Entre os leitores portugueses, Angeli é sobretudo recordado
pelos seus trabalhos dos anos 1980 com a Chiclete
Com Banana, que marcou, pelo menos na óptica do que chegava por aqui (e
tornada cega pela presença quase monolítica dos gibis da Abril), a viragem de
uma nova banda desenhada brasileira, mais adulta, iconoclasta e mais sensível
aos tempos de uma globalização crescente, sobretudo num sentido de referências
comuns entre vários países. Se a expressão “tribos urbanas” é hoje vista como
algo caricata e desusada, não o seria naquela época, e Angeli era, talvez de
entre os seus companheiros mais próximos (Glauco e Laerte, com quem estremava
os “Três Amigos”), aquele que melhor criou uma galeria dos seus representantes
mais marcantes: de Rê Bordosa a Walter Ego, de Wood & Stock aos Skrotinhos,
de Bibelô a Bob Cuspe. No Brasil, porém, a associação do seu nome aos cartoons políticos, ou como é dito no
Brasil, charges, é algo consolidado
há longa data, uma vez que o autor trabalha para a Folha de São Paulo desde 1973. (Mais)
30 de junho de 2014
28 de junho de 2014
Capital/Vazio. Afonso Cruz/Catarina Sobral (Pato Lógico)
É possível que a longo prazo a linha editorial da Pato
Lógico ganhe contornos de um cartão de apresentação particularmente feliz de
uma geração de ilustradores
portugueses. Aqui a palavra significará menos a ideia de “pertencentes a um
grupo demográfico”, do que uma ideia processual de formação, isto é, de esforço
para entrarem num mesmo grupo. Se bem que poderemos encontrar aqui pessoas com
as mais diversas das formações, abordagens, produções e presenças nos nossos
círculos, e se bem que os descritivos destes títulos como “álbum ilustrado
infantil” possa sofrer de quando em vez de alguma imprecisão ou integrações em
géneros erróneos, todos estes objectos possuem já características
suficientemente comuns para encontrar-lhes uma ideia de família. E tal como
havíamos discutido a propósito de Cerejas,
encontraremos nesta “família” – talvez com a excepção de Catarina Sobral – esta
pertença a um grafismo estilizado, geometrizante, etc. que é já de algum tempo
a esta parte, de certa forma, a tendência normativa, senão mesmo a linguagem
obrigatória. (Mais)
26 de junho de 2014
Desencontros. Jimmy Liao (Kalandraka)
Por uma questão de formato, Desencontros escapa de uma certa tipologia de álbuns ilustrados,
mas pela sua circunstância editorial, instrumentos expressivos, e mesmo rede
social de distribuição (e divulgação), ele acabará por ocupar esse mesmo espaço.
No entanto, ainda pelas suas questões internas, quer em termos narrativos quer
em termos gráficos, ele tem um papel que habitará um território ambivalente
entre a banda desenhada contemporânea e dirigida a um público muito alargado,
podendo ser lido por leitores mais maduros e mais jovens, cada qual encontrando
intensidades emotivas bem diferentes na mesma trama. Ambas as questões tornam-no apto a ser lido sob os mais variados focos, assim como a chegar a públicos algo diferenciados. (Mais)
20 de junho de 2014
Zona de desconforto. AAVV (Chili com Carne)
Não deixa de ser
sintomático que as obras que acabam por ter um explícito valor de inscrição político da Chili Com Carne encontrem
o seu lugar privilegiado na colecção Low Cost (povoada anteriormente por Boring Europa e Kassumai). Dizemo-lo dessa forma sublinhada, uma vez que
acreditando que todo e qualquer gesto artístico e expressivo tem sempre uma
leitura política, esta sua dimensão pode ser feita de forma velada,
ingenuamente inócua, ou de forma confrontacional, como pensamos poder ler este
gesto editorial, mais do que as histórias que o compõem. O cerne da colecção está
relacionado com a ideia de viagem, e até com o género líquido e múltiplo da “banda
desenhada de viagem”, que mistura a escrita diarística, a observação
etnológica, o relatório de observações ora superficiais ora mais profundas, a interrogação
do si e do outro, até a um ponto em que menos interessa talvez o espaço
visitado do que a oportunidade de que essa deslocação permite para uma
