13 de dezembro de 2022

Quero voar. Kachisou (A Seita/Comic Heart)

Este livro, apesar das suas mais de 100 páginas e capa dura, não pode de forma alguma ser visto como um romance, nem sequer uma novela. Do ponto de vista estritamente literário, actancial, organizativo, ou melhor, narrativo, estaremos perante uma história curta, concentrada, linear, de forte impacto emocional e que tenta explorar antes uma ideia de “duração interna” pela exploração interior do protagonista, Kyle, na sua busca por uma identidade. Mais do que uma nova oportunidade de expressão, ou de conquistar alguma liberdade, ou lançar as bases de um novo território da sua vida, Kyle pura e simplesmente procura quem é. Devedor de um registo quase clássico do desespero adolescente suburbano, da carta ou diário confessional, esta primeira tentativa de Kachisou (nom de plume de Cátia Sousa) em espraiar-se numa narrativa mais larga acaba por seguir mais um caminho esquemático do que um total desenvolvimento. Há uma vontade notória em explorar sentimentos complexos, maduros, e desenterrar daí uma lição profunda, mas a intriga acaba por se reduzir a meros plots points para a fazer avançar para os locais certos. Temos a opressão paternal, o espelho distorcido na vida do amigo, a primeira tentativa de conquistar espaço próprio, a queda na tentação, a crise e a sua resolução, no caso, trágica. Todavia, predomina a sensação de um burilar algo superficial e demasiado célere das considerações. Temos acesso aos pensamentos e confissões de Kyle, os seus sonhos e percepções, mas nesse telling acabamos por não termos suficiente desenvolvimento no showing. Dito isto, estamos perante um claro dínamo de energia criativa. Há anos que falamos de autores “influenciados” pela mangá, querendo significar com isso aqueles cujas abordagens de figuração, por vezes dinâmica de composição, e até mesmo de imaginários, temáticas e organizações narrativas estão próximas das prestações mais médias da banda desenhada japonesa de género, sobretudo shonen, independemente do sexo dos autores. Mas encontraremos aí toda uma panóplia que pode englobar meros epígonos (abster-nos-emos de citar nomes, pelo juízo negativo implícito), a autores que, mimando abordagens mais autorais (gekiga ou autobiografia semi-surreal, como Pedro Franz e Berliac), criam trabalhos desligados dessas lógicas mais comerciais, até outros que, iniciando-se numa linguagem formal quase mimada, a cruzam com outros instrumentos expressivos e chegam a produções próprias. Um caso flagrante é o de André Lima Araújo, herdeiro, mas livre, de Katsuhiro Otomo. E também o desta jovem artista de Faro, cujo ponto de partida é claramente Urasawa Naoki, não apenas a nível da figuração (em vários pormenores), mas na solidez dos cenários, nos enquadramentos das suas vinhetas, nas composições de página, e exímio uso de tramas mecânicas, etc. Pelo menos nas narrativas curtas que coleccionara no seu primeiro título, antológico, Weak.



Em Quero Voar, para já, no que diz respeito à abordagem estilística, temos aqui também uma adaptação. Se acreditamos estar perante trabalhos nativos digitais, as linhas ganham um sentido mais gestual, materialmente presente, expressivo, de grandes flutuações de escala, que aceleram a leitura e, por isso, mimam a sensação de urgência e lust for life que se tematiza ao longo das páginas. Essas flutuações têm consequências nos planos, mas também na legendagem, onomatopeias, etc., insuflando uma natureza algo titubeante e algo inconsistente. Por exemplo, se num ou outro momento podemos ser levados a crer que haverá neste livro uma preocupação em “localizar” a narrativa na realidade portuguesa, muitos outros elementos afastam-nos dessa ideia. Compreendemos a ideia de se pretender algum grau de “universalidade”, mas a falta de ancoramento leva sempre mais a ambivalências e afastamento do que a engajamento emocional.



Acima de tudo, e voltando ao ponto de partida do tamanho da narrativa, ela é inicada um pouco de chofre, sem grandes desenvolvimentos, e rapidamente nos vemos obrigados a querer criar elos de amizade e emotivos fortes sem os elementos certos. Contudo, no final da leitura, mesmo que rápida, fica a ideia de um potente desejo em compreender o isolamento e sofrimento de jovens abandonados, reclamando por atenção e amor, pela empatia e ajuda em se expressarem e realizarem, e se ler é caminho certo para um primeiro passo, leia-se.

Nota final: agradecimentos à editora, pela oferta do livro. As nossas desculpas pelas imagens sem grane qualidade. Indico igualmente que colaborei com a autora em duas ocasiões, uma integrando o seu trabalho na exposição Flexágono 2022, integrada no Festival Literário Internacional Fólio de Óbidos, e numa colaboração para a revista Cais este mesmo ano.

1 comentário:

  1. quem nunca tomou "drogas" não deveria escrever ou desenhar sobre elas... Quero voar é de uma moral cristãzinha ranhosa, pior do que isto só mesmo o último livro do "Sin City" do frank miller com aquela sequência de trip que é apenas ridícula.
    este blogue se é de crítica de "banda desenhada" (se calhar é mesmo BD!) deveria ser mais rigoroso e não enganar o seu público, ao tentar lambuzar-nos com estas "obras" medíocres.
    se o seu autor publica na seita, não deveria fazer lobbying desta "editora". E pare de tomar MDMA, sff

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