela qual é convidado, mas tampouco se percebem quais as qualidades que tem para ganhar essa confiança - parece reduzir-se a papéis relativamente simples, desde escolher “bolsistas” (possivelmente um brasileirismo para “bolseiro”) ou a revelar uniformes à
trekkie. Neste ponto, importa apontar que o papel desta Fundação também não é totalmente claro (arte, ciência, educação, tecnologia de ponta, numa espécie de cruzamento entre a Gulbenkian e a Wayne ou Future Foundations?). E a sua (quase) infalibilidade à mesa, na moda, na pista de dança, a conduzir helicópteros que jamais tinha visto, torna-o uma espécie de James Bond
improptu ou instantâneo, mas que não ajudam à construção gradual da personagem, julgamos. Será ele então respeitado por ser um bom economista, ter dotes físicos e de combate, uma inteligência superna, ou - enfim, a imagem que mais resiste e sobrevive - ser uma pessoa com dinheiro? Regressamos ao início do parágrafo: parece ser quase uma cifra, passível de ser modelada conforme as necessidades dos eventos que se seguem, e não uma exploração interna da sua personalidade e limites que levem a acções e reacções
necessárias. (Como é natural, abster-nos-emos totalmente de considerações biografistas e psicologizantes, apesar de existirem suficientes pistas textuais e paratextuais que permitiram interpretar a personagem como um avatar ficcionalizado do próprio autor, onde ele poderá ou não projectar experiências pessoais; mas sendo essa uma opção de todo e qualquer autor, ela não pode tornar-se um instrumento de leitura e interpretação, que se tornaria abusivo e falso). E se a interpretarmos dessa forma, e recordando ainda a
autonomia do título, poderíamos perguntar-nos se não poderia ser a história tecida em torno de outras personagens, sem que se perdesse a estrutura e interesse? Provavelmente a trama, intricada e com pontos promissores de desenvolvimento, ganharia se fosse um universo autónomo.
O mesmo poderá ser dito das personagens que o rodeiam, inclusive da família, mas tendo tão pouco tempo de presença e desenvolvimento na acção da narrativa, não há espaço para as expor. E acabam por surgir quase sempre reduzidas a uma ou duas características-chave. Repare-se como a figura da mãe parece problemática e um obstáculo na vida de Pig, mas não há interacção e conflito suficiente entre eles para perceber o que minaria essa relação. Mesmo o pai surge como uma versão ligeiramente diferenciada do seu filho. Sabe artes marciais, fala japonês, tem características infalíveis em termos culturais e de negócio, e recebe uma honra incomparável da parte de Churchill, para quem havia trabalhado como secretário, mas sem que compreendamos as razões que o levaram a conquistar essa honra. E tendo em consideração que o que herda de Churchill - a língua de Shakespeare - é o garante da glória britânica, não é clara a razão de ser um português quem a deve proteger de seguida (quer dizer, trocam-se palavras, explícitas, mas não é clara a
razão).
Não obstante essa redução das personagens a agentes que servem de
eixos mas não
agentes das acções propostas, as ideias esgrimidas em
O impaciente inglês são curiosas, imaginativas e estranhas de um modo inusitado, permitindo ao autor estabelecer uma trama complexa que nasce na Inglaterra isabelina, com Shakespeare e o mago John Dee, para atravessar vários dos momentos da sua história, muitos nomes sonantes - e até bastamente famosos - para desembocar em Churchill, passar pelo desvio, em Portugal nas mãos dos Pigs, para finalmente espoletar a acção central do livro. As várias heranças da língua, que passa por Milton, Wilde, e Darwin, por exemplo, poderão fazer recordar alguns leitores da intricada linha do Priorado de Sião, divulgado pelas obras de Baigent, Leigh e Lincoln, e popularizado por Dan Brown, mas são muitas as outras fontes, populares ou eruditas, possíveis de arrolar na leitura deste livro.
Os leitores de Grant Morrison, Neil Gaiman e Alan Moore conhecerão muitas dessas referências, e até certo ponto podemos imaginar que esta aventura é uma espécie de homenagem a esse trio importantíssimo de autores, e às suas ideias e elementos costumeiros, e mesmo alguns personagens, como Shakespeare, John Dee ou o trio de Byron e os Shelley. Os conceitos estrambólicos de Morrison estão presentes, por exemplo, na língua, que poderá recordar a cabeça de São João Baptista de
The Invisibles, tal como o grupo L.I.V.E.H.A.T.E poderia associar-se às várias guildas de
The Doom Patrol; as incursões pela história e a emergência de uma sustentável conspiração mágica terá muito de
Sandman, e existem referências explícitas a
From Hell. No entanto, perguntamo-nos se a catadupa de informações e linhas de fuga temáticas e de conceitos acaba por vir a coalescer-se numa narrativa fluida. Na verdade, algumas das ideias não são claras de todo, especialmente no que diz respeito aos “recipientes” da língua, as relações entre estes e os poderes instituídos (porque é que a Rainha Vitória se parece subitamente com um monstro? Não haveria alternativa em quem recebia? Por que razão está interessado o Kent Waite contemporâneo num plano de conquista cultural que não se havia debatido anteriormente?). E bastaria perguntarmo-nos “quais são os poderes efectivos da língua?” para desafiar essa compreensão.
