
Estas antologias parecem surgir de tantos em tantos anos, e a AX encontra-se na sua esteira, que poderá ser desenhada, no que diz respeito aos Estados Unidos, pelos seguintes títulos: Sake Jock (Fantagraphics 1995), Comics Underground Japan (Blast Books 1996), Secret Comics Japan (Viz/Pulp 2000) e The Ganzfeld # 5, Japanada! (Gingko Press 2007). Mas também da RAW (primeira edição) à Dark Horse (Manga Surprise!, 1995) se encontrarão várias publicações que abriram espaço a autores menos imediatos ao mainstream da banda desenhada japonesa. Já na Europa, sobretudo graças às editoras francesas, o panorama é totalmente outro, uma vez que tem havido oportunidades de publicar com consistência a obra de alguns destes outros autores (a colecção Sakka da Casterman, que começara com Frédéric Boilet como editor, mas também a ego comme x, a Le Lézard Noir, IMHO, Tonkam, etc.). Isto significa que o grau de novidade destes autores apenas pode ser confirmado conforme a navegação dos leitores por estas publicações, tornando AX ora num excelente volume de introdução e expansão da ideia da banda desenhada japonesa, dando a conhecer não apenas autores como géneros, atitudes, estilos e direcções, ora numa antologia de nomes já familiares mas dando acesso a pequenas peças que até agora não haviam sido traduzidas para qualquer língua ocidental.
Esta antologia tem a particularidade de se centrar numa só publicação, a AX, uma revista bimensal iniciada em 1998, cujo editor é Mitsuhiro Asakawa, que havia trabalhado na mítica Garo. Ou seja, esta revista é, parcialmente, uma das herdeiras da tradição da gekigá, ou por outras palavras, da banda desenhada alternativa japonesa. Se repararem na capa, verão que para além desse epíteto inicial, ainda se incluem as palavras “independente”, “aberto” e “experimental”. Asakawa e Sean Michael Wilson trabalharam os dois para proporcionar, através da Top Shelf, uma montra de alguns dos autores que passaram por esse título. Como explica a o introdução de Paul Gravett, para além de considerações históricas importantes, os editores trabalharam sobre setenta números da revista, cada uma com cerca de trezentas páginas, o que dá mais ou menos dezoito mil páginas que atravessam dez anos para resultar neste “florilégio”.

Para além destes, encontramos nomes novos para os leitores ocidentais, como nós, e, dessa forma, apresenta-se perante a nossa leitura toda uma oferta diversa de formas e humores. A esmagadora maioria dos trabalhos não se pautam, obviamente, por preocupações que tenham a ver com o respeito por expectativas convencionais de beleza - não se encontrarão aqui os estilos mais clássicos da mangá comercial - e, ainda que não se mergulhem aqui nos círculos mais abjectos ora da pornografia ora da violência extrema, ora ainda de outros desvios de expectativas (que, no contexto japonês, como explica Frederick L. Schodt, corresponde mais a totais fantasias escapistas do que a projecções de desejo), temos aqui sedução que baste para os amantes da excentricidade, começando com Shigehiro Okada, com uma história que poderá ser um brevíssimo retrato de todos as estranhas personagens de modas-em-formato-único de Shinjuku.
De entre os vários autores presentes (são trinta e três, a antologia tem quase quatrocentas páginas), poderemos diferenciar Nishioka Briosis, Katsuo Kawai, Ayuko Akiyama, Takato Yamamoto, Hiroji Tani, Mitsuhiko Yoshida e Shinya Komatsu, pois são autores que apresentam estilos mais suaves, até mesmo belos, e as suas histórias compõem-se de contornos que poderíamos chamar de poéticos. Briosis e Kawai exploram ainda assim o absurdo nas relações humanas. Akiyama parece beber mesmo de contos tradicionais. Yamamoto e Tani devem ser discípulos de Suehiro Maruo, mas sem as mesmas arestas cortantes: o terror serve para sublinhar outras belezas. Yoshida apresenta uma versão curiosa da lenda da lebre e da tartaruga. Komatsu, numa espécie de estilo infantil cheio, tem uma bela parábola sobre os desejos cambiantes das crianças.

Seguramente que, com a abertura progressiva do mercado, a multiplicação dos públicos variados, o aparecimento de editores decididos a projectos diferenciados (mas também apoios institucionais, pois tal como a antologia sueca From the Shadow of Northern Lights, este livro foi publicado com fundos de institutos culturais associados aos países respectivos pela editora independente norte-americana) o leque de oferta vai abrindo, sobretudo na direcção destes territórios menos habituais. No centro da nossa ignorância, imaginamos que existiriam muitas outras revistas possíveis desta atenção. Conhecendo, por exemplo, as revistas Error (muito cool, visual, com ecos europeus), a Comics H (antologia diversa em torno do género “slice of life”), a Aries (sobretudo dedicada ao ero-goru conemporâneo), e vendo nela uma grande diversidade, imaginamos essa situação, nada mais.

Nota: agradecimentos à editora, pela oferta do livro.
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