Este pequeno fanzine do autor argentino
reúne cinco histórias que o autor havia divulgado nas mais díspares
publicações durante o ano de 2015, entre as quais a Kus! e a
Kovra # 6, de que falámos na altura. Diferentemente de
Playground, que tivemos também a oportunidade de ler com
atenção, e que se revestia de uma forma mais clara por interesses
que têm a ver com a expansão das capacidades estéticas, políticas
e teóricas da banda desenhada, esta antologia agrega uma espécie de
procura e criação sob o signo, quase obsessivo, de uma certa banda
desenhada japonesa dos anos 1960 e 1970 veiculada pela Garo. (Mais)
Com efeito, o estilo visual de Berliac
tem-se transformado cada vez mais sob alguns dos mais típicos
desígnios da mangá. Quer em termos de composição, com muitas
vinhetas silenciosas contribuindo para a densificação dos
ambientes, o uso de tramas, quer em termos de figuração,
ultra-estilizada, sobretudo algo entre Yuchi Yokoyama e Seiichi
Hayashi, mas igualmente no que diz respeito à economia narrativa e a
certos tropos.
Das cinco histórias desta publicação, duas têm
informações contextuais que as podem colocar na América Latina
(uma no México, de modo explícito), mas as outras tanto poderiam
ser na Argentina como no Japão, já que ou são deslocadas o
suficiente ou partilham elementos que nos colocariam em ambos os
locais. Uma das histórias localizadas, por exemplo, mostra lojas de
empanadas mas também salões de jogos de casino electrónicos que
nos recordariam os panchinko parlors. Outra mostra o que
parecem ser membros de uma yakuza a perseguirem um jovem numa mota,
remetendo ao cinema dos rebeldes anos 1960 do Japão, ou até cenas
quase recuperadas de filmes de Takeshi Kitano, mas criando uma
intriga tão intensa quanto patética que se encaixaria em qualquer
sociedade do primeiro mundo.
Se há algo de comum nestas histórias,
terá a ver com uma certa crítica para com uma conformação social
assegurada pelo conforto burguês e os seus princípios normativos. O
emprego, o lazer, os padrões de beleza, a exploração animal, a
aculturação pelo turismo, são apenas alguns dos temas que poderiam
ser sublinhados na leitura destas histórias. A maior parte das
personagens, em tão curtas histórias, são por vezes apenas
debuxadas para cumprir o papel que lhes cumpre, mas aquela que havia
saído na Kovra, intitulada “Patterns”, é particularmente
comovente e profunda, sobre duas irmãs de personalidades bem
diferentes e vincadas.
Todas elas remetem àquela angústia
urbana pós-industrial que autores como Hayashi, mas também os
irmãos Tsuge, Abe, Matsumoto e Tatsumi exploram nas suas obras,
entre outros. Histórias de um realismo chão, dramático (até para
aproximar ao significado etimológico de “gekigá”), atento à
via que escapa por entre as frestas da fortuna económica e social, e
que assim alertam a que as formas de felicidade possíveis não são
de forma alguma universal. Daí talvez que o título, com a sua
extensão de “.exe”, remeta a algo que pode exercer uma acção
sobre a “vida” do programa. Neste caso, a desolação da pobreza,
da alienação do trabalho, das obsessões por uma certa cultura do
prazer superficial, do isolamento humano.
Este é um caso claríssimo de absorção
completa de uma influência para trabalhar esse mesmo território –
poder-se-ia falar até de exorcismo, através do exercício
da influência? É como se Berliac vestisse a pele de uma autor de
gekigá para compreender que tipo de narrativas poderia cumprir. Aqui
temos cinco casos.
Nota final: agradecimentos ao autor,
pela oferta da publicação, que nos foi entregue por P.F.
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