Estimulante coincidência esta de que o livro de que falámos, Nau negra, também da El Pep, partilhe
com estoutro a possibilidade de ser vistos como “ficção historiográfica”.
Todavia, a linha de ficcionalidade de O
Infante é bem mais elástica do que o livro de Fernando Relvas, que se
ancora na realidade do tecido histórico para reforçar as alianças éticas
implicadas na sua narrativa, ao passo de que no de Viçoso o propósito seja
antes o de criar um ambiente brumoso, cujas referências sejam apenas o
suficientes para a partir delas despedir um feixe de associações, mas sem
preocupações demasiado concretas. (Mais)
30 de janeiro de 2016
29 de janeiro de 2016
Nau negra/The Last Black Ship. Fernando Relvas (El Pep)
Finalmente temos acesso a um projecto que estava prometido há
algum tempo, o qual nascera num ambiente de crowfunding
não muito bem-sucedido, mas que encontrou na editora de Pepedelrey um natural
veículo de concretização. Trata-se de uma narrativa de algum fôlego,
desenvolvida em ambiente digital, com uma temática histórica, aberta de um modo
flexível a questões contemporâneas de repensar a história, a identidade e a
comunicação entre os povos. Enquadrado no breve período em que se estabeleceu
um vivo comércio entre os portugueses e o Japão, entre um semi-isolamento e o
édito que o refecharia ao Ocidente, Nau
negra centra-se sobretudo no encontro entre dois homens: um liberto de
origem africana, conhecido por Reimau, e um ronin
(sem utilizar esse termo) aparente, ambos servindo duas perspectivas diferentes
dos mundos que se encontram, estando os portugueses reflectidos nas facetas
distorcidas e secundárias desse mesmo encontro. Na verdade, passando-se em
torno de Nagasaki, em 1618, já após a tomada de poder de Tokugawa Iesayu, os
decretos anti-cristãos, a chegada dos ingleses, etc., já o declínio da presença
portuguesa se precipitava, tornando este encontro então num canto de cisne de
um poder pouco efectivo… (Mais)
28 de janeiro de 2016
Volcan, Komikaze # 14, Hollow, Ping-Pong. Amanda Baeza, outros artistas (várias editoras)
Como introdução ao “campo
específico” em que emergem todas estas publicações, remetemos os
leitores às considerações tecidas a propósito de Mould Map
e à introdução da bateria sob a designação “art comics”, a
qual, não sendo explicativa nela mesma nem sequer produtiva em todos
os seus quadrantes, admite porém uma circunferência suficientemente
bem enquadrada para capitalizar as forças destes projectos. A razão,
porém, da junção destes títulos deve-se ao trabalho contínuo e
cada vez mais consolidada, inclusive em plataformas internacionais,
de Amanda Baeza. Duas destas publicações são exclusivamente da sua
responsabilidade, ao passo que outras duas contêm trabalhos seus. (Mais)
25 de janeiro de 2016
Chantier Interdit au Public. Claire Braud e Nicolas Jounin (Casterman)
Este
é o primeiro volume de uma nova colecção intitulada Sociorama, que
parece vir a ser dedicada a projectos de banda desenhada que procurem
adaptar, basear-se ou dialogar com trabalhos académicos em torno de
questões sociais, sejam relatórios, inquéritos ou mesmo
dissertações. Pelo que entendemos, os “temas” na calha rondam a
indústria de cinema pornográfico, as profissões afectas aos voos
comerciais e as práticas dos “sedutores de rua”. A colecção é
dirigida por Lisa Mandel, uma autora que tem aliado a banda desenhada
humorística a temas socialmente relevantes, tocando sempre as raias
da realidade francesa contemporânea, e Yasmine Bouagga, uma
investigadora do prestigiado CNRS. Este livro, apesar do seu público,
escancara na verdade os portões de um estaleiro de construção
