Quando falámos do primeiro número deste comic book de Crane, havia uma sensação de não apenas
ter chegado tarde a um ciclo deste tipo de publicações pela parte
dos grandes nomes da banda desenhada indie dos anos 1990, como
se entendia que, seja como for, haveria uma forma de trabalhar algo
distinta. Passados dez anos, a existência de apenas mais quatro
número da mesma publicação – e outros projectos pelo meio,
sobretudo livros – leva de facto à confirmação que Crane procura
manter menos viva a ideia de um número anual (ou mesmo “annual”,
como se diz nos Estados Unidos a números especiais e maiores de um
título), como é praticado por Adrien Tomine e Seth, do que
simplesmente deixar em aberto um veículo à sua produção quando
pronta... (Mais)
31 de maio de 2016
18 de maio de 2016
Disaster Drawn. Hillary Chute (Belknap/Harvard)
O novo livro de Hillary
Chute é dedicado à banda desenhada não-ficcional, e mais
especificamente a formas da banda desenhada que criam narrativas
associadas ao acto de testemunhar atrocidades, de forma a não deixar
que elas desapareçam não apenas dos anais da história como da
experiência imediata das comunidades. Autobiografias, biografias dos
outros, modos documentais, reportagens, o escopo de Chute é tão
alargado quanto concentrado, como veremos, para demonstrar como a
banda desenhada é um meio particularmente apto, ou apto de maneiras
particulares, para a “devolução de vozes” das vítimas de
processos históricos. (Mais)
15 de maio de 2016
Will Eisner. Champion of the Grahic Novel. Paul Levitz (Abrams Comicart)
Independentemente de se querer atribuir quase poderes
sobrenaturais de invenção e paternidade de uma forma de arte, ou o/um modo de a
cumprir, a uma só pessoa (o que ocorre com nomes tais como Töpffer, Hergé,
Bordalo, Tezuka, etc.), de se querer arvorar quase de modo absoluto e
descontextualizado uma determinada obra em todo um complexo campo de produção,
de se querer mesmo apreciar essa mesma obra de forma acrítica e ahistórica, tem
de haver um momento em que se ponderará com atenção o significado dessa mesma
herança. Todavia, mesmo que se queira diminuir esse mesmo valor em nome de uma
maior diversidade actual, não se pode negar que os trilhos são abertos por
vezes por percursores que não terão necessariamente de ser amados na sua
completude. Will Eisner é um desses nomes, uma dessas obras, um dos
percursores. Este livro é cuidadoso no seu título a não se abandonar em ideias
de paternidades e absolutos, mas é claro quanto ao papel que deseja sublinhar
do autor norte-americano.
13 de maio de 2016
Chiisakobé. Minetarô Mochizuki (Le lézard noir)
O filósofo
alemão Walter Benjamin distinguia duas formas de experiência, que
não apenas eram expressas por duas palavras alemãs diferentes – a
saber, Erfahrung e Erlebnis - como se associavam a
quadros diferenciados que se dividiam num momento pré-moderno e
moderno. Em variadíssimos dos seus escritos, desde os ensaios
publicados em vida ao seu grande e inacabado projecto das Arcadas,
a um só tempo Benjamin lamentava o desaparecimento da Erfahrung
como celebrava também a modernidade. De maneira forçosamente
sumária, expliquemos que a Erfahrung está associada a uma
profunda relação entre a memória e comunidade, o que permitia que
ela mesmo fosse narrada como um fluido (o seu ensaio sobre “O
contador de histórias” é fundamental para entender isso); pelo
contrário, a Erlebnis expressaria uma experiência mais
fragmentada e imediata, cuja forma de expressão se encontra no
“choque” das notícias curtas, rápidas e sucessivas, as quais na
era da internet ganham uma velocidade, mas igualmente uma
volatilidade, exponencial. É esse estímulo exagerado que leva à,
nas suas palavras, “atrofia” da Erfahrung, abrindo espaço
para aquele torpor cujo nome medieval é a acédia. Uma
espécie de passividade, apatia, derrotismo até, que impede a pessoa
de reagir de modo mais acabado à situação em que se encontrará.
