Não se tratando propriamente de
um dicionário, ou enciclopédia organizada, fêmea está
organizado de uma maneira que permitirá usos idênticos ao desses
objectos livrescos: uma consulta, em vez da leitura linear, e
uma descoberta, abrindo a maior pesquisa pontual. As secções
são claras e reveladoras: a primeira é dedicada a “artefactos”,
ou objectos e invenções que, de uma maneira ou outra, vieram,
alterar as possibilidades dos movimentos sociais da mulher, para bem
ou para mal, e as mais das vezes, para ambos; a segunda reúne
“manifestos”, no sentido do que é manifestado, encarnado, que
ganha corpo, por entre personagens histórias ou papéis colectivos
que poderão servir de modelo maximal ao esforço feminino na
História, ainda muitas vezes escrita no masculino; a última focando
“territórios”, isto é, campos profissionais que vieram a ser
ocupadas de uma maneira especial por mulheres, ou por pressões
sociais que as confinavam a esses papéis, ou por pressões sociais
que as impediam de ocupar esses papéis e que acabaram por ocupar de
modo especial. (Mais)
30 de agosto de 2019
Três zines da Sapata Press.
Serão hoje mesmo lançados três
novos títulos pela Sapata Press, cujo papel não é tão somente
criar a possibilidade de publicar fanzines de novos “autorxs”
(que me perdoem, mas não domino ainda esta novilinguagem), como a de
proporcionar um importante espaço público para todo um debate
complexo em torno das questões da identidade, que não se reduz de
forma alguma apenas ao sexo, sexualidade, género ou outras
categoriais sociais. (Mais)
27 de agosto de 2019
Bande dessinée et Abstraction. AAVV (La Cinquième Couche/Presses Universitaires de Liège)
Serve o presente post para indicar tão-somente que já se encontra à venda a antologia artística-académica Bande Dessinée et Abstraction/Abstraction and Comics. Trata-se de um livro em dois volumes que faz parte do colectivo académico ACME, da Universidade de Liège, tendo sido este projecto coordenado sobretudo por Aarnoud Rommens. Reúne dezenas de bandas desenhadas, inéditas ou não, completas e em excertos, de trabalhos que, de uma forma ou outra, se podem inscrever na promessa do título. A variedade de autores, em termos de nacionalidades, é assombrosa, e é salutar que uma produção de um centro desta disciplina esteja aberto a participações de todo o mundo. (Mais)
26 de agosto de 2019
Pêra Verde & Manuel inútil. Patrícia Guimarães (C. M. Beja & fanzines e martelos)
Um é um pequeno
apontamento, talvez autobiográfico, sobre pêras verdes comidas e
deixadas na infância. O outro uma pequena ficção, um fado, sobre
uma personagem patética e trágica. Em termos de género, de tom e
humor, não haveria nada em comum. O desenho tem afinidades, claro,
mas Patrícia Guimarães lança mãos de várias técnicas na forma
como constrói o desenho, persegue as linhas, fecha os contornos e
preenche o espaço com aguadas mínimas, quase ríspidas. (Mais)
25 de agosto de 2019
A Piscina. JyHyeon Lee (Orfeu Negro)
Porque é tão fascinante
quando mergulhamos na água? Trata-se de uma memória da espécie, ou
do nosso desenvolvimento ontogenético, ou uma mera sugestividade
devida a tantos mitos? Dever-se-á à alteração das percepções e
capacidades físicas, do incrível equilíbrio entre os limites
impostos e as novas liberdades? Em A Piscina, de JiHyon Lee,
encontraremos esses encontros, descobertas e possibilidades. (Mais)
23 de agosto de 2019
Ilustrações de João Maio Pinto para «Confissões de um travesti». Anónimo (Orfeu Negro)
Esta nota breve serve para
falar de um livro que foi, originalmente, publicado pela casa Le
Terrain Vague, parte do projecto editorial de Eric Losfeld, que nos
daria também Emmanuelle, as obras de Sacher Masoch e De Sade,
no campo da literatura dita “erótica” (que vocábulo mal
empregue e confuso nestes três casos), e todo um rol de bandas
desenhadas de expressão francesa dos anos 1960 que introduziriam,
para nunca mais se alterar, o erotismo e um certo grau de
sofisticação intelectual e visual.
Todavia,
estamos longe de uma obra com o peso literário de um Mishima,
Bataille, ou Renault na sua capacidade de descrever as forças
subcutâneas e tectónicas do desejo e as esplendorosas formas como
explodem cintilantes no momento da libertação expressiva a que
acedem. Tampouco estamos perante os malabarismos frásicos de um
Ubaldo Ribeiro ou até à desfaçatez, sarcasmo genuíno de um Luiz
Pacheco. Apesar de se titular uma “confissão”, não há aqui
espaço para a intimidade e proximidade desse género, mas tão
somente um tom quase documental, jornalístico e, passe o paradoxo,
seco. Todavia, a promessa desse percurso permite, digamos assim, um
acesso directo às questões principais. (Mais)
19 de agosto de 2019
Verões felizes. Vol 1. Zidrou e Jordi Lafebre (Arte de autor)
A fórmula é sustentável. Cada livro
desta série é dedicado a um Verão da família Faldérault, que
parte “rumo ao sul” na sua 4L – um clássico – comme il
faut, com mudanças no tablier. Há frases repetentes e canções
que se alteram, pontos de passagem obrigatórios e variações
aventurosas, piadas recorrentes e transformações significativas na
vida de todas as personagens. A propósito de Finalmente o Verão
havíamo-lo dito: o Verão é em si mesmo uma narrativa bem contida.
Ei-la transformada em série.