No entanto, Mário Freitas apresenta toda uma série de ideias notáveis e particularmente operatórias na sua narrativa,
trouvailles que contribuem para a mecânica densa do livro e, como toda aquela ficção efectiva, trazendo elementos fantasiosos que, depois de inventados, se tornam como que mais verdadeiros e interpelantes que a pobre e apagada “verdade histórica”. Dois desses mecanismos são a forma como as linhas da Union Jack se tornam o símbolo “fechado” que terá um papel preponderante na trama, ou a “explicação” do consumo de álcool e charutos da parte de Churchill (que, se por um lado complica a concepção explícita do poder da língua, faz pensar que o autor presta uma bela homenagem ao poema “Bluebird” de Bukowski). Há uma linha que tenta explorar o lado mais emotivo das personagens, sobretudo naquele friso inferior a cinzentos que demonstra (parte) da relação entre o Super Pig e o seu pai Calouste, que é em larga medida paralelo à acção, mesmo visual, de
Impaciente, e que aponta à potencialidade de uma exploração bem distante da parte mais espectacular. Além do mais, existem várias cenas em que a interacção entre as personagens, os diálogos, os silêncios e os desenlaces das mini-acções, as transições entre cenas, são extremamente contundentes e efectivos, como no início da alucinação de Pig ou a página do epílogo.
Toda esta densa saga transhistórica e mágica é apresentada num veículo igualmente complexo, naturalmente. Em termos de composição, é bem possível que seja uma negociação entre a planificação de Freitas e a visualização de Pereira. Tendo em consideração os anteriores livros, que também se abandonavam a construções de página vistosas e complexas, não deixam de se detectar os mesmos princípios em
Impaciente, e que nos fazem pensar nalgumas escolhas de Williams ou Quitely (sobretudo
We3), como havíamos discutido a propósito de
Sandman: Ouverture. Porém, se nestes últimos autores existem construções complexas mas judiciosas e que acentuam os significados (dinâmicos ou outros) do que é transmitido conotativamente na prancha, a esmagadora das opções da saga de
Super Pig acabam por atingir um certo excesso. Não sendo impossível compreender todos os níveis da narrativa em curso, os efeitos estão ligeiramente mais próximos da pirotecnia do que numa fluida construção de sentido.
Roleta nipónica era mais simples, e por isso equilibrado, e este novo volume volta a escolhas agudas, mais uma vez sublinhando a sua ambição. Nalguns casos, a clareza leva a uma fluidez de acção e reacção, como no caso do jogo de squash entre Pig e Rios de Massa, noutros casos pretende gerir várias linhas de atenção, como na cena inicial do encontro entre Pig e Kent Waite (pgs. 6-7), mas na recta final do desenlace existem opções que funcionariam melhor numa estrutura menos fragmentada. A constante alteração de ângulos, posições e planos nem sempre contribui para tornar mais interessantes as cenas, e a construção de espaços cheios e pormenorizados acentuam a sua ausência imediata (como a cena no escritório de Silva Mendes).
Em algumas das reacções ao trabalho de André Pereira, é curioso ver repetidas algumas das ideias, por vezes,
ipsis verbis, do que foi dito na apresentação pública do livro no último FIBDA, mas sem que se procure compreender o valor das palavras e a correcção dos conceitos empregues. Uma primeira abordagem tem a ver com a figuração do artista, apelidada aqui e ali de “grotesca”. No entanto, que sentido quer essa palavra tomar? Estará a referir-se a uma forma de desenhar corpos menos atreitos às regras naturalistas da anatomia, ou a algumas das linguagens gráficas mais clássicas? Se as comparações ao trabalho de Frank Quitely funcionarem, em termos de figuração, terá que se compreender que dirá menos respeito à “potência física” dos corpos desenhados pelo autor britânico repetindo-se nos dos do português do que a uma formulação que distorce os rostos dos do primeiro (veja-se a capa de
Terra Dois, publicado há pouco tempo em Portugal, e repare-se como a Mulher Maravilha parece um homem, e todos eles partilharem princípios estruturais), e todas as formas do segundo. Pereira não tem, de facto, uma linguagem suave,
streamlined, uma vez que ele se inscreve numa escola mais “nervosa” (havíamos falado de Troy Nixey antes, mas haverá muitas outras referências).