civil e da realidade social que acalenta, mas oculta. (Mais)
23 de janeiro de 2016
Sam Zabel and the Magic Pen. Dylan Horrocks (Knockabout)
A expectativa
pessoal em relação a este novo livro do autor neo-zelandês era, na verdade,
muito grande, uma vez que continuamos a considerar Hicksville (1998) uma pequena conquista na modernidade da banda
desenhada internacional, e um verdadeiro gesto para criar pontes fortes entre
as várias tradições nacionais num só contínuo. Além disso, Horrocks é um autor
que tem dedicado algum tempo à reflexão sobre a sua própria arte, tendo
fornecido alguns argumentos sólidos em relação, por exemplo, à problemática
ahistoricidade da primeira obra de McCloud. Estes factores são importantes, uma
vez que continuam a alimentar Sam Zabel,
se bem que para resultados bem diversos. (Mais)
21 de janeiro de 2016
Bagatelas: treze pequenos livros e fanzines. AAVV
Mesinha
de Cabeceira # 27. XXXMas Special:
Nadja, Ninfeta Virgem do Inferno. Nunsky (Mmmnnnrrrg)
Depois de um tremendo intervalo entre os dois livros acabados do
bravio autor do norte, eis que Nunsky regressa às lides rapidamente
com um pequeno opúsculo. Mas todos os instrumentos são bem diversos
dos de Erzsébet: a história completa que ocupa todo o número
27 do MdC é, a um só tempo, pesada e leve, séria e cómica,
fresca e desesperante. A ninfeta do título vê o seu jovem namorado
toxicodependente a perder a vida com um chuto mal-sucedido, e
segue-lhe na peugada até ao Inferno, onde faz um pacto com o demónio
que a torna numa personagem trágica e romântica. Ser-lhe-á
concedido tempo de redenção com o namorado quantas mais almas
conquistar para o Príncipe das Trevas. Este relato parece
prometer-se como o primeiro episódio de muitas aventuras, e
seguramente que haveria estômago para aguentar tamanha crueldade,
morte sanguinária, heavy metal à anos 1980, e risadas à custa de
beatos de séries de televisão de cartão canelado de décadas ainda
mais rebuscadas. Um autêntico exercício de citação de
bonecos-feitos, Nadja é, em termos figurativos, uma espécie
de clash entre a luxúria e os laivos de fotorrealismo ma
non troppo de um de Will Elder ou Angus McKie (e, no que diz
respeito às cores, a explosão de diversidade do segundo e a o
esbatimento do segundo, sobretudo na fase da Playboy, com H.
Kurtzmann) e o pormenor quase doentio nas expressões e distribuição
de moral, e até alguns aspectos do conteúdo, de Jack Chick (das
“Chick Bibles”). Existem traços de alguma soberba crença na
mundividência católica e a associada crença no Demo. Tratar-se-á
este Nadja de um tortuoso panfleto de um Católico atormentado
por gostar dos discos dos Slayer e Iron Maiden e querer ver
realizadas as suas capas? Uma homenagem a todo um historial de comics
de séries Z? Interprete-se como se desejar, e para mandar fora um
cliché, Nadja é um bafejo de hálito quente e cerveja
quente.
(Mais)
(Mais)
20 de janeiro de 2016
23 de Janeiro: Mesa-redonda no Museu Bordalo Pinheiro.
Serve o presente post para convidar todos os interessados em estarem presentes na sessão aqui indicada, no próximo Sábado, pelas 17h, no Museu Bordalo Pinheiro. Este evento está relacionado com a exposição patente na Bedeteca da Amadora, de que falámos aqui, e é trabalho de uma colaboração entre instituições que se espera possa vir a continuar noutras frentes e/ou iniciativas.
Esperamos que a conversa seja diversificada nas suas dimensões e produtiva nos pontos de contacto.
Contamos convosco!
Esperamos que a conversa seja diversificada nas suas dimensões e produtiva nos pontos de contacto.
Contamos convosco!