Um aborrecimento derrotador, em vez de um aborrecimento entendido
como oportunidade de contemplação da vida e compreensão profunda
da condição humana. (Mais)
10 de maio de 2016
Vários títulos. André Oliveira et al. (Kingpin/Polvo)
De
certa forma, não será alheia a co-organização de uma pequena
exposição dedicada a André Oliveira na Bedeteca da Amadora ao
lavramento do presente texto. Se é certo que essa exposição,
produzida pelo Festival da Amadora, não teve o nosso contributo, a
sua re-integração num expectável ciclo dedicado a argumentistas –
uma noção que foi tentada várias vezes junto a instituições,
sempre incumpridas – deve-se a um entendimento que, sem querer de
forma alguma colocar o trabalho e contributo absolutamente fulcral
dos artistas em detrimento, a concentração no escritor poderá
revelar características específicas não apenas ao trabalho da
banda desenhada como à personalidade criativa destes autores, e à
sua mundividência “completa” (contra a ideia de “autores
completos” e “incompletos”). Ao abordarmos toda uma série de
títulos que, até agora, ficaram sem leitura neste nosso espaço,
não deixaremos de repetir o mesmo gesto. (Mais)
8 de maio de 2016
Dois livros do Mickey Mouse. Cosey/Trondheim-Keramidas (Glénat)
Os dois álbuns de que falaremos pertencem a uma
outra série, de que se prevêem para já quatro títulos (sendo estes os dois
primeiros, mas existindo já material de Loisel acessível na internet, promissor), nas quais
autores centrais ou importantes da tradição “franco-belga” da banda desenhada
têm carta-branca para criarem histórias com as personagens mais famosas da
Disney. Este gesto tem de ser entendido de modo bem diverso daquele que faz parte
da prática comercial da Disney nas suas produções internacionais, nomeadamente
no Brasil, Itália e Dinamarca, na qual se procura instituir um “estilo da casa”
que é seguido pelos autores contratados. O que se procura nesta série, tal como
no caso de Le Spirou de…, Une aventure de Chlorophylle par..., Lucky Luke vu par… ou até mesmo a
colecção Graphic MSP, é que os autores convidados tragam a “sua” assinatura (o
estilo do desenho, as abordagens narrativas, as estratégias mais típicas, etc.)
para o campo das personagens, criando como que uma inflexão autoral no
território mainstream. (Mais)
7 de maio de 2016
L’homme qui tua Lucky Luke. Matthieu Bonhomme (Dargaud)
Em conjunto com Benoît Crucifix, temos desenvolvido um
projecto académico em torno do conceito do “arquivo” em relação à banda
desenhada. Trata-se de uma noção complexa e multifacetada, podendo ser descrita
de várias formas, tendo em conta as práticas englobadas por essa ideia. Uma
dessas dimensões foi alvo de um estudo nosso (no prelo) em torno da figura de
Spirou, que nos parece estar a ser repetida, de modos diferentes, não apenas no
título alvo deste post como do
próximo, dedicado ao Mickey Mouse desenhado por autores centrais da banda desenhada dita franco-belga. O arquivo é uma noção que foi debatida de forma
estimulante por autores tais como Foucault e Derrida, e tem encontrado uma
fortuna particular nos estudos literários e culturais, cuja influência na
leitura interpretante da banda desenhada é consabida: é nesse sentido
particular que arquivo não vale apenas pela instituição
com esse nome como todas e quaisquer práticas
de transmissão do passado, com tudo o que implica no que diz respeito aos
processos de inclusão, exclusão e reinvenção do passado. O reaproveitamento de
uma personagem como o Lucky Luke, de Morris, não deixará decerto de revelar uma
qualquer forma de colocar à disposição e transmitir o passado, e como o
articular enquanto discurso. (Mais)