Tal
como havia ocorrido com Racconti indiani, este pequeno
livrinho faz parte dos muitos projectos da Passenger Press que tira
partido de toda uma possibilidade de colaborações cruzadas entre
idealizadores, argumentistas, designers e artistas. Inscrevendo-se no
campo da fantasia heróica, que o autor português Ricardo Venâncio
tem explorado ao longo da sua carreira (e esperam-se notícias de
mais do seu trabalho este ano), encontramos aqui a sua arte empregue
num território que lhe é mais familiar, logo mais completo. Tal
qual esse caso anterior, este projecto parece ser “idealizado”
por Christian G. Marra, quiçá no delinear basilar do universo
narrativo e das próprias personagens, mas o argumento desta separata
é repartido entre Alessandro Cremonesi e Ricardo Venâncio, se bem
que haja depois uma subsequente responsabilização pelos textos e
pelos desenhos por cada um dos autores respectivamente. (Mais)
Storie
della progenetrice é um suplemento autónomo a um projecto
maior, e colectivo, em torno das Amazzoni, mas apenas temos
acesso a esta brochura. O livro é composto por splash pages,
isto é, apenas uma enorme vinheta por página, com o texto por
baixo. Nesse aspecto, nada temos de inédito, quer no mundo da banda
desenhada quer no da ilustração em geral. O que importa ver é qual
a sua especificidade. No caso, trata-se da representação em
composições icónicas e espectaculares de momentos-chave da
história que é contada, e cujo resumo se poderia apresentar como
sendo a origem de uma guerreira temível. É capturada em criança
como escrava de uma tribo rival, que destrói a sua aldeia, para ser
salva-raptada novamente por uma tribo de animais antropomórficos
fantásticos, os quais a treinam como “cão de combate”. Depois
da sua fuga, deparar-se-á com uma fonte fabulosa que lhe atribuirá
características fantásticas, tirando delas partido para se
transformar numa justiceira, e cujas aventuras parecem prometidas
para o futuro. Pois como reza o fim desta história, “questa è
solo una delle sue leggende” (estando as restantes no volume
maior).
Algumas
imagens apresentam-se como sendo apenas uma vinheta, isto é, um
momento na acção, espaço e tempo da protagonista, mas outras
apresentam-se de modo mais complexo, quer através de composições
que concatenam elementos de vários momentos quer criando uma imagem
de foro simbólico (uma floresta ominosa, a sua transformação, o
seu legado).
O
artista português Ricardo Venâncio está aqui num ponto de apuração
maximal da sua conhecida assinatura gráfica: figuras naturalistas,
com um solidíssimo trabalho de linha, texturada e prenhe de tramas e
negros e, como dissemos, particularmente concentrado em imagens que
funcionam como ícones isolados, momentos-chave, imagens
representativas. A esmagadora maioria delas apresenta uma composição
simétrica, com as personagens em questão no centro e ao alto,
criando formas triangulares de hierarquias claras entre primeiros
planos e fundos, acção e circunstância, âmago e suplemento. Os
grandes planos, de paisagens abertas ou com edifícios misteriosos,
são particularmente felizes, sem detrimento aos momentos de maior
dinamismo, e cuja figuração faz recordar, ainda que haja
diferenças, claro, John Buscema, sobretudo Conan ou Red
Sonja, de quem Amazzoni é devedora. Não estamos perante
a mesma busca por efeitos de páginas clássicas de banda desenhada,
mas a verve do desenho está ao serviço de um imaginário comum.
Publicado num pequeno formato, e com uma vintena de páginas, estamos
perante um objecto que recorda uma banda desenhada popular de outros
tempos.
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