18 de janeiro de 2016
Café Royal. Sean Murphy et al. (Essential Sequential)
Este livro
é fruto de um programa intenso e curioso organizado por Sean Murphy
e a sua mulher, Katana Collins, em que o famoso artista recebeu cinco
autores de banda desenhada durante umas semanas no que parece ter
sido um Inverno rigoroso, e onde se esgrimiriam não apenas técnicas
artísticas como igualmente questões associadas ao lado comercial e
negocial desta actividade. Todos estes autores não são amadores nem
recém-chegados, mas antes pessoas que já deram provas das suas
capacidades artísticas e de trabalho, mas que nesta experiência com
um profissional de primeira água e muito solicitado no mercado
norte-americano seguramente aproveitaram sinergias e conselhos
insubstituíveis. Esses formandos foram Tana Ford, Corin Howell, Joe
Dellagatta, Clay McCormack e o autor português Jorge Coelho, no
fundo a razão pela qual adquirimos este volume. (Mais)
17 de janeiro de 2016
A casa que voou/A sereia e os gigantes. Davide Cali e Catarina Sobral (Bruáa/Orfeu mini)
Graças à recepção do seu trabalho, celebrado pela crítica,
leitores, exposições e prémios, mas igualmente por uma intensidade concentrada
de trabalho efectuado, Catarina Sobral consegue produzir novos projectos no que
parecerá tempo recorde. Eis mais dois títulos a somar a uma das autoras mais
produtivas, em termos individuais, da literatura ilustrada infantil portuguesa,
que vêm mostrar ainda mais desdobramentos da sua assinatura visual e autoral. Em
ambos os casos, podemos dizer que se Catarina Sobral optou por não escrever as
palavras, a matéria narrativa e até os elementos que compõe aquilo a que
chamamos de “história”, está porém nas suas mãos o enquadramento da matéria
visual em torno desses mesmos elementos, assim como toda a organização dos
ritmos, objectos e conjunção de tudo aquilo que concorre para a construção do
significado, quer aquele paulatino, página a página, quer o total. (Mais)
16 de janeiro de 2016
Talco de vidro. Marcello Quintanilha (Polvo)
A equação deste novo livro de Quintanilha
apresenta uma estrutura curiosa, e que demonstra o quão mais importantes são as
construções das pessoas nas nossas próprias mentes, misturando factos e
contacto directo com projecções, medos e ansiedades do que um verdadeiro
encontro entre duas pessoas num palco de igualdade. Se Talco de Vidro parece ter duas personagens a viverem numa qualquer
relação de distribuição e troca de energias, a verdade é que é apenas a partir
de uma delas que todos os novelos da trama são despedidos, e é totalmente na
responsabilidade dessa personagem que recaem as forças que desenrolarão,
desfiarão e destruirão esse mesmo novelo. (Mais)
15 de janeiro de 2016
Sorge, o espião. Isabel Kreitz (Veneta)
Richard Sorge é uma personagem
histórica. O traço que o inscreveria na história é o facto de ter
sido espião alemão do Império Soviético desde o final dos anos
1920, infiltrando-se nos círculos nacionais-socialistas logo na
década de 1930 e, depois, tornando-se o responsável pela rede de
informação no Japão. Enquanto membro do Partido Nazi, jornalista
alemão e confidente do embaixador alemão em Tóquio, a sua
capacidade de trabalho e de acesso a informações confidenciais
permitir-lhe-ia o seu maior feito: partilhar dados sobre a invasão
alemã da União Soviética em 1941 o que, aparentemente, terá
ajudado à derrota dos Nazis nessa empreitada. É bem possível que
este último episódio, que o tornaria um traidor e o levaria à
captura e execução pelos poderes do Eixo, Alemanhã-Japão, mas
igualmente e muito mais tarde o tornaria um herói aos olhos da
Rússia, seja bem mais complexo do que uma breve entrada
enciclopédica ou mesmo uma versão romantizada (sob a forma de banda
desenhada, romance ou filme) possa dar conta, mas é isso o que lhe
atribuiria fama póstuma, ao ponto de ser considerado “o maior
espião de todos os tempos” por escritores do género como Ian
Fleming e Tom Clancy. (Mais)
14 de janeiro de 2016
VERBD. Episódio 5.