Ou será mesmo possível regressar ao sentido daquela palavra na história de arte, que o associa às
grottas italianas, isto é, às ruínas romanas e pinturas simples aí encontradas, por volta do século XVI? Mais especificamente, esse seria um vocábulo para descrever as pinturas ornamentais, cheias de motivos florais ou zoomórficos, que se compunham numa faixa vertical. Só mais tarde é que seria aplicado à literatura, e sugeriria ideias do ridículo ou absurdo, do monstruoso e do anormal. A palavra assume sempre, portanto, um tom relativamente pejorativo, sinónimo de “feio”, ou pelo menos de “distorcido”, “não conforme”, “estranho”, a ideia de excessivo. Se forem estes últimos sentidos, então notar-se-á sem dúvida que, apesar de Pereira ter criado uma história dinâmica em
Inner Math/Mega Fauna, e depois em
9:2:5 ter perseguido antes um registo quase autobiográfico (nele podia-se testemunhar em parte o processo de desenho d’
O impaciente), as suas opções figurativas, e sobretudo das expressões dos rostos, eram muito calmas e recatadas. O tipo de melodrama exigido pela saga de
Super Pig, porém, lança-o numa zona de algum desconforto, e de facto notam-se alguns momentos mal conquistados nos momentos em que as personagens se exaltam, gritam, ou são surpreendidas. Pereira domina a continuidade dos corpos, mas nos grandes planos dos rostos perde-se alguma da coesão necessária.
Não obstante, de todos os artistas que desenharam o Super Pig, André Pereira é aquele que traz uma verdadeira personalidade gráfica (para além de mascote publicitária) e coerência interna para o projecto. Se podemos ver em Osvaldo Medina uma boa prestação, com
Roleta, ela era-o por contrastar com alguns dos problemas de incoerência, prosaica se não mesmo insípida dos primeiros capítulos, já que mesmo assim não está ao nível do seu
A fórmula da felicidade. E há algo no
desenho em desequilíbrio de André Pereira, entre o caricatural, ilustrativo, “abonecado”, e o épico, dinâmico, modulado, que torna este universo diegético mais conciso.
Como se sabe, as estratégias do autor-editor têm sido a de sublinhar e tornar visíveis as mais possível todas as funções na economia de produção de um livro, o que é um gesto relativamente inédito entre nós, quer em termos de constituição de equipa quer em termos de atribuição e importância pública. Se sabemos que poderá sempre existir alguém responsável pela cor ou legendagem que não os artistas principais, é raro que se lhes dê lugar de destaque (o nome na capa, uma apresentação pessoal, etc.), pelo menos na tradição europeia, apenas há pouco tempo “corrigida”. No entanto, isso não significa necessariamente que, respeitando-se as contribuições
artísticas desses intervenientes, que levam ao resultado final, aceitemos o mesmo grau de
responsabilidade autoral (se bem que esta questão mereceria uma discussão maior, existindo casos-charneira nas quais as cores são decisivas não tanto na mera “beleza” como na construção de significado).
Ora as cores de Bernardo Majer são
suficientes, mas questionamo-nos se merecerá uma discussão própria mesmo no nosso contexto de difícil profissionalização. Afinal de contas, não estamos perante um trabalho intenso e singular de cor directa como, por exemplo, aquele de Mattotti, Miguel Rocha ou de Diniz Conefrey, ou as expansões líquidas de Lynn Varley ou Pratt, os graus acima da linha clara de Yves Chaland e Isabelle Beaumenay-Joannet no
Incal, nem de uma modulação da cor detalhada, com Photoshop, de Dave Stewart ou Matt Hollingsworth. No entanto, na ausência de um “mercado” (trabalho sustentado, acesso a tecnologia, assistentes e remuneração que liberte de outras responsabilidades, concentração e exclusividade), o domínio de uma ferramenta destas irá acentuar sobremaneira a expressão da arte original. A esmagadora maioria da coloração é feita com a escolha de uma cor para cada superfície, e as sombras na mesma são feitas com algumas gradações mais escuras (ou traços mais claros para dar toques de reflexos de luz, auréolas de brilho, etc.). Há uma procura por alguma ambientação geral diferenciada conforme estamos no “presente narrativo” ou em cenas pretéritas (a saga da língua, os
flashbacks a cinzentos da infância de Pig), eficiente, mas em termos gerais acaba por se criar uma espécie de camada plana e sóbria, senão sombria, de uma ponta à outra. Além do mais, o desenho de Pereira opta precisamente por linhas nervosas, inclusive nos corpos e rostos, que já os modulam de uma maneira, que nem sempre é seguida com justeza (o que é diferente de “precisão”) por Majer. Contraste-se, a título de exemplo, esta galeria de rostos (pg. 37). Dito isto, não deixam estes de ser gestos conducentes à emergência de uma verdadeira coordenação de talentos, de extrema importância, e nada disto reflecte a qualidade do trabalho de Majer a solo, cuja obra é de uma solidez considerável, e que o inscreve numa escola de jovens autores que mesclam princípios da ilustração e da banda desenhada, de uma sensibilidade muito europeia. Futuros trabalhos anunciados possivelmente revelarão o seu traço a um público mais alargado do que aquele atento aos concursos nacionais.
Assim sendo, o equilíbrio de
Super Pig.
O impaciente inglês torna-a uma obra a ler atentamente, e a compreender o seu papel na economia da produção contínua da saga, e dos seus autores envolvidos.