inquirição sobre a identidade e as suas implicações políticas. (Mais)
19 de junho de 2014
Buraco # 6. AAVV
São muitos os pensadores do político que apontam para o modo
como os poderes instituídos, ou a hegemonia, exerce esse seu poder de forma
insidiosa e praticamente absoluta por legislar igualmente sobre o possível
espaço de dissensão dos seus próprios discursos. Isto é, sendo eles mesmos que
criam as regras de quem pode falar, quando pode falar, como pode falar e sob
que condições, não é de surpreender que todo e qualquer discurso que esteja
fora desse campo de possibilidade seja visto como “não-discurso”. E há várias
maneiras de o entender, apelidando-o de “radical”, “mal-educado”, “não conforme
as regras da discussão democrática”, “insatisfeitos permanentes”, “desinteressados
em contribuir de forma positiva ou construtiva”, “bota-abaixo”, e por aí fora. Mas
se se apenas podem discutir os discursos principais e legais através das suas
próprias regras, como se esperará alguma vez que possa haver um discurso
verdadeiramente anti-hegemónico? (Mais)
13 de junho de 2014
Iba. Pierre Maurel (Casterman)
Iba é um daqueles projectos simples que é prova da convergência
das variadas “linguagens” internacionais da banda desenhada. Se Neil Cohn vai
longe demais na sua preconização de “línguas” diferentes entre banda desenhada
norte-americana, japonesa, etc., não deixa de ter razão numa perspectiva mais
ou menos generalista de que existem estratégias bem diferentes entre essas
tradições. Estratégias que diferem não apenas nas técnicas de desenho, de cor,
de sombras, de composição de página, de escolhas de perspectivas oculares, mas
também no que diz respeito a questões de representação, formatos e políticas
editoriais, contexto de divulgação, exposição e distribuição, maior ou menos
esbatimento de públicos diferenciados, possibilidades de exploração
intermediática, e uma série de outros factores. Não sendo possível isolar esses
elementos de uma forma sistemática e muito menos “científica”, há ainda assim
suficiente força para que possamos dizer “isto é bd europeia”, “isto é mangá”,
etc. (Mais)
12 de junho de 2014
Uma história curta no The Lisbon Studio Mag # 7.
Neste último número do The Lisbon Studio Mag encontrarão uma curta história criada com a jovem artista Cláudia Loureiro (de que já havíamos falado quando dum projecto de ilustração e de um seu fanzine), e que convidamos a lerem, por entre os rebuçados usuais da troupe.
Poderão encontrar a publicação aqui.
Como sempre, um grande obrigado aos editores do TLSMag, e a Cláudia Loureiro, pelas perseverança.
Poderão encontrar a publicação aqui.
Como sempre, um grande obrigado aos editores do TLSMag, e a Cláudia Loureiro, pelas perseverança.
7 de junho de 2014
Sandman, Overture # 02. Neil Gaiman e J. H. Williams III (Vertigo).
Continuando
o exercício explicado quando do primeiro número desta série,
navegamos nas águas incertas de uma ideia fechada, do selo que é
permitido pela leitura global de um texto. Ao auscultar as impressões
ao longo
do rio, sem a ideia de toda a sua cartografia final, que nos
permitira apelidá-lo de “recompensador”, “cruel”, “célere”,
ou outra leitura, esperamos encontrar algumas das suas pequenas
enseadas ou escolhos. (Mais)
2 de junho de 2014
Lune l'envers. Blutch (Dargaud)
Ao
aproximarmo-nos deste objecto, criam-se dúvidas sobre o que será.
Podemos encontrar neste novo livro de Blutch uma vontade em criar
algo normalizado? Ou num desvio a uma certa ideia de normalização?
Algumas das considerações de base para a leitura deste livro partem
daquilo que já fora exposto a propósito de 978
e de Schtroumpfsnoirs/bleus,
a que remetemos. Não se pode dizer que Blutch seja um autor de
grande sucesso comercial, ainda que tenha incrementalmente angariado
uma excelente recepção crítica, e Lune
l'envers
é uma espécie de pensamento em prática sobre um hipotético estado
futuro da banda desenhada, em muitos aspectos de uma fantasia quase
extrema. (Mais)