E para finalizar, aqui têm o 5º e último episódio do documentário Verbd.
Este episódio acaba por ter uma qualidade ligeiramente mais ensaística, académica e metódica: falamos dos próprios processos de memória e herança na banda desenhada portuguesa, da forma como esta disciplina começa a ganhar maiores instrumentos de cultura própria, dedicamos um grande bloco a algumas das experiências de ensino de banda desenhada (o antigo CIEAM, o Ar.co, o então jovem curso da ESAP-Guimarães, e finalmente fazemos algumas considerações autorais sobre o que se tentou responder com a série documental e uma consciência clara do que ficou de fora. Claro, damos também a palavra aos nossos autores, de maneira a terminarem com ideias próprias e estimulantes.
Episódio 1.
Episódio 2.
Episódio 3.
Episódio 4.
E pronto, chegamos ao fim. Partilhem, copiem, projectem onde puderem. Obrigado por tudo.
Vamos ao próximo?
Nanjing: The Burning City. Ethan Young (Dark Horse)
A intriga deste livro está tão enclausurada quanto os soldados
que acompanhamos: o Capitão (cujo nome jamais diz, nem confessa quando é
capturado, tornando-o uma cifra para muitos dos heróis da guerra) e o soldado raso Lu, na cidade derrubada de Nanquim ou Nanjing.
Estamos no final de 1937, no auge da 2ª Guerra Sino-Japonesa (que desagua, qual
rio, no oceano da 2º Grande Guerra). A cidade já foi bombardeada severamente
pela aviação japonesa, uma sua parte foi tornada uma “zona segura” para
refugiados civis e estrangeiros (sobretudo os ocidentais que haviam igualmente
contribuído para minar a própria estrutura económica e social da China desde o
século XIX), e a infantaria japonesa procede a um saque, morticínio e violações
em massa tão atroz (apesar do negacionismo japonês até à data), que todo o
episódio é conhecido muitas vezes por “A violação de Nanquim”. É portanto na
paisagem dessa barbárie e desolação, e no colapso e abandono total pelas chefias
e organização militar da cidade, que o Capitão e Lu se encontram isolados, e
tentam escapar, conquistando a passagem rua a rua, da cidade e dos perigos que
os esperam às mãos dos militares japoneses. (Mais)
13 de janeiro de 2016
O que vemos quando lemos. Peter Mendelsund (Elsinore)
Parece
haver um entusiasmo partilhado por muitos leitores em torno deste
livro de Peter Mendelsund, o qual se justifica na medida em que é um
livro “ao quadrado” mas com outras anfractuosidades muito em
voga. O “quadrado” é o facto de se tratar de um livro sobre
livros, sobre a leitura dos livros, sobre o prazer, expectativas e
até mesmo perigos que ocorrem nela; as outras dimensões espraiam-se
por considerações sobre as fantasmagorias visuais desenvolvidas à
medida da leitura, o grau de co-criação a que o leitor se propõe
com determinado livro, na capacidade dos autores de dirigirem de uma
forma ou outra a matéria “visualizável” dos seus escritos.
Outro domínio pelo qual o livro tem suscitado algum entusiasmo é
pela forma como se apresenta materialmente, as características da
edição, as suas profusas ilustrações, uma paginação leve,
rápida, com grandes letras, ou palavras isoladas, etc., que torna o
acto de leitura deste livro bastante rápido. Porém, O que
vemos quando lemos é igualmente um caso de mal-entendidos e de
caminhos mais prometidos do que trilhados. (Mais)
11 de janeiro de 2016
Vive la marée ! David Prudhomme e Pascal Rabaté (Futuropolis)
Como noutras sociedades
ocidentais, a francesa e a portuguesa entende bem o que significa do fluxo
migratório dos corpos dos cidadãos urbanos rumo à beira-mar por altura das
férias de Verão… Todavia, grande parte das pessoas sabe igualmente que esse
prazer prometido encerra em sim mesmo um bom número de escolhos – filas de
trânsito, combates em busca de espaço suficiente no areal, refeições que
correspondam ao sonhado, um convívio mais apertado que o costume com os membros
da família, a difícil instalação de rotinas passageiras, etc. – mas que se
enfrentam na ideia de que, ultrapassados, se desvendará a Terra Prometida: o
Descanso. Vive la marée! não é de
forma alguma o hino a essa aventura, com o tom heróico e positivo que isso
pareceria acarretar: é antes a constatação da patetice desses mesmos
obstáculos. (Mais)
10 de janeiro de 2016
Gris/Cinzas. Olivier Schrauwen (Arbitraire /Mundo Fantasma-Mmmnnnrrrg)
Como dissemos atrás, Cinzas
é um livro que nos apresenta um enquadramento autobiográfico. Diríamos mesmo
que hiperbolizado na sua forma material. Mas para isso é preciso descrever
rapidamente essa mesma forma. Originalmente publicado em língua inglesa, e em
offset (edição que não conhecemos), o
autor viria a republicar este título em francês numa pequena edição, quase num
formato de bolso, com lombada, em risografia a preto e cinzentos com uma capa
serigrafada. A edição em português, pela Mundo Fantasma e a Mmmnnnrrrg também é
em risografia, se bem que mais próxima de um caderno escolar, até por deixar
visível linhas paralelas, e em quatro cores: azul, verde, vermelho acastanhado
e um laranja “psicadélico” (que foi aquele que obtemos). Na edição francesa
aparece o rosto do avatar do autor, sob a forma de um trintão algo forte, com
umas imensas entradas nas têmporas e de ar ligeiramente imbecil. A edição
portuguesa coloca na sua capa uma das primeiras partes do prólogo exclusivamente
textual, transformando em parte o contrato de leitura da obra. (Mais)
D’ailleurs. Alain Munoz (Habeas Corpus)
Apesar de falarmos em dois posts
diferentes deste livro e do de O. Schrauwen, lemo-los em conjunto, por duas
razões, a jusante a montante dos textos em si. A primeira razão prender-se-á de
uma oportunidade falhada por pouco, mas que criou as circunstâncias para
adquirir ambas as publicações (em francês) ao mesmo tempo no mesmo local. Ambos
os autores são belgas – um francófono e o outro flamengo - e é natural que
ocorram encontros naquele país nas mesmas plataformas. A segunda deve-se ao
facto de ambas serem, pelo menos na sua camada mais superficial, gestos
epistolares. (Mais)
9 de janeiro de 2016
Amigos do peito. Cláudio Thebas e Violeta Lópiz (Bruaá)
Numa correria da escola até casa, uma personagem visita vários
dos cantos da cidade onde vive, perscrutando espaços de naturezas específicas,
que convidam a actividades díspares, sempre na companhia de um seu amigo
próximo. Esse passeio, que podemos imaginar repetido todos os dias, é também
palco de uma reflexão sobre a amizade, ou melhor, a possível definição de um
amigo, alguém que conhecemos por uma razão qualquer que nos leva a colocá-los
num lugar que podemos sempre revisitar. (Mais)
8 de janeiro de 2016
The Care of Birds. Francisco Sousa Lobo (Chili Com Carne)
Em Os irmãos Karamazov, Dostoievsky escreve “Um homem que mente a si
mesmo e que escuta a sua própria mentira chegará a um ponto em que não
distinguirá a verdade nele mesmo ou à sua volta, e perderá então o respeito por
si mesmo e pelos outros. Sem respeito não poderá mais amar, e para se ocupar e
se distrair, sem amor, abandona-se nas paixões e em grosseiros prazeres,
afundando-se na condição animal dos seus vícios, efeito da mentira incessante
aos outros homens e a si mesmo” [péssima tradução nossa, sem desculpas, via
edição em inglês]. (Mais)
6 de janeiro de 2016
Estúpidos, maldosos, belos: alguns livros e uma exposição em torno do “Charlie Hebdo”. AAVV
Fará amanhã um ano desde que o ataque levado pelos irmãos
Kouachi (que os Profeta lhes cuspa nas tumbas) mataram os artistas Charb, Honoré, Tignous, Cabu, e Wolinski, os membros da
redacção Elsa Cayat, Bernard Maris, Mustapha Ourrad e Michel Renaud, o
guarda-costas Franck Bronsolato, o segurança Frédéric Boisseau e o agente da
polícia Ahmer Merabet. Com vista a assinalar essa data, mas de forma
alguma desejando cair na tentação da homenagem emocional, ou em questiúnculas
irresolúveis como a compatibilidade do regime democrático e os princípios
inerentes à Revolução Francesa com quaisquer dogmas religiosos, as contradições
de um discurso que compactua com categorias facilitistas e maniqueístas de um
“eu” e um “eles”, ou sobre os “limites” e o papel do humor, da sátira e, até
mesmo, da brejeirice ordinária, preferimos tão-somente olhar para a produção
efectiva de toda a família associável a esse título. (Mais)
4 de janeiro de 2016
Fósseis das almas belas. Mário Freitas e Sérgio Marques (Kingpin Books)
Poder-se-á
descrever Fósseis
como tendo três “partes”. A linha principal da narrativa é a de
uma família, a saber, Samuel e os seus dois filhos, Marco e Valéria,
passando as férias na praia da Adraga: parte do folclore local (as
formações rochosas com os seus apodos), as brincadeiras da filha e
os conhecimentos do pai concorrerão para criar uma história de
encantar (e assustar). Desse relato desprende-se a vida do rei D.
João II e a exploração da costa africana, podendo mistificar-se
nessas missões a “Época de Ouro” das navegações dos
portugueses – os focos principais são o assassinato do Duque de
Viseu e a viagem de Bartolomeu Dias. Finalmente, uma terceira linha é
a mítica, e tríplice: não apenas aquela “mito-histórica”,
associada à viagem e “dobragem” do cabo das Tormentas/da Boa
Esperança, mas igualmente a camoniana (o mito do Adamastor) e uma
mais original, fantasiosa (uma série de criaturas fantásticas,
aliadas e antagonistas de Adamastor). (Mais)
2 de janeiro de 2016
In God We Trust. Winshluss (Knockabout)
Nalguns
dos episódios aqui incluídos, Winshluss pede emprestado as
personagens do Super-Homem e de Conan, o Bárbaro. Numa nota final do
volume, ele indica a atribuição aos seus autores respectivos, mas
acrescenta que infelizmente não pode citar os autores de todas as
outras personagens (Deus, Jesus, Moisés, Pôncio Pilatos, etc.),
pois não os descobriu. Sendo assim, a ficção prossegue. (Mais)
1 de janeiro de 2016
Space Dumplins. Craig Thompson (Scholastic)
Este
título está, na obra de Craig Thompson, mais próximo de um dos seus primeiros
longos trabalhos, Good-bye, Chunky Rice,
provavelmente ainda um dos seus melhores trabalhos, não obstante o sucesso crítico
e de exposição de Blankets e o
estranho ruído de Habibi. Porém, Space Dumplins parece-nos ser dedicado a
um público ainda mais jovem, digamos na passagem da infância para a
adolescência. Trata-se de uma pequena saga familiar espacial, em que a jovem Violet
Marlocke se perde de ambos os pais, e se lança numa missão de resgate apenas
acompanhada pelos seus dois novos amigos, também miúdos, Zacchaeus, um dos últimos
descendentes dos Lumpkin (mas excepção dessa
espécie, atarracado e irascível), e Elliot, uma pequena galinha-rapaz – não é
erro – descendente de galináceos artificialmente humanizados -, sensível, e
mais dado às questões do espírito que aos da acção. (Mais)